Professora cria projeto de artes para combater a violência
Iniciativa valoriza a identidade dos jovens e mostra a cultura periférica de Belém
29/04/2019
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Jornalismo
29/04/2019
“Na periferia existe mais do que a violência”, frisa Lilia Melo, 42 anos, professora de Língua Portuguesa na EEEIFM Brigadeiro Fontenelle, escola localizada no bairro Terra Firme, em Belém (PA). Vencedora da última edição do prêmio Professores do Brasil, oferecido pelo MEC, Lilia desenvolve projetos de música, literatura, dança e audiovisual articulados entre a escola e a comunidade do bairro, para onde ela se mudou após começar a trabalhar na unidade de ensino. Inicialmente, o foco era trabalhar com lendas amazônicas por meio de projetos, mas uma chacina ocorrida no bairro em 2014 fez com que repensasse o seu papel como educadora. A partir da tragédia, passou a mapear os coletivos culturais que já atuavam na região, como o Casa Preta, e abrir as portas da escola para esse intercâmbio. A ideia era valorizar a produção cultural periférica e a identidade afro-indígena e ribeirinha da maioria dos estudantes. A inspiração surgiu de projetos similares como o Cooperifa e o Blacktude, que organizam saraus nas periferias de São Paulo e Salvador, e o Proceder, que trabalha com o funk no Rio de Janeiro.“Houve uma socialização espontânea entre os coletivos e os meninos. Passamos a ser também uma espécie de circuito cultural no bairro”, lembra ela. Tudo ia bem até uma segunda chacina atingir a região da escola, em 2018.
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No fogo cruzado entre milicianos, policiais e o crime organizado, Lilia pensou em desistir. Mas a estreia de Pantera Negra no cinema deu um novo fôlego para a empreitada. Impactada pela temática do filme, com elenco majoritariamente negro, ela promoveu um financiamento coletivo e conseguiu levar 400 adolescentes para assistir à produção na tela grande.
Diante da repercussão, os estudantes passaram a ir em outras instituições de ensino do estado para compartilhar sua vivência e, nas palavras de Lilia, contar a própria história. Ao mesmo tempo, criaram o Cine Club Terra Firme e passaram a registrar em vídeo o seu cotidiano e as atividades da escola. Hoje, além do audiovisual, há grupos de trabalho dedicados à poesia, música, dança, teatro e artes visuais. Tudo parte da realidade dos jovens: em 2019, a escola resolveu trabalhar o suicídio, após um caso acontecer na Brigadeiro Fontenelle. O resultado foi o minidocumentário Percepções, em que os jovens discutem saúde mental, bullying e gênero.“A periferia abriga a maior parte da população e produz cultura constantemente. O extermínio contra a população precisa estar em evidência, mas também a arte na rua, a biblioteca comunitária e os vizinhos que se unem. A periferia é vida, é arte”, resume a educadora.
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OPINIÃO DOS JOVENS“Para a mídia, na periferia só tem bandido e violência. Mas há muita cultura. Os projetos são como um microfone pra gente falar pro mundo as nossas demandas.” Felipe Borges Assunção, 20 anos, ex-aluno de Lilia e coordenador do GT de Artes Visuais.
“Quando comecei a entender minha identidade negra e me aceitar a partir das rodas de conversa, fiquei mais atuante na escola e me abri para o mundo.” Victoria Castelhano, 18 anos.
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PALAVRA DE ESPECIALISTA
Os pontos inovadores no trabalho da professora Lilia, segundo Helena Singer, colunista de NOVA ESCOLA
Produção de conhecimento
A grande inovação do trabalho da professora é posicionar a escola como um centro de produção de conhecimento, e não apenas de reprodução.
Engajamento
A partir do momento em que se vê como produtora de conhecimento, a escola engaja estudantes e comunidade em processos de reconhecimento do contexto sociocultural
Melhora das condições locais
Tudo isso engaja os estudantes com a escola, com seu próprio percurso de aprendizagem, e também colabora para a melhora das condições locais.
Fotos: Estúdio Tereza e Aryanne/NOVA ESCOLA
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