"Incentivo as crianças a dar suas definições para as palavras"
Autorretrato
PorAndré BernardoAurélio Amaral
01/03/2014
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Jornalismo
PorAndré BernardoAurélio Amaral
01/03/2014
"Sou docente de Espanhol e trabalhei durante alguns anos na escola El Triángulo, na zona rural do município colombiano de Rionegro. Lá, lecionei Criação Literária no Ensino Fundamental. Em nosso encontro semanal, nos dedicávamos só à produção textual. Outro professor assumia os demais conteúdos da disciplina. Em 1988, em uma aula, pedi que os alunos escrevessem o que era uma criança e obtive respostas como a de Luís Mesa, na época com 7 anos: 'É um amigo, que tem o cabelo curtinho, joga bola, pode brincar e ir ao circo'. Uma síntese bastante autêntica e sincera.
Se perguntasse a um adulto, a explicação seria muito mais técnica, algo como: um ser humano que ainda não se desenvolveu por completo. Essa diferença acontece porque os pequenos se expressam de forma espontânea e sem segundas intenções. Nos anos iniciais, ainda desconhecem plenamente o poder simbólico da linguagem. E por causa desse desconhecimento - que inclui também as normas de uso - as produções escritas podem ser cheias de riqueza poética.
Além da beleza das livres associações e das construções sugestivas nas produções, notei um engajamento maior na atividade de escrita. Valorizar o que as crianças dizem e escrevem é fundamental para que a escola faça sentido para elas. Decidi, então, tornar esse momento um hábito em todas as turmas. As palavras trabalhadas variavam de acordo com a leitura do dia.
Depois de reunir centenas de definições, publiquei o livro Casa das Estrelas (128 págs., Ed. Foz, tel. 21/3025-3662, 29,90 reais), recém-lançado no Brasil, o que foi motivo de grande orgulho para a escola e para os estudantes. Consegui uma bolsa do Ministério da Cultura da Colômbia e pude reproduzir o trabalho em outras duas instituições da cidade. Como a região sofre com o narcotráfico, os grupos gostavam de escrever sobre conceitos como paz e violência.
No fim de 2013, estive no Rio de Janeiro e realizei uma oficina com crianças que frequentam a Redes da Maré, ONG que atua no Complexo da Maré. Notei que elas se interessavam por assuntos semelhantes aos dos colombianos - talvez por terem perfis socioeconômicos parecidos. As definições, no entanto, são sempre surpreendentes. Para um menino de Rionegro, a paz é para uns que matam muito. Para um do Rio de Janeiro, é uma festa onde ninguém briga, todo mundo come, bebe e brinca."
Javier Naranjo é escritor e professor
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