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Jornalismo

A escola não aproveita a capacidade dos alunos

Documentário Eleições mostra o microscosmo eleitoral de uma escola e incomoda ao retratar a realidade escolar

PorHelena Singer

25/03/2019

O recém-lançado Eleições, de Alice Riff, é um documentário incômodo. Inteiramente feito com cenas reais de uma escola estadual de Ensino Médio na região central de São Paulo, o filme acompanha todo o processo de formação das chapas e da campanha para a eleição de um novo grêmio estudantil.

Vemos muito do cenário político atual presente no ambiente escolar. Organizam-se quatro chapas: uma de pauta feminista, outra com forte presença LGBT, outra liderada por um jovem religioso que prega a união. A última é a chapa dos “antissistema”, os meninos que queriam uma desculpa para sair das aulas.

Os incômodos que o filme provoca são vários. O primeiro é em relação ao próprio formato do grêmio, estabelecido por lei em 1985, o ano em que nos livramos da ditadura. Embora as chapas tenham se diferenciado claramente em sua composição, as propostas eram muito parecidas entre si. A impressão que fica é de que todos ganhariam se, em vez de se organizarem pela lógica da competição, se unissem solidariamente para repensar a escola. Possivelmente, as propostas seriam de maior qualidade, o engajamento no processo, bem maior e a apropriação do espaço e da rotina pelos estudantes, mais provável.

Esse aspecto relaciona-se com o segundo incômodo. As imagens da escola revelam um triste abandono. Rachaduras, goteiras, ambiente inóspito. Em determinada cena, uma das chapas recebe a chave de uma sala fechada, encontra muitos materiais em caixas e projeta iniciativas de arrecadação de recursos para recuperar aquele espaço. É um claro sinal de que os estudantes seriam os atores com capacidade de recuperar o sentido público daquele lugar, se tivessem abertura para isso. Mas essa abertura não existe. Em várias aulas, eles são colocados em situação de passividade, copiando da lousa, colando em provas. A polícia é chamada corriqueiramente para lidar com os conflitos. A direção usa subterfúgios para não ouvir e dissuadir os estudantes de suas ideias e propostas. Enfim, o filme incomoda porque mostra na telona o que vemos na nossa sociedade: o enorme desperdício da capacidade dos jovens para melhorarem o mundo.


Helena Singer é doutora em Sociologia e líder da Estratégia de Juventude para a América Latina na Ashoka. Foi assessora especial do MEC

Foto: Tomás Arthuzzi/NOVA ESCOLA

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