Raul Brasil: após tragédia, escola reabre as portas em Suzano
Ainda em luto, escola reabre as portas para acolher a comunidade com apoio psicológico e atividades recreativas
PorLaís Semis
20/03/2019
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Jornalismo
PorLaís Semis
20/03/2019
As calçadas do quarteirão ocupado pela Escola Estadual Professor Raul Brasil estão cheias de flores e velas derretidas. Os muros, repletos de mensagens de solidariedade da comunidade, de outras escolas da região e também de estranhos sem relação com a escola, mas que quiseram deixar uma palavra de alento. A mensagem é clara: “Segurança para nossas crianças e paz”; “Paz”; “Paz na terra”; “Arma mata” e “Arma não” – esta última espalhada em várias partes do muro e nos portões da escola. E “luto”. Outras mensagens são mais pessoais, dedicadas em solidariedade à comunidade ou direcionadas a vítimas do tiroteio na escola, que culminou na morte de 10 pessoas.
Apesar de triste, o clima de solidariedade da comunidade Raul Brasil se manteve positivo durante o primeiro dia de acolhida aos estudantes após a tragédia. “[Eu] Me senti acolhida. Não imaginaria que poderia ser assim”, confessa a merendeira Silmara Cristina Silva de Moraes, que ajudou a esconder os alunos na cozinha da escola. “Vamos sentir a falta dos nossos amigos, mas esse momento está sendo especial para nós. As crianças estão dando força um para o outro, abraçando aqueles colegas que estão mais abatidos”.
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A escola conta com cerca de 1050 alunos e 120 funcionários, segundo o Censo Escolar 2018. Ao longo do dia 19 de março, data de reabertura da escola para os estudantes, cerca de 450 alunos e 55 funcionários passaram pela Raul Brasil. Na véspera, no dia 18, a escola já havia aberto as portas para funcionários e comunidade de forma geral. Na ocasião, 30 professores, 10 funcionários e 227 famílias passaram pela unidade escolar.
“Alguns ainda estão muito traumatizados e creio que a partir do momento que se sentirem mais seguros, eles também virão. É questão de tempo, cada um tem o seu”, diz a merendeira Sandra Aparecida Ferreira. Mesmo quem compareceu ainda está tentando equilibrar os sentimentos e a força para prosseguir, como é o caso da aluna do 9º ano Denise Freitas, de 14 anos. “É muito ruim voltar porque convivemos com [o fato de que] pessoas que faleceram e foram feridas. Sinto tristeza e também insegurança de entrar na escola”, diz. Apesar desse sentimento, ela não cogita em abandonar a Raul Brasil neste momento. “Não penso em pedir transferência porque a gente tem que se mostrar forte e ajudar as outras pessoas que estão sofrendo na escola”.
A insegurança também é compartilhada entre os funcionários. “Medo dá. Mas nós temos que nos fortalecer para poder ajudar as crianças, que ainda estão traumatizadas”, diz Lizete dos Santos, merendeira.
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Uma das principais ações da acolhida da Raul Brasil é o apoio psicológico. Rodas de conversa estão sendo feitas diariamente ao longo da semana para atender a comunidade, além dos atendimentos individuais. Uma série de outras ações e suporte estão sendo dados pelo Governo de São Paulo, pela Prefeitura de Suzano e por entidades parceiras, como a Universidade de São Paulo (USP) e o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da prefeitura. Os apoios são nas áreas da saúde mental, justiça restaurativa e atividades recreativas, como a terapia com cães, esportes, apresentações artísticas e homenagens com balões brancos. A estrutura da escola também está passando por melhorias, como pintura, reparos e novas carteiras, mesas e bancos para revitalizar o ambiente físico.
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“As atividades ajudam a distrair a mente porque [após uma tragédia como essa] você fica pensando muito no que aconteceu e nas pessoas que foram vítimas, então se fecha um pouco em você. Com essas atividades, a gente se sente melhor”, diz a aluna Denise. Apesar do espaço para compartilhar os sentimentos e pensamentos pós-trauma, ainda é difícil se abrir e até mesmo estar presente no espaço escolar. Mesmo quem não tem participado desse espaço reconhece sua importância. “Tem pai que só em chegar na escola já chora… é importante a escola olhar para as crianças e pais para dar apoio porque vai ser um recomeço bem difícil”, considera Jennifer Schmuk, mãe de um aluno do 3º ano do Ensino Médio.
“Você se sentiu afetado de alguma forma pelo acontecimento na Escola Raul Brasil?”, perguntam cartazes fixados pelo muro que fecha o quarteirão. Apesar do convite para participar da roda de conversa com os psicólogos, há um certo acanhamento de quem não é aluno, professor ou pai por não saber se é bem-vindo naquele espaço de acolhimento. Com lágrimas nos olhos, Aldaísa Solange Conceição observava solitária os portões abertos da Raul Brasil. “A gente não é parente de ninguém, mas é como se fosse. Já estudei aqui e fico muito triste e preocupada ao ver essa situação”, conta ela, que se formou na turma de 1986. Ela é moradora da região e se sente parte do que aconteceu. “Eu decidi dar uma passadinha e eu gostaria de entrar, mas não sei se pode”.
Ao se aproximar das funcionárias da escola e questionar se poderia participar das atividades de acolhida, Aldaísa recebe um enfático “Claro! Seja bem-vinda, você é peça fundamental aqui!”. E é imediatamente apresentada aos responsáveis pela acolhida que estão próximos do portão. Horas mais tarde, ela me conta que participou de uma das rodas de conversa e que o sentimento foi bom. O acesso ficou restrito à comunidade (ou família, como muitos chamaram) da EE Raul Brasil. Os jornalistas não puderam acompanhar as atividades.
O primeiro dia de acolhida atraiu também quem quis compartilhar um pouco de energia e alegria com a comunidade da Raul Brasil. “Não fomos convidados, mas viemos aqui para alegrar a vida da escola”, diz Angra Custódio, coordenadora da Fundação Templos, um grupo de palhaços que realizou atividades ao longo da tarde na escola de Suzano. A mensagem, como aquelas pregadas no muro, é clara: “Ainda existe amor no mundo”. “Oferecemos presentes, abraços e colhemos sorrisos. Vimos muita gente entrar [na escola] chorando e sair sorrindo", conta a artista. Também foi o caso de Antônio da Paz, 63 anos, que há três dias saiu de São Roque para trazer cartazes e apoio à comunidade de Suzano. “Aqui não tem ninguém que seja conhecido meu, nem professor, nem aluno. Estou fazendo isso pelas crianças mesmo, trazendo mensagens de apoio paro alunos voltarem a estudar”, diz. Ele conta que também foi a Janaúba (MG), quando um funcionário afastado do Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente incendiou a creche (relembre o caso aqui). “Aonde estiver precisando, eu compareço passando essas mensagens positivas para o pessoal. Sem esperança, a gente não consegue viver”.
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