Lá fora, muitos lugares para aprender
Visitas ao entorno da escola ensinam conteúdos únicos aos alunos. Saiba quando elas são uma boa opção e o que prever para organizá-las
01/05/2014
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Jornalismo
01/05/2014
Ao estudar o sistema educativo finlandês, reconhecido pela competência leitora dos alunos, o pesquisador espanhol Javier Melgarejo Draper concluiu que não só a escola e a família são responsáveis pelo aprendizado. Outra instância educativa, constituída por instituições socioculturais como bibliotecas, parques naturais e museus, influencia profundamente o que crianças e jovens aprendem. A presença num museu, por exemplo, a forma de se comportar ali e de interagir com o acervo são um conteúdo. Se a experiência é relacionada a atividades ligadas ao cotidiano escolar, como pesquisar e discutir, o conhecimento se amplia.
As saídas a destinos variados, porém, só funcionam se relacionadas aos temas do planejamento. "A atividade rompe a concepção de que o que se aprende na escola está separado do dia a dia", afirma Monique Deheinzelin, doutora em Psicologia e Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Por isso, é importante aproveitar características locais e a curiosidade da sala. "Fatos vividos pelos alunos são capazes de mobilizá-los e podem ser utilizados como gancho para entrar em contato com o saber que já foi sistematizado por anos de pesquisa", diz Lana Cavalcanti, da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Institutos culturais, ginásios esportivos, teatros e cinemas são opções de destino. Mas se engana quem acha que só vale tirar a turma da classe quando a cidade possui recursos desse tipo. Ruas, o centro histórico, o arquivo público e o próprio bairro e seus moradores são ricas fontes de estudo. Sem falar de espaços naturais e propriedades rurais. "O conhecimento não é exclusividade da escola. Mas a saída tem de ter intencionalidade e a aprendizagem como objetivo. Não é só para olhar, sem um fim pedagógico", pontua Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare.
Para que amplie a visão da garotada sobre o mundo, a aula fora da escola deve ser uma das etapas da sequência didática, possível somente naquele local. A organização é essencial para o sucesso. Comece visitando o espaço. "O professor deve conhecer a cidade. Sem isso, fica difícil tomar a atitude de levar os alunos aos lugares", aponta Cláudia Aratangy, diretora do projeto Cultura é Currículo da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Durante o reconhecimento do local, você define os pontos para os quais quer chamar a atenção dos alunos. Depois, em sala, a temática deve ser bem apresentada. "A experiência rende muito mais quando eles chegam preparados", diz Monique.
A pesquisadora argumenta que a criação de repertório tem uma importância muito maior que a questão do comportamento, que tanto preocupa os professores (leia os erros mais comuns no quadro abaixo). "Isso faz sentido, mas não deve ser o principal." Antes de partir, explique o que espera de todos. "O professor tem de indicar em que prestar atenção ou o que será pedido depois, em sala", explica Regina Araújo, do Departamento de Geografia da USP.
José Gimeno Sacristán, docente da Universidade de Valência, na Espanha, defende a validade das visitas no livro Educar e Conviver na Cultura Global - As Exigências da Cidadania (269 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, edição esgotada). Para ele, "as apropriações culturais ou as aprendizagens mais significativas e de caráter mais vivo são aquelas que são o resultado de nossos confrontos constantes e diretos com o mundo físico, os objetos construídos, outras pessoas, as relações sociais e as condensações de culturas". Nas páginas seguintes, você confere o trabalho de quatro professores que levaram isso a sério e usaram o entorno para ensinar os alunos.
Os erros mais comuns
Conhecer e vivenciar o circo
O palhaço e o trapezista eram figuras distantes, quase clichês, para os alunos do 6º ano da EMEF Dom Pedro I, em São Paulo. Marcos Ribeiro, professor de Educação Física, percebeu isso após indagar a garotada com questões como "Que práticas corporais existem em um espetáculo de circo?". Diante das respostas obtidas, o educador resolveu enriquecer o repertório cultural da turma com conceitos e vivências de atividades circenses tradicionais.
Como quase ninguém já tinha ido a um espetáculo, o docente exibiu um vídeo com alguns números. Em seguida, ensinou aos alunos as práticas de malabares, perna de pau, pirâmide humana, corda bamba, equilíbrio em tecido e monociclo. Além de treinar as modalidades, eles liam a respeito do tema. No caderno, cada um registrou sua experiência e o que havia aprendido.
No artigo Educação Física Escolar - Pedagogia e Didática das Atividades Circenses, Marco Antonio Coelho Bortoleto e Rodrigo Mallet Duprat indicam pontos necessários ao trabalhar com o tema. Eles explicam que o interesse pedagógico deve estar mais centrado no domínio conceitual do que no técnico.
