Mikhail Bakhtin, o filósofo do diálogo
Ao analisar o discurso na arte e na vida, o russo revolucionou a teoria linguística no século 20
01/07/2009
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Jornalismo
01/07/2009
Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais. Em sua trajetória, notável pelo volume de textos, ensaios e livros redigidos, esse filósofo russo não esteve sozinho. Foi um dos mais destacados pensadores de uma rede de profissionais preocupados com as formas de estudar linguagem, literatura e arte, que incluía o linguista Valentin Voloshinov (1895-1936) e o teórico literário Pavel Medvedev (1891-1938).
Cada esfera de produção exige uma escolha de palavras
A reflexão bakhtiniana sobre a linguagem e suas infinitas possibilidades privilegiou o romance como objeto de estudo, especialmente a prosa do autor russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881). De acordo com Irene Machado, doutora em Letras pela USP e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC, isso não se deve ao fato de esse ser o gênero de maior expressão na cultura letrada. "O romance só interessou a Bakhtin porque este viu nele a representação da voz na figura dos homens que falam, discutem ideias e procuram posicionar-se no mundo", explica ela em Bakhtin Conceitos-Chave, livro organizado por Beth Brait.
O exame dos discursos no romance possibilitou ao pensador percorrer também os caminhos da análise das práticas de linguagem no dia a dia. Nesse ir e vir entre discursos artísticos e cotidianos, Bakhtin instaurou uma linha de pensamento alternativa à retórica e à poética delineadas por Aristóteles (384-322 a.C.) e consagradas até então nas análises de gêneros literários.
Uma das distinções que ele se permite fazer é a classificação dos gêneros quanto às esferas de uso da linguagem. Os discursivos primários são espontâneos e se dão no âmbito da comunicação cotidiana, que pode ocorrer na praça, na feira ou no ambiente de trabalho. Já os secundários são produzidos com base em códigos culturais elaborados, como a escrita (em romances, reportagens, ensaios etc.).
Para cada esfera de produção, circulação e recepção de discursos, existem gêneros apropriados. Todo discurso requer uma escolha diferente de palavras, que determina o estilo da mensagem. "Não há receita pronta. Se o aluno não ler muita poesia, dificilmente será capaz de escrever uma respeitando as marcas do gênero", exemplifica Brait.
Ao considerar a importância do sujeito, das esferas de comunicação e dos contextos históricos, sociais, culturais e ideológicos no uso efetivo da linguagem, Bakhtin e o Círculo engendraram uma abertura conceitual que permite, hoje, analisar as formações discursivas dos meios de comunicação de massa e das modernas mídias digitais. Suas teorias, fundamentadas no diálogo, a forma mais elementar de comunicação, mantêm a atualidade graças à incrível capacidade de se relacionar com o passado, o presente e o futuro.
Biografia
Desde cedo, intensa produção intelectual
Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin nasceu em Orel, ao sul de Moscou, em 1895. Aos 23 anos, formou-se em História e Filologia na Universidade de São Petersburgo, mesma época em que iniciou encontros para discutir linguagem, arte e literatura com intelectuais de formações variadas, no que se tornaria o Círculo de Bakhtin. Em vida, publicou poucos livros, com destaque para Problemas da Poética de Dostoiévski (1929). Até hoje, porém, paira a dúvida sobre quem escreveu outras obras assinadas por colegas do Círculo (há traduções que as atribuem também a Bakhtin). Durante o regime stalinista, o grupo passou a ser perseguido e Bakhtin foi condenado a seis anos de exílio no Cazaquistão (só ao retornar, ele finalizou sua tese de doutorado sobre cultura popular na Idade Média e no Renascimento). Suas produções chegaram ao Ocidente nos anos 1970 - e, uma década mais tarde, ao Brasil. Mas Bakhtin já havia morrido, em 1975, de inflamação aguda nos ossos.
Os caminhos de Bakhtin
Pensar a linguagem para além das teorias da época
Bakhtin e seu Círculo dialogaram com as principais correntes de pensamento de seu tempo. Na Rússia da década de 1920, tinham destaque as teorias de Karl Marx (1818-1883), das quais o Círculo aproveitou a noção fundamental da vida vivida como origem da formação da consciência. Na mesma época, o formalismo imperava como modelo de análise da literatura. Segundo essa linha, o primeiro passo para a construção de uma ciência literária era considerar nesse campo de estudo apenas o que fosse estritamente "literário" (com ênfase na poesia e num claro desprezo à prosa, considerada gênero menor, o que mereceu contestações severas do Círculo). No que tange à reflexão sobre a linguagem, as teorias bakhtinianas se distanciaram da abordagem proposta pelo suíço Ferdinand Saussure (1857-1913), que concebia a língua como social apenas no que concerne às trocas entre os indivíduos. Bakhtin e o Círculo, porém, viam a língua sofrer influências do contexto social, da ideologia dominante e da luta de classes. Por isso, era ao mesmo tempo produto e produtora de ideologias. "Vale dizer que, antes de refutar qualquer tese, esses pensadores russos delineavam um panorama das ideias e dos conceitos abordados e, partindo de aspectos pouco explorados, propunham novas concepções", explica Beth Brait.
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIA
Bakhtin - Conceitos-Chave, Beth Brait (org.), 224 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 35 reais
Bakhtin - Outros Conceitos-Chave, Beth Brait (org.), 264 págs., Ed. Contexto, 37 reais
100 Primeiros Anos de Mikhail Bakhtin, Caryl Emerson, 350 págs., Ed. Difel, tel. (11) 3286-0802, 49 reais
Problemas da Poética de Dostoiévski, Mikhail Bakhtin, 368 págs., Ed. Forense Universitária, 59,90 reais
Mikhail Bakhtin, Katerina Clark e Michael Holquist, 384 págs., Ed. Perspectiva, tel. (11) 3885-8388, 50 reais
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