“É preciso dar uma chacoalhada na rede”
Rafael Parente fala sobre como pretende reverter Ideb ruim em anos finais do Fundamental e no Ensino Médio e outros desafios da rede
05/04/2019
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Jornalismo
05/04/2019
Em 2019, NOVA ESCOLA vai publicar entrevistas com os secretários de Educação dos 26 estados e do Distrito Federal para ouvir os planos, perspectivas e as opiniões de quem lidera a pasta pelo país.
Rafael Parente está em busca de “dados confiáveis suficientes para fazer um planejamento que seja completo” na Secretaria de Educação do Distrito Federal, pasta para a qual foi convidado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) ainda em novembro de 2018.
Além dos dados, o novo secretário da Educação do DF também precisa enfrentar o problema da infraestrutura precária de várias escolas. “Nós estamos com escolas fechadas, sem alunos, e outras escolas prestes a serem fechadas judicialmente por conta da infraestrutura precária. Nós temos uma folha de pagamento de pessoal que é bastante extensa e que tem consumido muito dos recursos e nós temos tido poucos recursos para fazer investimentos importantes para a área também”, afirmou o secretário de Educação em entrevista à NOVA ESCOLA.
Os números comprovam o tamanho do trabalho pela frente. De acordo com dados do Censo Escolar 2018, o Distrito Federal tem um total de 49.247 funcionários trabalhando em 648 escolas. Ainda segundo dados do último Censo, a rede do DF recebeu um total de 463.602 matrículas de estudantes em todas as fases do Ensino Básico.
Rafael também vê a falta de estímulo aos professores como um dos problemas de sua rede. “Por mais que as pessoas digam que aqui em Brasília os profissionais, em relação à média nacional, ganham muito bem, o salário é um dos melhores, a carreira é uma das melhores, mas ainda assim, os profissionais estão desestimulados. Então, o nosso grande desafio é melhorar essa motivação da rede.”
Para o secretário, é preciso dar “uma chacoalhada na rede e fazer com que a rede se lembre por que eles optaram por trabalhar com Educação”.
O DF ainda tem mais desafios, como a questão do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o Distrito Federal foi um dos destaques, alcançando um índice de 6,0, feito conseguido por Estados como São Paulo, Espírito Santo, Ceará, Paraná, Santa Catarina e Goiás. Esta meta era prevista nacionalmente apenas para o ano de 2021.
No entanto, nos anos finais do Ensino Fundamental, o DF não conseguiu alcançar a meta para 2017, que era de 5 pontos. Chegou a apenas 4,3. E, para o Ensino Médio, também não alcançou a meta, chegando a apenas 3,4, algo que ocorreu em todos os Estados do país.
Em meio a esses desafios, o secretário foi um dos primeiros a optar por militarizar escolas públicas no início do ano letivo de 2019, um mês depois da entrevista concedida à NOVA ESCOLA. O modelo aplicado em quatro escolas como projeto piloto é chamado de “cívico-militar” porque faz uma gestão compartilhada entre a Secretaria de Educação e a de Segurança Pública.
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Doutor em Educação pela Universidade de Nova York, Rafael Parente foi subsecretário da pasta na Prefeitura do Rio de Janeiro, na gestão de Eduardo Paes, entre 2009 e 2013. Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o secretário do Distrito Federal.
NOVA ESCOLA: Quais são os grandes desafios para a secretaria de Educação no Distrito Federal?
Rafael Parente: Nós temos alguns grandes desafios, o primeiro que identificamos é não ter dados confiáveis suficientes para fazer um planejamento para a secretaria que seja completo. O segundo desafio é a infraestrutura precária de várias escolas. Nós estamos com escolas fechadas, sem alunos, e outras escolas prestes a serem fechadas judicialmente por conta da infraestrutura precária. Nós temos uma folha de pagamento de pessoal que é bastante extensa e que tem consumido muito dos recursos e nós temos tido poucos recursos para fazer investimentos importantes para a área também. E nós temos uma questão aqui que eu acho que é bem específica de desestímulo, de falta de motivação, professores pouco valorizados. Por mais que as pessoas digam que aqui em Brasília os profissionais, em relação à média nacional, ganham muito bem, o salário é um dos melhores, a carreira é uma das melhores, mas, ainda assim, os profissionais estão desestimulados. Então, o nosso grande desafio é melhorar essa motivação da rede.
