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Jornalismo

Os impactos da masculinidade tóxica na saúde emocional

A chamada masculinidade tóxica limita o homem a estereótipos que podem ser nocivos. Como a escola pode abordar esse tema?

PorAna Carolina C D'Agostini

10/04/2019

Crédito: Getty Images

O debate em torno de temas relacionados ao feminino e sobre o significado de ser mulher, inclusive na escola, tem se refletido na busca pela igualdade, respeito e a quebra de estereótipos que limitam a mulher. Mas é importante dizer que há estereótipos que atingem também o gênero masculino e sem um debate para construção dos papéis sociais, teremos como consequência a chamada masculinidade tóxica.

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O termo masculinidade tóxica se refere a uma série de ideias associadas ao que significa ser homem. 

- Não falar sobre sentimentos (“Isso não é coisa de homem”)
- Desprezar comportamentos que sejam sinal de fragilidade vindo de outros homens (“Se você fosse homem, não fazia isso”)
- Mostrar coragem a qualquer custo (“Vai lá se é homem”)
- Ter a necessidade de status e poder (“Homem é que manda aqui”)
- Fazer uso abusivo de bebidas alcóolicas (“Bebe feito homem”)
- Ter autocontrole das emoções que indicam vulnerabilidade (“Homem não chora”)
- Reagir de maneira impulsiva com violência física diante de uma ameaça ou conflito

Esses são alguns dos aspectos comumente associados à virilidade.

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Homens também devem ser encorajados a buscar autoconhecimento, a falar sobre seus sentimentos, a refletir sobre seus valores pessoais e a questionar de maneira crítica o que significa para eles estar no mundo além de míticas masculinas limitantes.

O documentário em exibição na Netflix, A máscara que você vive, dirigido e produzido pela norte-americana Jennifer Siebel Newsom, usa o tema da masculinidade como fio condutor para abordar a construção do papel social do homem e pode possibilitar um debate interessante na escola sobre o assunto. O documentário –por meio de casos reais e de entrevistas com especialistas em neurociência, psicologia, sociologia, esportes, educação e mídia –, aponta para a necessidade de se olhar além da "máscara" que define de forma restrita o que é o masculino.

Segundo Jennifer Newsom, meninos desde cedo recebem mensagens da mídia e se sentem pressionados por seu grupo de amigos e por adultos em suas vidas a resolver conflitos por meio da violência, a objetificar mulheres e a se distanciar de suas emoções para se tornarem homens “reais”. Tais estereótipos de gênero são também atravessados por questões raciais e de classe, criando circunstâncias frágeis para a construção da identidade. O documentário cita pesquisas que apontam que meninos têm o dobro de probabilidades de abandonar os estudos e têm quatro vezes mais chance de serem expulsos da escola do que as meninas. Índices indicam ainda que meninos apresentam maior comportamento de risco e cometem mais suicídio. Esta é, inclusive, a terceira maior causa de mortalidade entre os garotos.

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De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, aproximadamente 1 milhão de pessoas no mundo tiram a própria vida por ano. Os homens lideram o ranking de suicídio na grande maioria dos países, mesmo que dados indiquem que as mulheres apresentam maiores índices declarados de transtornos mentais como depressão, por exemplo. Em 2018, o número de suicídios no Brasil aumentou 34%, e acompanhando as estatísticas mundiais, no topo do ranking estão os homens, correspondendo a 79% do total de óbitos registrados. Cerca de 90% das pessoas que cometeram tentativas ou que chegaram a se suicidar, apresentavam algum tipo de transtorno mental, seja afetivo, de ansiedade ou de personalidade.

O número de suicídios cresceu principalmente entre os jovens de 15 a 29 anos, o que indica que as novas gerações carecem de cuidados em saúde emocional e apontam para a importância da detecção de sinais precoces de instabilidade emocional. Com base em tais dados alarmantes, o Ministério da Saúde estabeleceu como meta juntamente à Organização Mundial de Saúde (OMS), a redução de óbitos por suicídio até 2020 por meio de um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio. Tal plano implica, dentre outras medidas, em maior capacitação de profissionais habilitados em saúde, maior orientação para a população e expansão da rede de assistência em saúde mental. O suicídio, embora tema bastante delicado e atrelado às consequências da masculinidade tóxica, deve ser discutido sem medo, pois é justamente essa ânsia em calar o sofrimento que pode levar a consequências trágicas.

Segundo a pesquisa Violência e sofrimento mental em homens na atenção primária à saúde, atos violentos são vistos como elementos naturais do processo de socialização dos homens e do chamado exercício da masculinidade – levando os homens a negligenciar sua saúde e como cuidam de si mesmos. Já dados de estudos sobre o tema do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero (NEMGE) indicam que o adoecimento psíquico masculino é visto como um fracasso social, tornando-se uma condição não tolerada pela família e sociedade. Os relatos masculinos desse estudo sobre saúde mental são mais carregados de estigmas sobre adoecimento psíquico, e os homens, ao sentirem que perderam a identidade de trabalhador ou de estudante devido a tais questões, enfrentam maiores dificuldades de reinserção na sociedade e de reconstrução da identidade.

Já que toda mudança começa com a tomada de consciência, a escola, juntamente com a família e a sociedade, também tem o seu papel na discussão sobre masculinidade tóxica. Professores e gestores podem inicialmente refletir sobre as suas próprias concepções do que é o masculino e nas consequências que essa noção tem em suas atitudes e nos cuidados com a própria saúde mental. Devem atentar-se às suas falas e nos elementos ali presentes, além de enriquecer as discussões em sala de aula com debates sobre o tema. Cabe também ao gestor combater estereótipos no clima escolar, criando um ambiente acolhedor para a expressão de sentimentos, combatendo focos de violência como o bullying, descontruindo estereótipos do que é o masculino, enfatizado estratégias de resolução de conflitos saudáveis e incluindo de maneira intencional o trabalho com as competências socioemocionais, tais como o autoconhecimento, o autocontrole, as habilidades sociais e a tomada de decisões responsáveis atreladas ao tema da construção da masculinidade.

Jogar luz sobre o tema da masculinidade tóxica não significa criticar os homens ou limitá-los a essa concepção. Em última análise, assim como no documentário A máscara que você vive, devemos refletir sobre como nós, como sociedade, podemos criar uma geração mais saudável de homens e meninos.

 

Ana Carolina C D'Agostini é psicóloga e pedagoga com formação pela PUC-SP e mestre em Psicologia da Educação pela Columbia University. Trabalha como consultora de projetos em competências socioemocionais e é consultora do projeto de Saúde Mental da Nova Escola.

 

 

Referências bibliográficas

Albuquerque, Fernando Pessoa de, Barros, Claudia Renata dos Santos e Schraiber, Lilia Blima. Violência e sofrimento mental em homens na atenção primária à saúde. Revista de Saúde Pública [online]. 2013, v. 47, n. 03 [Acessado 10 Abril 2019] , pp. 531-539. ISSN 1518-8787

Aumento da taxa de suicídios no Brasil

Documentário: A máscara que você vive

Ministério da Saúde 

Ministério da Saúde lança agenda estratégica de prevenção ao suicídio

Santos, A. M. C. C. dos. (2009). Articular saúde mental e relações de gênero: dar voz aos sujeitos silenciados. Ciência & Saúde Coletiva.

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