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Jornalismo

Como criar escolas – e alunos - mais criativos

O professor britânico Ken Robinson defende que avaliações padronizadas não ajudam a melhorar a aprendizagem e que os recursos deveriam ser gastos em formação e estrutura das escolas

PorBarbara Bigarelli

16/04/2019

O professor britânico Ken Robinson é autor do livro Escolas Criativas: ele é contra as avaliações padronizadas e acha que os recursos deveriam ser gastos com formação e estrutura das escolas    Crédito: Divulgação

Bailarina britânica falecida em 2018, Gillian Lynne foi a coreógrafa responsável pelo sucesso dos musicais Cats e O Fantasma da Ópera. Para muitos críticos, ela transformou a forma de pensar a dança – não só no Reino Unido, mas no mundo. A sua história poderia ser outra não fosse o diagnóstico de um médico. Gillian tinha dificuldades para se concentrar na escola, não conseguia acompanhar o ensino comum tal como era exigido dela. No consultório, o médico ligou o rádio e pediu à mãe que observasse escondida sua filha dançando a música. Gillian parecia outra pessoa. A dança era sua maneira de pensar, se concentrar e se comunicar com o mundo externo. Ali estava o seu remédio. Ela mudou de escola, se profissionalizou na Royal Shakespeare Company e teve uma longa carreira de sucesso.

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A história de Gillian é narrada no TedTalks mais visto de todos os tempos. Cerca de 57 milhões de pessoas de 150 países assistiram à apresentação do britânico Ken Robinson “Como as escolas matam a criatividade?”.  Phd e professor emérito da University of Warwick, Robinson utiliza bom humor, irreverência e conhecimentos em várias áreas para fazer críticas aos atuais sistemas de educação. Em sua visão, a padronização do ensino que visa, sobretudo, a interesses econômicos não eleva a qualidade do aprendizado e não desenvolve a capacidade criativa dos alunos. Ele defende que pessoas criativas não são geradas em “uma Educação em série”, na qual se submetem às mesmas provas, ao mesmo currículo e são avaliadas de forma igual. Nesse cenário, impera a “hierarquia de disciplinas”, com Exatas no topo de prioridades. Todo mundo precisa estudar da mesma forma e trilhar o mesmo caminho. E, nem sempre, aparecem salvadores como o médico de Gillian, capazes de olhar as singularidades de cada aluno.

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Longe dos palcos do TED, Ken Robinson é prolixo em suas análises e se esquiva de fornecer fórmulas. Ele sabe que, na Educação, não existem respostas curtas ou simples. Carrega, porém, a segurança de quem pesquisa há 40 anos para fazer comparações, analisar o que não funciona e exaltar as histórias que deram certo. O livro Escolas Criativas (Penso Editora) é resultado desse trabalho. “As pessoas não apresentam formas ou tamanhos padronizados, o que também não ocorre com suas habilidades e personalidades. Entender essa verdade básica é a chave para compreender como o sistema está fracassando”, escreve no livro. Para ele, o coração da Educação é a relação entre professor e aluno. Todo o resto depende de quão produtiva e bem-sucedida for essa relação. E é nela que governos e escolas precisam investir.

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Em entrevista à NOVA ESCOLA, Ken Robinson analisa quais fatores são importantes para as escolas e pais manterem a capacidade criativa das crianças – e não deixarem novas Gillians pelo caminho, esperando por salvadores ocasionais.  