De todos os desafios que você enumerou, qual é a sua prioridade nesse momento?
Nós estamos atuando, na verdade, em todas as frentes paralelamente. Já visitamos as escolas, começamos a conversar internamente e também com algumas empresas, sobre como nós vamos conseguir gerar dados viáveis aqui dentro da secretaria.
Temos buscado informações sobre como mudamos o status da motivação aqui. Nós vimos que a formação continuada é um aspecto que pode melhorar bastante, precisamos reestruturar a escola de formação, a metodologia de formação continuada tanto para os professores quanto para os gestores. Esse é um aspecto que pode motivar a rede. Nós sabemos que existem ações e projetos bastante relevantes, mas que não recebem visibilidade. A rede não se enxerga, não existe troca suficiente, e estamos criando estratégias e mecanismos para reconhecer o bom trabalho e fazer com que a troca aconteça entre as escolas, entre as regionais.
Temos dividido as nossas ações e os nossos planos em três grandes áreas. Uma área que é mais de fazer aquilo que nós não deveríamos ter como problema, meio que ações “arroz com feijão” da Educação, que é a infraestrutura das escolas, resolver questões mais administrativas, falta de pessoal, problemas com merenda, problemas com transporte, questões que, de fato, não têm mais porquê a gente ter hoje em dia.
A segunda é que nós falamos muito do acesso, nós queremos aumentar as vagas tanto das creches quanto na Educação de Tempo Integral. Mas, além de aumentar as vagas, nós queremos que a experiência seja melhor, e para isso nós precisamos melhorar a ambiência das escolas. A cultura na escola precisa ser mais propícia para a aprendizagem. Nós estamos vendo em algumas discussões internas e externas sobre como é que nós podemos resolver questões de indisciplina, de violência, problema de relacionamento entre as pessoas em uma mesma escola, enfim.
E no terceiro grupo nós estamos falando muito mais de inovação. Nessa inovação nós falamos de ter um sistema, uma metodologia, um sistema próprio da rede, uma plataforma adaptativa, gamificada, criada com materiais criados pela própria rede, onde startups, professores e alunos vão criar conteúdos juntos.
Nós temos um projeto também chamado “Salto para Vida”, que é uma intervenção robusta, ativada com outras pastas em áreas mais carentes do DF. Mas, basicamente, estamos planejando e implementando várias ações paralelas, e tudo isso ao mesmo tempo.
O que deu tempo de fazer nesses primeiros meses de trabalho?
O convite, a confirmação do governador veio acho que na terceira semana de novembro, então ali eu já comecei a trabalhar desesperadamente, dormindo pouco e querendo conhecer os problemas da rede e começando um planejamento estratégico. E nós estamos trazendo uma série de parceiros que também vão nos auxiliar na seleção e formação da equipe, na criação desse planejamento estratégico, na criação de metas – o que está sendo feito por parcerias para profissionalizar a gestão.
Você comentou sobre formação. Há planos na Secretaria para a valorização dos professores?
Nós temos uma série de questões, algumas relacionadas à motivação específica, então essa coisa de melhorar o salário, melhorar o auxílio alimentação, ir atrás de um plano de saúde nós queremos também. Como é que nós vamos valorizar os professores nas escolas? Como é que nós vamos dar visibilidade para algum trabalho? Isso tudo nós estamos pensando, mas nós também estamos pensando em um tipo de motivação implícita que eu acho que é principalmente com cursos de formação, mas com campanhas de conscientização também. O que nós queremos é dar uma chacoalhada na rede e fazer com que a rede se lembre por que eles optaram por trabalhar com Educação. Nós queremos que lá no fundo todo mundo se lembre que é muito idealista e que acredita que pode ajudar a criar uma nova sociedade, uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais solidária aqui no Distrito Federal, que essa é a causa mais importante de todas e que nós, enquanto profissionais, a cada dia, se conseguirmos nos empenhar mais e fazer o melhor trabalho, conseguimos salvar muito mais vidas do que os médicos ou os policiais.
