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Jornalismo

As lições do mestre Felipão

O técnico da seleção, que é professor de Educação Física, deu uma aula ao estabelecer objetivos para formar um grupo vencedor

PorFernando Tadeu Santos

01/08/2002

Scolari: respeito às diferenças, persistência e diálogo com os atletas. Foto: Pisco Del Gaiso
Scolari: respeito às diferenças, persistência e diálogo
 com os atletas. Foto: Pisco Del Gaiso  
Baixa auto-estima generalizada, descrença na capacidade de superar problemas, relacionamento difícil entre os integrantes da turma, insegurança quanto ao futuro. Trata-se de uma classe de aceleração com alunos fora da idade? Ou de uma turma com problemas de aprendizagem? Poderia ser qualquer uma das duas. Na verdade, esse foi o ambiente encontrado por Luiz Felipe Scolari quando assumiu, há pouco mais de um ano, o comando da seleção brasileira de futebol. O time acumulava resultados negativos, tinha jogadores machucados, sem entrosamento, descrentes da própria técnica e rumava para um fiasco na Copa do Mundo. No caminho deles, porém, havia um professor de Educação Física.

"A estratégia de Scolari tem muitas semelhanças com os métodos que usamos na escola", compara Marina Feldmann, diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Ele estabelece metas, faz um planejamento estratégico, executa o plano por etapas e busca meios para instrumentalizar os resultados." E que resultados. Aquele grupo de "alunos-problema" se uniu, ganhou confiança e "passou de ano", trazendo o penta para casa.

Estratégia vencedora

O professor Felipão começou a mudar a história de seus pupilos aplicando um preceito básico da educação: respeito à individualidade e às diferenças. "Ele só venceu porque soube interagir bem com cada um dos atletas", analisa Marina Feldmann. "Um princípio que é fundamental também na escola."

O técnico deu show em outro aspecto essencial no dia-a-dia da sala de aula: comunicação. Ele transmitiu de forma clara o que pretendia com suas orientações e que desempenho queria alcançar. Exatamente o que você deve fazer em classe, quando passa orientações. Os alunos precisam saber aonde devem chegar e o que têm a fazer, para não se perderem tentando resolver tudo sozinhos.

"Compartilhar as idéias com clareza é fundamental", analisa Regina Sotto Maior, consultora de recursos humanos da Holos, de São Paulo. "Isso faz com que todos entendam seu papel. Ronaldo não seria um fenômeno se Rivaldo e Ronaldinho não tivessem consciência de que as bolas perfeitas tinham de partir dos pés deles", exemplifica Marina. Na escola, vale princípio semelhante quando a garotada é dividida em equipes. Não adianta colocar todos os craques na mesma e deixar os que têm dificuldades em outras. O ideal é mesclar as potencialidades para que os estudantes encontrem o melhor jeito de se ajudar.

"Ele estabelece metas, faz um planejamento, executa o plano e instrumentaliza os resultados"

Marina Feldmann, da PUC-SP 

 Um por todos

Relacionar-se em equipe nem sempre é fácil, como todo educador sabe. Por isso, é fundamental definir normas comuns, que se apliquem a todos e sejam discutidas e estabelecidas em conjunto. Agindo como líder e facilitador do desempenho de cada um, Felipão conseguiu estabelecer um "combinado" que incluía regras rígidas, como a proibição de encontrar esposas e usar celulares na concentração. O respeito a essas normas facilitou a convivência e abriu espaço para o espírito de solidariedade entre os jogadores.

Um líder não pode esquecer-se de valorizar todos os alunos. Inclusive os que ficam com funções aparentemente menos importantes. Mostrar que cada um é fundamental para a conclusão do objetivo final passar de ano, aprender os conceitos pré-definidos, melhorar o grau de sociabilidade da turma etc. estimula a união e a participação.

O atacante Denílson, um dos reservas da seleção, sabe do que estamos falando. Na véspera da estréia do Brasil na Copa, ele e Luizão estavam tristes porque não queriam ficar no banco. O professor Felipão entrou em cena e os convenceu de que todos eram titulares da mesma equipe, mesmo que não jogassem. "Nunca esqueceremos da força e do carinho que ele nos deu nesse dia", diz Denílson. Chamado para o segundo tempo, Luizão mostrou garra e categoria, infernizou os adversários e sofreu o pênalti que garantiu a vitória ao Brasil.

"O Luiz Felipe nunca deixou de ser, pensar e agir como um professor. Por isso, ele é mestre na arte de vencer"

 Flávio da Cunha Teixeira, o Murtosa, auxiliar do treinador

Finalmente, nunca se esqueça do lado humano. Muitas vezes, ele é mais importante do que o conteúdo que você quer ensinar, porque o aluno não vai aprender se estiver com problemas ou sentindo-se desacreditado. "Felipão sabia compensar as falhas de cada um", lembra Cafu. Mesmo quando fazia uma substituição, ele transmitia confiança para quem estava saindo o que mantinha o jogador seguro. "Esse lado humano foi tão importante para nós quanto os esquemas técnicos e táticos", destaca o capitão do time pentacampeão.

Não é por acaso que as atitudes do técnico se assemelham a estratégias usadas em sala de aula. Scolari entende de didática desde o tempo em que lecionava em Caxias do Sul, no interior gaúcho. O amigo e auxiliar Flávio da Cunha Teixeira, o Murtosa, que o acompanha em todos os clubes, resume bem a influência dessa formação profissional. "O Luiz Felipe nunca deixou de ser, pensar e agir como um professor. Por isso, ele é mestre na arte de vencer."

A didática do gramado

Conheça as bases que garantem o sucesso do planejamento do técnico da seleção brasileira

Meta
Felipão estabeleceu um objetivo: colocar a seleção brasileira entre as quatro finalistas. "Ser campeão do mundo é lucro", dizia ele antes da Copa do Mundo. Reuniu talentos e pôs em prática um plano tático e técnico de treinos duas vezes ao dia. Todas as noites, após o jantar, reunia-se com os jogadores para conversar. "A vitória numa partida de futebol é uma conjugação de esforços bem planejada, muito parecida com as metas de uma escola", diz a professora Marina Feldmann.

Diálogo
Por ser professor, Felipão sabe que o diálogo é uma arma poderosa de interação com os atletas. "Fazíamos de tudo para transmitir nossos conhecimentos, sem nunca deixar de ouvir os jogadores", explica Murtosa, auxiliar técnico da seleção. "O diálogo permanente foi fundamental para a união do grupo dentro e fora do gramado."

Persistência
Tal qual uma classe de alunos atrasados, a seleção estava em frangalhos quando Felipão a assumiu. Ele sofreu críticas, chegou a ser vaiado, ninguém parecia acreditar no seu sucesso. Nessas horas, é preciso apostar no próprio trabalho para dar a volta por cima e mostrar aos resistentes e aos indiferentes que todos podem fazer diferença. Deu certo com ele. Por que não na sua escola?

Regras
"Nenhum projeto de trabalho ou de vida será bem-sucedido sem normas. Isso acontece em casa, na escola, em qualquer lugar", costuma dizer Felipão. Na seleção, as regras ajudaram a integrar o grupo, já que cada jogador tinha de respeitar e de fato respeitava as particularidades dos colegas. Além disso, as proibições valiam para todos. Inclusive para o professor.

Auto-estima
Manter o moral e a auto-estima altos é fundamental em qualquer ambiente. Felipão sabia que o grupo só renderia bem se tivesse autoconfiança. Por isso, investiu pesado na valorização das qualidades de cada um. "Não havia espaço para pessimismo", lembra Murtosa.

 

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