O senhor defende que a maior barreira para reformar ou transformar o sistema de Educação é a “tirania do senso comum”. Por onde começamos a criar consenso sobre o que precisamos ensinar?
Precisamos entender o que preocupa as pessoas e o que vem à mente delas quando falamos de Educação. Há alguns anos, fiz uma grande pesquisa no Reino Unido com esse objetivo. A maioria das pessoas pensa que educar é preparar o jovem para o mercado de trabalho, para que ele, um dia, seja financeiramente independente. Pais e políticos pensam assim e essa é uma conversa prática e necessária, considerando que a economia – e as habilidades profissionais demandadas – estão mudando cada vez mais rápido no mundo. O segundo fator que minha pesquisa apontou é que os pais esperam que suas crianças possam viver uma vida com propósito e significado (algo subjetivo para cada família). O terceiro ponto envolve refletir a importância da Educação para o desenvolvimento social e cultural das pessoas. Conseguir consenso nesses três aspectos, para definir o que os alunos devem aprender, é um longo processo. Mas o fundamental é iniciar essa conversa.

“O que todos os meus livros querem refletir de início é: saiba o que Educação significa para você. Não tome tudo como verdade.”

No livro, o senhor defende que as escolas precisam focar em desenvolver criatividade, inovação e imaginação. O que é criatividade para o senhor – e como ela se diferencia da curiosidade?
Ser curioso é querer descobrir novas coisas e entender como elas são. Ser criativo é ter ideias originais que geram valor, é um processo prático de desenvolver ideias. Pode ser uma teoria matemática, um novo design, a construção de um objeto, o desenvolvimento de uma ponte. Um trabalho criativo é movido pela curiosidade. Por outro lado, as pessoas podem ser extremamente curiosas e não desenvolver nada com aquilo. Muitas vezes, elas nem imaginam que poderiam fazer algo. O ponto é que criatividade está no coração da humanidade. Nós não estamos em um mundo onde as criaturas vivem de ideias e teorias. Vivemos com as coisas [materiais] que projetamos, criamos e concebemos. Nós temos a capacidade de imaginar algo e fazer acontecer. E nossa criatividade é alimentada por nossa imaginação, que é alimentada pelas ideias que exploramos do mundo ao nosso redor. Por essa razão, manter as mentes dos alunos abertas a novas possibilidades dentro das escolas é uma parte muito importante de cultivar o apetite pelo aprendizado. O desenvolvimento da nossa capacidade criativa depende disso.  

Por que o senhor é contra a ideia de avaliação única e padronizada nas escolas?
Nenhum desses sistemas nacionais e padronizados de avaliação ajudou realmente a elevar os padrões de ensino. Eles podem auxiliar a fornecer informações sobre o que está acontecendo no sistema escolar. Mas nos Estados Unidos, por exemplo, nos últimos 25 anos, literalmente bilhões de dólares foram gastos em testes padronizados. E isso não melhorou a qualidade da Educação. É um desperdício de recursos e tem sido uma experiência totalmente falha. Se esse dinheiro tivesse sido gasto no aperfeiçoamento da seleção profissional, em treinamento e em melhorias nas instalações das escolas teria havido uma grande mudança. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Finlândia, que detém um dos melhores sistemas de Educação no mundo. Eles não têm nenhum teste. Eles aplicaram todos os recursos para melhorar o ambiente da escola e a prática do ensino.

“O Brasil poderia olhar melhor para o que funciona e não funciona. E o que as pesquisas mostram é que funciona investir em competências e no treinamento de professores.”

Como podemos medir criatividade assegurando que a escola não está matando a criatividade das pessoas?
Há muitas áreas em que a mensuração é clara e positiva, mas nem todo trabalho é possível de quantificar. Principalmente os criativos. Dentro das escolas, é preciso buscar métricas diferentes, novas relações para avaliar. Considerando escolas criativas, eu olharia para o nível de engajamento dos alunos, esperaria uma redução no número de alunos que não completam a escola, bem como no número das crianças que sempre faltam. Esperaria um aumento na satisfação dos funcionários, um crescimento na vitalidade da cultura do ambiente escolar. Escolas criativas que estão indo bem não apresentam apenas melhoras em indicadores pontuais. As escolas criativas adotam professores mais criativos porque têm abordagens mais criativas para ensinar e aprender. Não procuram uma avaliação única. Um dos grandes problemas do movimento educacional é que ficamos obcecados por dados e queremos criar tudo a partir deles, principalmente testes padronizados. Esse tipo de avaliação tende a matar o que precisamos cultivar, que é a vitalidade, a criatividade e a curiosidade de alunos e professores.