O Ideb do Distrito Federal é muito parecido com o de vários outros estados e do Brasil. Ele vem de um histórico de sucesso no Ensino Fundamental I e vai caindo conforme os anos avançam. Em 2017 vocês ficaram abaixo da média no Ideb do Ensino Médio, por exemplo. Qual é seu diagnóstico sobre o Ensino Médio do Distrito Federal e quais são os planos para melhorar esse quadro?
Em primeiro lugar, é uma realidade que os profissionais daqui não têm muita consciência da importância do Ideb. Às vezes eu até questiono porque são questões relacionadas a avaliações internas. Então aí também tem um trabalho de comunicação, sensibilização e conscientização dentro da rede, que nós queremos fazer. A outra questão é que existem brigas relacionadas à política que muitas vezes contaminam. Nós identificamos que houve um boicote por parte de algumas escolas na data da Prova Brasil. Isso nós também precisamos conversar com as escolas e os diretores.
Na verdade, o Ideb, hoje, é um retrato da rede, e quando nós ficamos com o Ideb ruim, toda a rede fica ruim. Isso mexe também com a autoestima dos profissionais. Então nós, enquanto rede, precisamos entender que a meta de melhorar o Ideb é uma meta de melhoria da rede, não é uma meta do secretário e nem do governador. É um índice que nós temos, pode ser um índice imperfeito, nunca vai ser perfeito, mas é o principal índice de medição de qualidade da Educação e nós precisamos respeitá-lo enquanto tal.
Dentro do planejamento, qual é o papel da reforma do Ensino Médio e da implementação da Base de todas as etapas nesse processo de conscientização da rede sobre o Ideb e de refletir sobre o currículo?
Nós já temos o currículo da rede, que se chama “Currículo em Movimento”. Houve um trabalho no ano passado para adaptar o Currículo em Movimento para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental, já para a BNCC. O grande desafio agora nessa etapa de aprendizagem é fazer com que todas as escolas implementem, e nós, aliás, vamos sugerir referências curriculares bimestrais. O nosso objetivo é que todas as escolas cobrem o mesmo objetivo de aprendizagem bimestralmente e que a gente construa, enquanto rede, estratégias de avaliação para que as metas a serem implementadas possam garantir que nós estamos fazendo um bom trabalho com relação ao nosso currículo. Já no Ensino Médio, nós sabemos que é necessário modernizar, nós queremos fazer com que as escolas do Ensino Médio modernizem mais rapidamente e nós temos alguns planos extra, inclusive, inovadores para as nossas escolas do Ensino Médio.
No Rio você implementou uma plataforma online de aulas digitais, a Educopédia, E você mencionou que pretendem fazer algo semelhante no Distrito Federal. Como será o papel da EAD no Ensino Médio?
Nós vamos ter de fato uma plataforma com conteúdos criados pelos próprios professores e alunos, vai ser adaptativa, vai ser gamificada, vai gerar relatório sequencial da aprendizagem. Nós já estamos conversando com parceiros sobre essa plataforma e vamos ter, na verdade, o ensino híbrido. Não vamos apostar na EAD, vamos apostar que a Educação, a formação, os cursos, inclusive os cursos profissionalizantes, que eles aconteçam tanto dentro quanto fora da escola. E nós queremos que essa plataforma seja acessada dentro e fora da sala de aula, dentro e fora das escolas, pelos celulares dos alunos, enfim, em todos os lugares.
Você acha que programas como o Escola sem Partido são políticas estratégicas para o Distrito Federal?
Essa questão do Escola sem Partido está hoje na Câmara Legislativa do Distrito Federal, está sendo debatida lá e está sendo debatida no Supremo Tribunal Federal. Se a lei passar, nós vamos implementar. Agora, uma discussão que nós queremos fazer com os nossos professores é a questão do quanto nós projetamos os nossos medos, os nossos preconceitos, o quanto nós importunamos os nossos alunos também, e quanto isso afeta a aprendizagem dos mesmos. Se eu acredito que uma criança pobre não aprende ou que um aluno é burro em Matemática, o quanto isso vai impactar na performance daquele estudante? É esse trabalho que nós queremos fazer com formação continuada dos professores.
