De um lado, o Ensino Superior, com alunos afiados em teorias e vontade de colocá-las em prática. Do outro, a escola de Ensino Fundamental, à procura de novas metodologias, capacitação para os professores e experiências diferentes para os estudantes. Logo percebe-se que as duas partes se complementam, com vantagens para ambas. O problema é que nem sempre a universidade faz grande alarde sobre tudo o que oferece - e a escola tem receio de se aproximar.
Quem venceu as barreiras viveu experiências pedagógicas interessantes. "O entusiasmo dos universitários tornam o ensino oferecido aqui mais completo", afirma Cleonice Rocha, coordenadora pedagógica da EE Iria Barbieri Vita, em Mirassol (SP), que no ano passado desenvolveu sete trabalhos em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Um dos objetivos da universidade, além do ensino e da pesquisa, é a extensão de serviços à comunidade.
Ajudando professores e gestores a melhorar a Educação, os pesquisadores colocam em prática descobertas e teorias. "Os formandos de Pedagogia e de licenciatura ganham uma noção real das necessidades dos alunos na Educação Básica", afirma José Roberto Saglietti, coordenador dos Núcleos de Ensino da Unesp, criados há 20 anos para que graduandos de todas as áreas trabalhem na rede pública.
É difícil listar todos os tipos de parceria possíveis entre escolas e universidades. É preciso procurar, insistir e ir atrás. Algumas instituições emprestam material pedagógico desenvolvido pelos estudantes. Outras dão oficinas e cursos gratuitos para professores e alunos da escola pública. A Universidade Federal de São Carlos, por exemplo, tem várias modalidades. Ela oferece cursos de línguas estrangeiras, computação, gestão escolar e até montagem de orquestra. Há ainda as que apresentam uma programação cultural que professores atentos conseguem utilizar como ferramenta de ensino. A seguir, algumas dessas parcerias bem-sucedidas.
Empréstimo de material
Maria Aparecida Lico leciona Ciências no Colégio Ítaca, em São Paulo, e costuma recorrer à universidade para dinamizar suas aulas. Ela já pediu emprestados kits do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) para ensinar sobre animais marinhos e um jogo sobre nutrição elaborado por pesquisadores da Faculdade de Educação, também da USP. "Fiquei sabendo da existência desses recursos pedagógicos em cursos ou por indicação de colegas."
No ano passado, ela usou a valise pedagógica sobre a origem e a evolução do homem do Museu de Antropologia e Etnologia (MAE) - material criado pelo Museu Nacional de História Natural de Paris. As únicas exigências feita pelo MAE são que o professor passe por um treinamento de uma tarde para aprender a usar a valise, inscreva-se e aguarde sua vez de usá-la. "Como não temos muitos exemplares, divulgamos nossos kits apenas entre os freqüentadores do museu", informa Camilo de Mello Vasconcellos, do setor educativo.
Aulas de reforço
Maria José Rocha de Carvalho, coordenadora pedagógica do Colégio Estudual Jayme Silvestre Camargo, em Barra Mansa (RJ), não teve pudor em consultar a universidade local ao constatar que 80% dos alunos de Ensino Fundamental tinham defasagem de aprendizagem e precisavam de reforço. Sem professores disponíveis no contraturno, ela procurou o Centro Universitário de Barra Mansa (UBM), instituição particular. Bastou mandar um ofício requisitando estagiários para, em menos de um mês os cerca de 400 alunos começarem a freqüentar a escola no contraturno e aos sábados também.
Dez estagiários do UBM ensinaram Matemática, Língua Portuguesa e Ciências, combinando antes com os professores os conteúdos que seriam trabalhados, mas usando diferentes metodologias. Os que iam se formar em Educação Física também foram convocados: eles planejaram duas horas de atividades lúdicas para que, após as aulas de reforço, a molecada pudesse se divertir. Este ano, a parceria pode se repetir, mas apenas 10% dos estudantes apresentam defasagem de aprendizagem.
Projeto interdisciplinar
Ao constatar que, além de ensinar Ciências, precisava também ajudar as turmas de 7ª e 8ª séries a melhorar a interpretação de textos, a oralidade e a escrita, Cristiane Aparecida Ruzzante Tamburi, da EE Iria Barbieri Vita, se viu em apuros. "Eu não tinha a mínima idéia de como ensinar Ciências e Língua Portuguesa ao mesmo tempo e ainda apresentar aos alunos a possibilidade de eles usarem diferentes linguagens para se expressar."
O campus mais próximo, da Unesp de São José do Rio Preto, tem um Núcleo de Ensino no qual estagiários de diversas áreas desenvolvem projetos para escolas públicas. Geralmente, a iniciativa de oferecer programas à escola parte dos universitários. Mas, no caso de Cristiane, duas estudantes de Letras montaram com ela um projeto exclusivo. As aulas de campo aconteciam uma vez por semana, acompanhadas de perto pela professora: "Aprendi a montar um projeto interdisciplinar, a trabalhar com erros de ortografia e a analisar diversos tipos de texto. Tive uma visão mais ampla da minha responsabilidade".