Qual o verdadeiro papel de um professor para estimular a capacidade criativa e o interesse de seus alunos?
Para mim, o coração da escola é a relação entre estudantes e professores. E o papel do professor é ensinar. Isso soa um tanto óbvio, mas não é o que ocorre na realidade, com professores recebendo todo tipo de responsabilidade. Jogam para eles incumbências administrativas, tarefas de supervisão e de avaliação. Tudo isso foge ao escopo do trabalho deles e as escolas precisam entender isso. Ensinar é uma arte. Um bom professor é como um bom médico ou um bom advogado. Bons professores são criativos na abordagem de ensino e usam todo tipo de técnica que acham necessária: às vezes, é puramente instrução, às vezes incentivam por projetos, em outras querem ensinar por questionamentos.

“Os grandes professores trabalham duro para fazer a relação com cada aluno funcionar, sem criar favoritos, sem padronizar totalmente o ensino. Essa relação é justamente o que as pessoas mais se lembram do período escolar. Elas lembram de seus professores." 

Aqui no Brasil, comparados a profissionais como médicos e advogados, os professores ganham baixos salários, principalmente na Educação pública, e é difícil pensar em planos nacionais que gerem consenso. O que fazer para motivar esses professores? 
A minha experiência no Reino Unido e nos Estados Unidos é que os políticos dificilmente concordam entre si – e muitas vezes divergem dentro de seus próprios partidos. Existe uma gama de opiniões, dependendo de onde cada um nasceu, sobre o que fazer com relação à Educação. O fato é que a Educação não pode funcionar na área econômica, social e cultural, sem o compromisso de uma força de ensino profissional bem qualificada. Ao mesmo tempo, não podemos esperar só por leis para melhorá-la. Professores motivados continuarão a ser, independentemente da tecnologia, uma parte vital de um sistema de Educação saudável. Se os professores não são respeitados, se não ganham um salário adequado ao trabalho, as chances são menores de alcançarmos um bom nível de Educação. Os sistemas de Educação de sucesso em todo mundo já sabem disso. Se você olhar para alguns dos sistemas de alto desempenho da Europa e da Ásia, é uma honra se tornar professor lá. É também muito difícil. Você tem que provar não só sua capacidade acadêmica, como também profissional. É um trabalho com compensação financeira embora, sejamos claros, em nenhum desses países alguém espera ganhar milhões como professor. Espera apenas ser razoavelmente pago. Muitas pessoas que conheço trabalham com Educação porque amam essa área. Mas elas também precisam comer. É por isso que o foco do meu livro [Escolas Criativas] é repensar as escolas, em como elas podem ser diferentes e mais eficazes. E a tarefa básica é criar condições em que a relação entre alunos e professores possa florescer.

Nesse aspecto, qual é o papel dos pais? Devem interferir o menos possível ou devem adotar o modo “helicóptero” (“precipitando em ajudar os filhos quando ocorre a primeira dificuldade”)?
Os pais têm uma enorme responsabilidade na conversa sobre Educação, mas frequentemente não estão devidamente envolvidos. Muitos acham que não é seu papel interferir na escola. É errado pensar assim porque os pais conhecem como ninguém seus filhos, sabem pelo que eles se interessam, o que os motiva, quais as melhores e piores habilidades deles. Do outro lado, há pais que gastam tempo demais preparando seus filhos, dizendo a eles como devem se comportar, o que eles não podem falar na sala de aula. Ficam indignados se seus filhos não tiram notas boas. E esse tipo de interferência pode ser muito ruim. O que sempre digo é que Educação é uma questão nacional, internacional, mas também é completamente pessoal. A escola é uma parte importante da comunidade e as crianças que aparecem nas escolas todos os dias são normalmente aquelas que moram com suas famílias nessa comunidade, onde há bons professores desenvolvendo a escola como centro dessa comunidade e fazendo as parcerias certas com os pais. Por seu lado, os pais podem ser chamados para visitas esporádicas à escola, participar do conselho diretivo e, se for o caso, contribuir com suas especializações no ensino geral dos alunos. A parceria não precisa ser igual para todos. Os pais podem, no fim, ajudar a influenciar a política local, contribuindo com toda a comunidade.