Após as situações vividas na escola, os estudantes conheceram o Centro de Memória do Circo. Foram recebidos por especialistas do assunto, que conduziram uma roda de conversa e responderam a perguntas sobre a história do circo e a rotina e o perfil de quem trabalha lá.
Com a visita, o grupo aprendeu, por exemplo, que cada palhaço tem uma maquiagem que marca sua identidade. Quando seu intérprete morre, outro artista a assume. "A atividade ampliou os saberes dos estudantes, que puderam tirar dúvidas e interpretar o espaço visitado a seu modo. Isso é muito diferente de uma situação em que o professor vai ao local e depois, em classe, passa as informações para eles", afirma Marcos Neira, professor da Faculdade de Educação da USP.
Depois, os alunos assistiram ao espetáculo do Circo Spacial. Na ocasião, observaram as estratégias de interação com a plateia, sobretudo dos palhaços. E também compararam os exercícios da pirâmide humana feitos na escola e os apresentados pelos artistas, mais elaborados. Na aula seguinte, pediram a Ribeiro para reproduzirem aquela formação. Muito do que viram no circo contribuiu para compor a apresentação feita para as salas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. "Algumas estratégias para chamar a atenção do público, a turma trouxe da experiência da visita", conta o educador.
Centro de memória e circo
A economia local estudada no campo
A professora Janete Emília Dourado Santos, da Escola Enedino José Lima, em Iraquara, a 427 quilômetros de Salvador, observou que a farinha fazia parte das refeições e que a rapadura adoçava o café de todas as famílias da cidade. Mas, mesmo assim, os alunos da sala multisseriada, do 3º ao 5º ano, conheciam pouco sobre as principais atividades agrícolas da região. "Queria que eles identificassem as características do cultivo da cana-de-açúcar, da mandioca e do sisal e escrevessem a respeito", explica.
Após levantar os conhecimentos prévios das crianças sobre as culturas de subsistência locais, a educadora orientou uma pesquisa na internet, em guias rurais e livros didáticos sobre os produtos agrícolas, a história e as condições ideais para a produção deles. Com a atividade, elas descobriram que o sisal serve para fazer tapetes destinados aos mercados externo e interno. Entenderam também que a mandioca começou a ser plantada pelos índios antes da chegada dos portugueses e que o Brasil produz toneladas da raiz, assim como da cana-de-açúcar.
As informações serviram de base para compor o roteiro do passeio e as perguntas que os alunos fariam a trabalhadores e proprietários das fazendas. Algumas curiosidades da meninada também enriqueceram o questionário com perguntas do tipo "Como é a rotina do trabalho?" e "Como saber se a colheita vai dar certo?". Todos foram orientados a registrar as informações coletadas para que os textos ficassem mais bem estruturados. "Formular o roteiro da visita e organizar as entrevistas dá aos alunos um olhar apurado sobre o tema antes da saída", diz Regina de Araújo, do Departamento de Geografia da USP.
Com o pé na roça, os estudantes observaram, pelas folhas secas e pelo forte calor, que os três produtos resistiam a longos períodos sem chuva e, por isso, eram adaptáveis à caatinga. Por meio das entrevistas com os proprietários das plantações, descobriram os produtos derivados e detalhes sobre a comercialização. Já as conversas com os empregados trouxeram dados sobre a melhor forma e a época certa para plantar cada item. O que mais impressionou a turma foi o sisal. Ver de perto um trabalhador com feridas causadas pelos espinhos da planta, coberto de suor e desgastado pelo esforço impactou os alunos, principalmente quando souberam que o pagamento que ele recebe é muito baixo. As crianças se solidarizaram com a condição dele e disseram que não queriam ter essa ocupação quando adultos. "Só com a atividade externa elas relacionaram o que estudamos em sala e a realidade", explica Janete.
Após revisões individuais, coletivas e em duplas, os textos informativos sobre as atividades ficaram prontos e foram compartilhados com a comunidade nas comemorações pelo aniversário de 50 anos do município.
Fazendas
Objetos explicam o passado
Roupas de bebê, fotos e moedas antigas. Esses foram alguns dos objetos que os alunos do 5º ano do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da UFG, em Goiânia, levaram para as aulas do professor de História Ataíde Felício dos Santos. Ele aproveitou um estudo sobre os povos que habitaram o Planalto Central para explorar o conceito de pista histórica. O objetivo era que os estudantes compreendessem que elementos do dia a dia são indícios do que já aconteceu.
