Mais tempo para aprender
Com o objetivo de melhorar o desempenho no Ensino Fundamental, estados e municípios começam a atender as turmas com aulas que vão de manhã até a tarde
01/06/2006
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Jornalismo
01/06/2006
Existe um consenso entre os educadores de que o período integral é, em todos os sentidos, mais eficiente do que a jornada de quatro horas, que vigora em quase todo o país. Um tempo maior de aulas é proveitoso sobretudo para quem vem de famílias de baixa escolaridade. Por isso, a ampliação progressiva da carga horária está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e também no Plano Nacional de Educação. Programas com esse objetivo foram adotados nos últimos anos pelas redes do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, da Bahia e de São Paulo. Alguns municípios de outros estados também estão abraçando a proposta.
Quando bem-sucedida, a mudança traz ganhos consideráveis. Na EEB Coronel Antônio Lehmkuhl, em Águas Mornas, município de 6 mil habitantes na região metropolitana de Florianópolis, o índice de repetência na 4ª série caiu de 23% para 5% depois que passou para nove o total de horas de aula por dia. O diretor Mário Fernandes detectou outra mudança. "Como os estudantes ficam o tempo todo ocupados, começaram a sentir falta das atividades durante as férias." Ele aderiu à proposta de turno único, oferecida pela Secretaria Estadual de Educação, porque já esperava comprovar uma suspeita antiga: a de que as crianças só cedem ao ócio ou a longas horas em frente à televisão porque não têm alternativas mais interessantes.
As opções que a escola oferece são, além das disciplinas tradicionais, Esporte, Artes e Informática. Todas as áreas ficam a cargo de professores da rede e sempre há novidades. As mais recentes são Dança e Filosofia. O que exige locais mais amplos é feito em parceria com a prefeitura, para o uso de áreas públicas, como ginásios e escolinhas de futebol. O enfoque em linguagens múltiplas abarca meios que vão do trabalho artesanal aos recursos eletrônicos. A coordenação pedagógica amarra as atividades. "Este ano montamos o currículo para discutir questões de ética e de comportamento", informa Fernandes.
A Coronel Antônio Lehmkuhl é uma das 113 integrantes do projeto Escola Pública Integrada, lançado em 2003 pelo governo catarinense. Hoje, 2,68% dos alunos do Ensino Fundamental estudam em regime integral. Fazem parte do programa as unidades que, além de terem manifestado desejo de aderir, dispunham da estrutura física apropriada.
Atenção às armadilhas
Nos ambientes carentes e que enfrentam situações freqüentes de violência, a jornada completa costuma ter impacto muito positivo. Os pais que trabalham fora - absoluta maioria nos dias de hoje, principalmente nas camadas mais pobres da população - ficam satisfeitos em saber que não precisam se preocupar com o que os filhos estão fazendo em sua ausência. O problema é dar peso excessivo a esse aspecto e descuidar das questões pedagógicas. "Cada atividade nova deve se integrar aos projetos curriculares e não ser apenas um modo de preencher horário", ressalta o diretor Mário Fernandes.
Como é uma medida de grande aceitação popular, a adoção do turno único corre o risco da precipitação, o que é grave, porque envolve grandes investimentos em infra-estrutura e recursos humanos. "Eu sou amplamente favorável à medida, mas é perigoso criar ilusões", diz Artur Costa Neto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ele vê com ceticismo a possibilidade de um período diário em torno de oito horas se tornar regra no país, quando ainda é comum redes operarem em até quatro turnos. "Há muitas etapas a serem vencidas antes de se pensar nisso", adverte.
Um sintoma adicional das dificuldades relacionadas ao assunto é a vida curta dos programas de tempo integral que já existiram no país, como os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) do Rio de Janeiro. A experiência pioneira da Escola-Parque de Salvador, idealizada pelo educador Anísio Teixeira e inaugurada em 1950, se descaracterizou ao longo de décadas e só neste ano foi possível ampliá-la para outras unidades da rede estadual.
"As diretrizes do ensino no Brasil não têm a mesma continuidade presente na condução da economia nos últimos anos", lamenta Célio da Cunha, assessor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Um modo de prevenir essa inconstância, defende ele, é envolver a comunidade no projeto. Um bom exemplo é o de Apucarana (PR), que em 2001 estipulou em lei municipal a vigência do regime do turno único, depois de uma consulta ampla à população para detectar prioridades. Curiosamente, o prefeito Valter Pegorer se inspirou no programa de outra cidade paranaense, Pato Branco, que acabou desativado.
"Talvez outras experiências tenham fracassado porque seus autores pensaram na estrutura antes de pensar na criança", diz Cláudio Aparecido da Silva, secretário de Educação de Apucarana. "Quando tivemos a idéia da educação ampliada, procuramos meios para viabilizá-la e houve uma resposta da comunidade." Foram feitos um levantamento das necessidades físicas e pedagógicas de cada escola e outro das condições de cooperação da comunidade. Salões paroquiais, clubes, bibliotecas e praças passaram a ser utilizados para as novas atividades. Hoje, 38 das 39 escolas municipais da cidade, que tem 115 mil habitantes, funcionam em tempo integral. A unidade restante foi reservada como opção aos pais que preferem o sistema anterior e, segundo o prefeito, é a menos procurada da rede.
