EAD: licenciatura a distância cresce 1500% em dez anos nas universidades particulares
“Cursos rápidos” e “programas de formação simplificados” afetam qualidade do ensino oferecido a futuros professores
10/05/2019
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Jornalismo
10/05/2019
O número de matrículas em cursos de licenciatura a distância (EaD) em universidades particulares aumentou mais de 1500% de 2005 a 2016, passando de 34,9 mil alunos para 559,6 mil em 10 anos. Somente no curso de Pedagogia, a quantidade de alunos saltou de 1,9 mil em 2005 para 354 mil em 2016, representando crescimento de 17735%.
Os dados fazem parte do livro Professores do Brasil: Novos Cenários de Formação, lançado pela Fundação Carlos Chagas em parceria com a Unesco. O estudo realizado por quatro pesquisadoras faz um alerta sobre a formação docente no país e questiona a qualidade dos cursos de licenciatura oferecidos no módulo ensino a distância.
Apenas em 2016, das 944,7 mil matrículas registradas em áreas de licenciatura em universidades privadas, 36,6% foram na modalidade EaD, enquanto que nas públicas, do total de 579,5 mil matrículas, apenas 81,8 mil (5,4%) eram para formação EaD.
A pesquisa revela que dentre os cursos de licenciatura, os que mais têm crescido são os de Pedagogia e que a expansão das matrículas na licenciatura acontece, sobretudo, por meio da via privada. No início dos anos 2000, as matrículas para cursos de Pedagogia já eram 67,6% maiores nas instituições privadas do que nas públicas. Em 2016, esse número saltou para 81,4%, sendo que mais da metade dos alunos de Pedagogia (52%) frequentam cursos EaD em instituições privadas. No entanto, para cursos de licenciatura em áreas específicas (como Física, História e Matemática), as instituições públicas são as mais presentes.
O número de matrículas no setor privado já era maior do que no público, uma base de 54% e 45%, respectivamente, nos anos 2000 – diferença que se acentua até 2016, quando as instituições privadas passam a responder por 62% dos estudantes, enquanto as públicas ficam com 38% deles. Apesar do aumento no número de matrículas nas licenciaturas em universidades privadas, a pesquisa aponta um dado importante: a quantidade de professores diminuiu nessas instituições e cresceu nas públicas.
Para as autoras do estudo, o crescimento do atendimento na Educação Básica se deve aos esforços de diversas políticas de ampliação das redes escolares de Educação Básica para universalizar o acesso, e isso fez crescer a demanda urgente por professores e gestores escolares – o que afetou a qualidade de suas formações. “Optou-se por cursos mais rápidos, ou programas de formação docente simplificados, apostou-se na modalidade EaD, sem forte regulação e monitoramento”, afirma Patrícia Cristina Albieri de Almeida.
A professora reforça que esse crescimento da educação a distância deve ser motivo de preocupação. “Esse crescimento [do EAD] e a gente sem saber da qualidade dessa forma de ensino, pode ter um efeito muito negativo na formação dos professores”, afirma.
Diante desse cenário, as pesquisadoras concluíram que o viés para oferta dos cursos na modalidade EaD é preocupante, pois as relações mais diretas com escolas, crianças e adolescentes, como recomendado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), gestores e educadores, e o acompanhamento de estágios, tornam-se, no mínimo, complicados. “O impacto dessas novas abordagens nas redes de ensino precisa ser considerado”, diz trecho do livro.
A autora Elba Siqueira de Sá Barreto destaca que houve uma priorização das licenciaturas nos últimos dez anos, sobretudo nas universidades privadas que, segundo ela, têm menos lastro com pesquisa científica e são ofertadas mais no módulo a distância. “Ou seja, está sendo feita uma formação muito superficial para esses professores e os próprios currículos do curso de Pedagogia tem tratado muito mal a formação dos professores para os Anos Iniciais, principalmente para a Educação Infantil”, afirma.
A pesquisadora assegura que é preciso repensar a Educação Infantil com mais seriedade e profundidade nas condições específicas que ela exige e na formação do professor do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Além disso, Elba ressalta que é imprescindível melhorar a qualidade dos cursos de licenciatura para dar condições para que os alunos não desistam, uma vez que 50% dos estudantes abandonam o estudo por diversos fatores. As taxas de evasão também fazem parte do estudo.
“Professores do Brasil” traz uma série de experiências inovadoras no campo da formação continuada de professores. As pesquisadoras levaram em consideração inovação como “aquilo que muda, de certa forma, uma realidade que vem sendo desenvolvida e que acrescenta à aprendizagem dos alunos”. “Localizamos experiências de secretarias municipais de Educação nas regiões Norte, Sul, Nordeste, em que há casos inéditos no Brasil”, conta a professora Marli Eliza Dalmazo Afonso de André, uma das autoras.
Para ela, a principal conclusão do trabalho é que “precisamos desenvolver muito mais experiências que sejam inovadoras no país”, tanto na formação inicial quanto na continuada. O ponto positivo, de acordo com a professora, é que o Brasil não está defasado em termos de literatura. “As [experiências] que estão sendo praticadas aqui estão atualizadas e de acordo com a literatura internacional”, completa.
A pesquisadora Patrícia de Almeida, que também trabalhou com as experiências, acrescenta que um dos objetivos do livro é justamente dar luz aos profissionais que atuam na formação de professores. “Apesar dos avanços serem pequenos quando pensamos historicamente, vemos uma iniciativa, mesmo que individual, de muitos formadores que têm trabalhado práticas peculiares e interessantes que, de fato, têm favorecido o aprendizado da docência”.
A tendência é de que essas experiências ainda fiquem no âmbito individual, o que, conforme Patrícia, é ruim. “Não encontramos no âmbito coletivo uma experiência bem-sucedida ou recomendada do curso como um todo”, pondera. De todo modo, o livro pretende ampliar a visão sobre os temas abordados e mostrar caminhos possíveis para melhorar a qualidade da formação docente.
Em um estudo com mais de 300 páginas, o livro Professores do Brasil: Novos Cenários de Formação apresenta um panorama amplo sobre a docência no país, com contextos, informações e dados que passam pela formação, trabalho e profissionalização do professor. O estudo feito pelas professoras pesquisadoras da Fundação Carlos Chagas (FCC) e da Universidade de São Paulo (USP), Bernardete Angelina Gatti, Elba Siqueira de Sá Barreto, Marli Eliza Dalmazo Afonso de André e Patrícia Cristina Albieri de Almeida, também traz indicativos do que seria o perfil dos formadores hoje.
O livro, disponível na internet, é o terceiro de uma série que apresenta o panorama sobre a docência no país e foi produzido a partir do projeto “Cenários da formação do professor no Brasil e seus desafios”, apoiado pela Unesco e realizado pela Fundação Carlos Chagas, no âmbito da Cátedra Unesco sobre Profissionalização Docente.
Com nove capítulos, a obra traz um retrato tanto histórico quanto de dados e é indicado para professores da Educação Básica, professores formadores, alunos de cursos de licenciaturas, pós-graduandos e pesquisadores da área.
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