Eu imagino que muitos pais perguntem ao senhor sobre uso de tecnologia na Educação e sobre qual a idade certa para dar um celular a seus filhos. O que senhor diz a eles?
Temos hoje muitas ferramentas para tornar a Educação mais acessível e conectada, bem como a um número muito maior de informação disponível. Mas há muitos fatores em que a tecnologia não ajuda na Educação. Eu me preocupo com o fato de as pessoas passarem cada vez mais tempo sentadas diante das telas. Nós somos seres humanos e vivemos em corpos e prosperamos muito mais pelos relacionamentos reais que criamos. Estamos falando através desse dispositivo [Skype], mas nunca vai ser o mesmo que estar na mesma sala conversando ao vivo. As pessoas pensam que a tecnologia é a resposta para tudo e que corrige todas as imperfeições. Mas não. É importante que pais assumam um papel de orientação a seus filhos, mantendo-os seguros, ensinando limites morais e as barreiras do uso desses dispositivos. Da mesma forma que eles ensinam seus filhos a atravessar a rua, eles precisam estar conscientes do perigo de seus filhos percorrerem, sozinhos, essas “rodovias digitais”. Tecnologias significativas trazem consequências inesperadas. As mídias sociais pareciam benignas quando surgiram, mas hoje se tornaram uma verdadeira obsessão entre as crianças e jovens. Em alguns casos, eles se sentem extremamente ansiosos e estressados com a maneira pela qual aparecem em público ou seus relacionamentos são medidos pelos likes que recebem no Facebook. É uma dinâmica completamente nova, mas o fato é que ela não vai desaparecer. Ninguém vai largar os celulares.

O senhor também fala que investir em educação é investir na base. Aqui no Brasil, estamos tendo uma discussão sobre ensino domiciliar. O que seus estudos dizem sobre a eficácia desse modelo?
Eu posso falar pela experiência de homeschooling nos Estados Unidos, onde há um percentual muito baixo de ensino domiciliar – 3% das crianças em idade escolar foram escolarizadas em casa [número de 2011-2012 do Departamento de Educação do país]. Eu conheci crianças que foram educadas desta forma e pode ser uma experiência excelente. Acho razoável regulamentar opções de ensino para os pais que quiserem ensinar seus filhos em casa possam fazê-lo. Mas do ponto de vista dos pais, homeschooling é um compromisso muito grande. Demanda muito tempo, energia e dedicação. Não é para todos. Muitas pessoas não têm condições, nem inclinação para se dedicar ao ensino dos filhos. Muitos pais e responsáveis precisam passar muito tempo fora de casa, garantindo renda para sobreviver. O homeschooling, tampouco, é a solução para melhorar a Educação pública. O que aumenta as chances de melhorar a Educação pública é um sistema de financiamento bem respeitado e apoiado pelo governo. E melhorar esse sistema é algo que leva tempo. A Finlândia demorou 40 anos para criar o seu. No geral, os políticos simplesmente não têm esse tempo e querem obter os resultados antes da próxima eleição. Por isso, tendem a olhar soluções mais rápidas. O Brasil é um país tremendamente rico culturalmente, profissionalmente e com muita diversidade. É de interesse do país que o sistema educacional esteja em boa forma daqui 20, 30 anos. Mas se os recursos forem na direção errada e as prioridades também, os problemas persistirão para as próximas gerações.

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