Tudo começou com uma observação feita pelo educador: "Assim como vamos a museus e observamos objetos da história de uma sociedade, a casa onde vivemos é um museu da nossa própria vida". Santos, então, intercalou encontros em que repertoriava os alunos com textos e discussões com outros em que a meninada apresentava aos colegas alguns itens simbólicos do passado da família, por exemplo, vestimentas.
Cada um escreveu a respeito do que trouxe e fez um desenho. Na aula seguinte, uma especialista foi à escola falar sobre a importância do conceito de pista histórica para a Arqueologia e o ofício do arqueólogo. Textos e fotos apresentados pelo educador enriqueceram a conversa.
O professor questionou as semelhanças entre os itens familiares e os encontrados em museus. Durante a aula, as crianças compreenderam que os dois tipos de objeto contam coisas sobre os donos. Em seguida, elas apreciaram a exposição Lavras e Louvores, do Museu Antropológico da UFG. O acervo resgata, por meio de peças do dia a dia, como viviam os povos que habitaram a região. Lá, a meninada encontrou registros dessas sociedades, como fósseis e urnas funerárias.
Sem o que foi previamente analisado em sala, os itens vistos na mostra seriam considerados apenas peças cobertas de terra. Com o estudo feito pelas crianças, o conceito de pista histórica ficou claro. "Ao visitar o acervo, elas tiveram uma percepção do conteúdo diferente da que teriam se tivessem apenas lido a respeito", destaca o professor. "O contato com a fonte histórica permite fazer indagações e entender como a História é construída", afirma Ana Cláudia Urban, docente do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Todos foram também a Goiás, antiga capital do estado. Lá, por meio de visitas guiadas ao centro histórico e a museus, a garotada constatou as marcas da presença portuguesa e da atividade mineradora. Ela está na arquitetura dos prédios e no ambiente doméstico. Um relatório sobre a visita, avaliado por Santos e pela professora de Língua Portuguesa, encerrou o trabalho.
Museu e cidade histórica
Repertório para narrar histórias
Quem resiste ao envolvimento com os personagens e à trama de uma boa narrativa? Com a certeza de que a literatura pode ser encantadora, Fabiana Barboza, professora da EM Octávio de Meira Lins, em Recife, convidou o 5º ano a escrever um livro de contos e a gravar um audiolivro com histórias criadas coletivamente. Para cumprir a tarefa, a criançada ganhou repertório lendo obras e visitando espaços culturais e instituições espalhadas pela cidade.
Como preparação para redigir um dos textos, a educadora conduziu a leitura de Vinte Mil Léguas Submarinas (Júlio Verne, 88 págs., Ed. DCL, tel. 11/3932-5222, 27,90 reais). "Discutíamos cada capítulo. Além de comentar o que tinham lido, os alunos levantavam hipóteses sobre o que achavam que ia acontecer", conta Fabiana. Inspirados no clássico, eles foram incumbidos de escrever um conto com espaço definido - o fundo do mar - e um conflito - a existência de um misterioso laboratório submerso.
Antes de redigir o texto, a turma viu em sala o filme homônimo e foi ao teatro para assistir à peça inspirada na história do escritor francês Júlio Verne (1828-1905). Com a visita, os alunos puderam comparar a linguagem em três formas de arte - literatura, cinema e teatro - e ganhar mais elementos para compor a própria releitura da obra. Após o espetáculo, eles comentaram como o texto apresentado no palco era mais enxuto quando comparado ao livro.
Aspectos como a entonação da voz e a postura dos atores chamaram a atenção, pois todos já estavam concentrados nos elementos necessários para contar oralmente uma história. "Os dados obtidos nas saídas e em sala criam um repertório sobre o autor ou o tema estudado. É um bom gancho pedir uma produção inspirada nisso, mas considerando a capacidade criativa das crianças", diz Monique Deheinzelin.
Na hora de escrever, primeiro foram redigidos textos individuais, que foram corrigidos por Fabiana. Depois, quartetos trabalharam para a escrita de uma única versão.
Chegou a hora de os estudantes participarem de uma oficina com o grupo Tapetes Contadores de Histórias. Ao assistirem a uma apresentação dos profissionais, eles aprenderam sobre como a entonação, a respiração e o ritmo da voz intensificam a expressão e ampliam a compreensão de quem ouve o conto, elementos importantes para a gravação do audiolivro.
Lá, a meninada ouviu gravações de diferentes leituras, identificando o sentimento em questão e procurando outras expressões para ele. Surgiram, por parte dos alunos, grunhidos de raiva e exclamações de surpresa. O que aprenderam na oficina foi complementado, em sala, com brincadeiras envolvendo música e dança propostas pela professora. Tudo foi colocado em prática na hora de ir para o estúdio e gravar O Segredo Submerso, título dado ao texto escrito por todos.
Teatro e centro cultural
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