Integração e parcerias
Idéias semelhantes orientaram a Secretaria de Educação de Belo Horizonte. A jornada única na capital mineira também é prevista em lei de 2002. Hoje, existem turmas no novo horário em 78 escolas e 149 creches do município, correspondendo a 16,5% do total de alunos. Apenas a EM Monteiro Lobato funciona exclusivamente em período integral, para turmas da Educação Infantil e do primeiro ciclo (três séries iniciais), dos 3 aos 9 anos.
A única unidade da rede reformada com esse fim tem 70% de suas vagas destinadas a alunos de maior vulnerabilidade social ou com deficiência. As demais são ocupadas por sorteio entre os integrantes de uma longa lista de espera. "A escola é uma espécie de projeto piloto", informa a diretora Dayse Canesso Maciel. O currículo, por exemplo, não faz distinção entre as atividades obrigatórias previstas pelo Ministério da Educação e aquelas que o horário expandido permite acrescentar - como modalidades esportivas, Música e Teatro, entre várias outras. "Não existe uma hora para estudar e outra para brincar", diz Dayse.
As tarefas são integradas em torno do eixo comum da alfabetização. As turmas são formadas de acordo com as idades, mas as que reúnem alunos de 6 a 9 anos se dissolvem em grupos que vão sendo reorganizados segundo as hipóteses de escrita dos alunos (silábico, pré-silábico, silábico-alfabético e alfabético). Há um professor regente por classe, mas vários outros cuidam de atividades incorporadas ao projeto alfabetizador. Um trabalho com múltiplas linguagens ocorre em espaços como o laboratório de informática, a biblioteca e os palquinhos de leitura e encenação de histórias.
Se na Monteiro Lobato tudo ocorre dentro dos limites dos muros - entre 7h10 e 17h20, com cinco refeições e banho -, na maioria das escolas de Belo Horizonte que têm turmas em período integral os trabalhos são estendidos para outros espaços urbanos. Isso porque o programa é compartilhado com organizações não-governamentais, parceiros que respondem por boa parte do currículo complementar.
A articulação entre as entidades da sociedade civil e as escolas resultou de um mapeamento do que já existia no município. "Fizemos uma leitura das experiências positivas em Belo Horizonte e percebemos que havia muita coisa acontecendo", diz a coordenadora de articulação pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, Macaé Evaristo. "A intenção é construir uma política sustentada no apoio da população."
Diretrizes diferentes
Na atual fase de construção gradual e experimentação, todos os projetos citados até aqui estão sendo submetidos a ajustes. A organização da grade curricular é o ponto mais delicado. Nas redes estaduais que estão implantando o período integral, há modelos de organização das disciplinas fornecidos pelo governo, mas também autonomia para reformulações, exceto no que se refere ao básico obrigatório. O processo é relativamente lento, porque está ligado aos interesses de estudo dos alunos e de suas famílias e também às características culturais do meio.
No Rio Grande do Sul, onde 23 escolas, 0,71% do total do estado, funcionam desde 2004 dessa forma, um dos pilares do sistema é o horário de acompanhamento dos deveres escolares. Já em Santa Catarina, inicialmente havia uma disciplina denominada Orientação de Aprendizagem, extinta quando se chegou à conclusão, mediante consulta às escolas, que ela deveria estar presente em todos os conteúdos. Outras opções se revelaram um acerto desde o início, como a oferta de aulas de Língua Estrangeira desde a 1ª série, aprovada unanimemente pelos pais.
Escola total
Boas razões para estudar o dia todo
Libera os pais para trabalhar.
Melhora o aproveitamento pelo contato prolongado com conteúdos e práticas.
Torna mais produtivo o tempo ocioso.
Tira as crianças de ambientes de risco social.
Permite ampliar a abrangência das atividades escolares.
Possibilita a orientação dos estudos e das tarefas.
Garante pelo menos três refeições diárias a todos.
Facilita a promoção de hábitos pessoais, como os de higiene.
Supre carências de lazer, cultura, esporte e acesso à tecnologia.
Experiências no exterior
Inglaterra
O turno integral foi introduzido no país em 1902, juntamente com a universalização da Educação Básica.
A mudança respondia às necessidades sociais de liberar as mães para o trabalho fora de casa e reforçar a formação das crianças num momento em que a superioridade econômica inglesa se via ameaçada.
Chile
No início dos anos 1990, a jornada completa passou a ser vista como um meio de promover um ensino de qualidade, principalmente para os mais pobres.
Em 1997, apenas 8% das escolas ofereciam aulas em tempo integral. Hoje, 84% estão nesse regime.
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Contatos
EEB Coronel Antônio Lehmkuhl, Av. Coronel Antônio Lehmkuhl, 579, 88150-000, Águas Mornas, SC, tel. (48) 3245-7046
EM Monteiro Lobato, R. Santa Apolônia, 120, 31920-360, Belo Horizonte, MG, tel. (31) 3277-5615
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