Parceria a longo prazo
Em 2001, a prefeitura de Irecê, na Bahia, resolveu capacitar sua rede, não só para oferecer graduação aos professores, mas porque o panorama da Educação havia mudado e a adaptação às novas demandas era necessária. "Não queríamos um pacote de graduação fechado, mas um programa flexível que respeitasse a história da Educação da cidade e a prática de nossos docentes", lembra Emanuela Dourado, uma das coordenadoras do Projeto Irecê, como foi batizada a parceria da Secretaria de Educação do município com a Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced - UFBA).
Depois de analisar dezenas de propostas vindas de diversas universidades e consultorias de todo o país, representantes da secretaria procuraram a UFBA, deixando claro seu objetivo. "Unimos a nossa vontade de desenvolver um projeto único, que atendesse a necessidades locais, à exigência deles de um curso 'personalizado'!", conta Maria Inês Carvalho, coordenadora do projeto pela Faced. A parceira demorou três anos para se concretizar. Reuniões, seminários e debates possibilitaram aos profissionais encontrar o ponto ideal: o programa deveria inserir o professor no padrão contemporâneo da Educação. Para isso, era preciso mudar seu cotidiano, ampliando seu repertório cultural e oferecendo novas linguagens e práticas. O diploma, para os docentes de Irecê, passou a ser mero detalhe.
Hoje, nessa cidade com 58 mil habitantes, existem 36 tabuleiros digitais com softwares livres e acesso gratuito à internet. No centro de cultura é possível fazer programas de rádio, editar vídeos e acessar bibliotecas virtuais, por exemplo. A prefeitura arca com as despesas de transporte, hospedagem e infra-estrutura para os cursos e repassa 135 mil reais por mês à Faced, que paga os salários de professores e orientadores - por volta de 15 - e prepara o material didático. Neste ano, forma-se a primeira turma, e já estão abertas inscrições para pós-graduação.
Cultura e aprendizado
A Universidade Virtual do Maranhão (Univima) é uma plataforma digital que a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia criou para oferecer cursos de capacitação de professores (graduação, extensão, línguas etc.) a distância. Como tudo é feito no ambiente virtual, o Núcleo de Gestão Cultural resolveu fazer-se presente nos 11 pólos espalhados pelo Estado. O primeiro projeto implementado foi o Cinema Popular para alunos de Educação de Jovens e Adultos das redes municipais e estadual de ensino. "Muitos são estudantes da zona rural, que nem luz elétrica têm, mas que uma vez por mês deslocam-se até o auditório para assistir a filmes nacionais", conta Lívia Karen Ribeiro, coordenadora do projeto. Os professores aproveitam essa iniciativa. Maria Eliana Alves Lima, que leciona para 5ª e 6ª séries da UEB Ministro Carlos Madeira, em São Luís, trabalhou produção de textos e leitura de imagens depois que os alunos viram Abril Despedaçado. Isso envolveu uma discussão sobre o problema das crianças que trabalham no campo - local de origem da maioria das turmas e realidade para muitos.
Benefícios da parceria
Para a universidade
Alunos ampliam a oportunidade de estágios.
As teorias aprendidas em sala de aula são testadas na prática e podem ser aprimoradas.
Maior envolvimento da instituição com a comunidade, contribuindo para a procura de soluções para os problemas cotidianos da escola.
Desenvolvimento de projetos de didática, metodologias de ensino, material e ferramentas didáticas baseadas em problemas reais da escola.
Para a escola
Contato com inovações metodológicas teóricas e práticas e novas ferramentas de ensino.
Capacitação em exercício dos docentes.
Desenvolvimento de trabalho em conjunto com profissionais de diferentes áreas, que trazem para a sala de aula outras informações e maneiras de trabalhar.
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CONTATOS
Centro Universitário de Barra Mansa, R. Ver. Pinho de Carvalho, 267, 27330-550, Barra Mansa, RJ, tel. (24) 3325-0222
Colégio Estadual Jayme Silvestre Camargo, R. Jaime Camargo, 49, 27345-100, Barra Mansa, RJ, tel. (24) 3323-6611
Colégio Ítaca, Av. Pirajussara, 4359, 05534-000, São Paulo, SP, tel. (11) 3751-1633
EE Iria Barbieri Vita, R. dos Brandimarti, 1450, 15130-000, Mirassol, SP, tel. (17) 3242-4760
MAE-USP, Av. Prof. Almeida Prado, 1466, 05508-070, São Paulo, SP tel. (11) 3091-4979
Núcleos de Ensino da Unesp, www.unesp.br/prograd
Projeto Irecê, Av. Reitor Miguel Calmon, s/no, 40110-100, Salvador, BA, tel. (71) 3263-7260, irece@ufba.br
UEB Ministro Carlos Madeira, Quadra da Taguatu, s/no, 65000-085,São Luís, MA, tel. (98) 3228-2208
Universidade Virtual do Maranhão, http://www.univima.ma.gov.br/