Como você vê a Base Nacional Docente?
Eu acho que é essencial e nós vamos ter a nossa Base Distrital Docente antes. Nós já começamos aqui um trabalho da Base Distrital e nós vamos, provavelmente, fazer uma visita ao instituto de formação australiano (Australian Institute for Teaching and School Leadership, um instituto do governo da Austrália), que é um dos mais avançados do mundo, pra entender o trabalho deles e para nos inspirar. Quanto mais próximos nós conseguirmos chegar do instituto australiano de formação, mais fácil vai ser pra gente.
Tem alguma política da gestão anterior que você considera que é uma boa política e pretende continuar ou ampliar e, por outro lado, qual política da gestão anterior você acredita que precisa ser descontinuada?
Até agora a maior parte das políticas serão ampliadas, melhoradas ou continuadas. Nós temos a política de ciclo, a política de semestralidade, tem o currículo da rede, tem o Plano Distrital de Educação que está muito em consonância com a Plano Nacional de Educação. Nós temos uma política de gestão de pessoas que é muito boa. Nós temos boas políticas aqui, tem o Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF), que é um recurso que vai direto para a escola. Nós queremos continuar melhorando a política. Tem algumas coisas como a política de formação continuada que não funcionava, nós vamos reestruturar totalmente essa formação, é um dos exemplos.
Qual é o seu sonho para a Educação do Distrito Federal?
O meu sonho seria ter escolas extremamente modernas e cuidadosas, coloridas, cheias de recursos para utilização dos professores e dos alunos, escolas que tivessem laboratórios modernos de Ciências, muita tecnologia, laboratórios maker, que os professores tivessem uma formação impecável, que inclusive eles pudessem viajar para outras cidades e outros países para conhecer essas experiências e poder fazer uma formação continuada imersiva, eu acho que seria bastante interessante. Eu gostaria de trazer também especialistas de outras cidades e de outros países para conversar com os nossos profissionais aqui, eu gostaria de poder levar os nossos alunos para conhecer melhor a cidade, para conhecer os equipamentos culturais, os equipamentos dos parques da cidade. Enfim, para que eles não ficassem presos só à escola e que nós tivéssemos, de fato, uma Educação acontecendo espalhada por toda a cidade e eu queria pagar muito mais os professores, quintuplicar o salário deles, fazer com que eles se sentissem como a categoria de profissionais mais valorizados do DF.
De tudo que você estudou sobre a secretaria e a Educação no DF, quais aprendizados a rede pode compartilhar com o Brasil?
Como eu falei, existem algumas políticas muito interessantes. A rede aqui se orgulha muito do próprio currículo, então a criação de um currículo em discussão com a rede é bastante interessante. Nós fizemos muitos seminários para criação desse currículo e o nosso desafio agora no Ensino Médio é continuar com a adaptação para o Ensino Médio e a implementação desse currículo, eu acho que isso é uma coisa bacana.
Muitos projetos inovadores estão sendo feitos aqui na rede pelos professores, pelos educadores pedagógicos e diretores, tem pessoas super inspiradoras fazendo projetos aqui, como a (professora) Gina Vieira (criadora do Programa Mulheres Inspiradoras), da rede do Distrito Federal. Mas eu acho que algumas das políticas históricas daqui também podem ser referências para outras redes.
Quais são suas considerações finais?
Nós precisamos frisar que a valorização, a motivação, o reconhecimento dos profissionais para nós estão no centro das nossas estratégias. Nós sabemos que a Educação é um processo feito por seres humanos, para formar seres humanos e o desenvolvimento de seres humanos, e a nossa visão aqui é convergente para que seja possível criar um projeto de excelência para todas as crianças, jovens e adultos do Distrito Federal, com os profissionais sendo valorizados e motivados.
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