Professores e ruídos: como evitar danos na audição
Fadiga auditiva atinge profissionais da Educação. Saiba como evitar problemas mais graves
21/02/2019
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Jornalismo
21/02/2019
Dificuldade para compreender o que os outros falam, sensibilidade a ruídos intensos e sensação de zumbido no ouvido. Esses são os principais sintomas da chamada fadiga auditiva, um desconforto presente na vida de muitos professores que trabalham em ambientes ruidosos. Para se ter ideia, um estudo publicado em 2018 pela University of Gothenburg, na Suécia, mostrou que sete em cada dez professoras da Educação Infantil tinham dificuldades de audição. A pesquisa feita apenas com mulheres revela que, das 4.718 educadoras entrevistadas, 71% apresentaram fadiga auditiva causada por ruídos induzidos e 46% dificuldade de compreensão de fala.
Autora da publicação, a audiologista e doutora em Medicina Ocupacional e Ambiental, Sofie Fredriksson, entrevistou outras 4.122 mulheres da população em geral e comparou os dados. Nesse grupo, apenas 32% demonstraram ter experimentado fadiga auditiva em algum momento.
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Ao longo da carreira, muitos professores acabam desenvolvendo problemas de voz, mas os auditivos também são comuns. É o que afirma o otorrinolaringologista e professor da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), Fayez Bahmad. Segundo o médico, a fadiga auditiva é uma queixa frequente em seu consultório. “Posso afirmar que 10% dos pacientes que atendo por mês são profissionais da Educação que chegam reclamando de incômodos na audição”.
Membro da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial (ABORL-CCF), Bahmad afirma que uma parte considerável de professores que relatam fadiga auditiva apresenta perda da audição em frequências agudas, o que aumenta o incômodo e pode provocar complicação para ouvir.
A professora de Audiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Eliane Schochat, explica que, para que se chegue ao ponto de perder a audição, a pessoa teria que estar exposta diariamente a ruídos de, no mínimo, 85 decibéis, o que já considera bastante alto. “A nossa audição é dividida em periférica e central, e a perda da primeira pode ser resultado de excesso de ruído. Já em relação à central, o que pode vir a acontecer são incômodos como zumbidos, cansaço e um esforço maior para ouvir, sem falar que os incômodos podem ocorrer com qualquer pessoa que seja mais sensível a barulhos”, comenta.
Especialista em Avaliação Auditiva em adultos e em crianças, a fonoaudióloga Lucia Nishino, garante que uma pessoa pode ficar exposta a 85 decibéis por até 8 horas diárias sem se prejudicar. Os barulhos de um recreio, por exemplo, chegam a até 95 decibéis, que podem ser “suportados” por até duas horas sem prejuízos à audição, segundo Nishino.
Por isso, a médica considera difícil ter danos em decorrência de barulho no ambiente escolar. “Existe sim um som intenso, mas o que vai acontecer é que isso vai provocar uma fadiga emocional e, no caso de professores que já tenham tido perda auditiva, se houver exposição a muito barulho, ele sentirá mais sensibilidade. Então acredito que seja mais uma fadiga emocional do que auditiva”.
O professor de Inglês Charles Mascena, 35, sabe bem o que é isso. Há três anos ele descobriu que havia tido perda de audição. Embora suspeitasse dos danos, a confirmação veio apenas quando ele passou por uma audiometria, obrigatória em processo de admissão para começar a trabalhar em uma escola particular de Brasília (DF), onde morava na época. “Aquela foi a única vez que me pediram esse exame e me lembro de o médico explicar que havia um desgaste no meu ouvido esquerdo e que, por isso, minha audição tinha sido danificada”, lembra.
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Charles, que tem mais de 15 anos de carreira, conta que começou a sentir incômodos quando passou a dar aulas para crianças em um ambiente em que os ruídos eram muito mais intensos. Hoje em dia quanto maior o barulho, maior a dificuldade para ouvir, mesmo se o aluno estiver perto dele. “Ouço bem, mas às vezes tenho que perguntar ‘o quê?’ mais de uma vez”, diz. Além disso, o professor conta que muitas vezes teve que “competir” com os alunos e falar mais alto para ser ouvido. “Acho que isso pode ter piorado os danos que tive”.
Não existe regra sobre danos auditivos. Isso é, não há um “perfil de risco”. O que há, na verdade, é que algumas pessoas têm mais predisposição ou até doenças correlatas, dois pontos que podem “contribuir” para o agravamento da situação, de acordo com o otorrinolaringologista Fayez Bahmad.
De todo modo, é fato que, quanto antes for descoberto o problema, mais eficaz será o tratamento. “Antes de tudo temos que descartar a perda da audição, mas, se já for constatada, a fadiga poderá ser aliviada com o uso de aparelhos auditivos. Se o professor não tem perda auditiva deverá tomar alguns cuidados. Uma alternativa seria reivindicar a redução, quando possível, o número de alunos por sala de aula para amenizar a exposição ao barulho”, diz o médico.
Tanto professores quanto alunos dependem da audição para melhor desempenho em sala, no entanto, não há no país a cultura de fazer avaliações de rotina, de acordo com Bahmad. O ideal é que quem trabalha em contato constante com ruídos intensos faça o exame de audiometria pelo menos uma vez por ano.
No caso dos professores, a recomendação é que, anualmente, procurem um otorrino para avaliar a qualidade da voz por meio da laringoscopia, exame que avalia as pregas vocais. E essa recomendação é um consenso entre os especialistas: a melhor forma de prevenção é o exame de rotina. Veja abaixo mais dicas práticas para evitar problemas mais graves.
1 – Audiometria uma vez por ano
É consenso entre os especialistas: professores façam a audiometria uma vez por ano. Quanto antes qualquer problema for detectado, mais fácil será o tratamento.
2 – Não faça competição com alunos
O médico Fayez Bahmad orienta a nunca fazer competição de volume com as crianças. “O professor deve buscar o controle da sala de forma que todos diminuam a intensidade da voz. Não há como ‘vencer’ dezenas de crianças falando alto ou gritando. Isso só vai prejudicar a vida do próprio professor”, ressalta.
3 – Isolamento acústico é uma alternativa
A professora de Audiologia da USP, Eliane Schochat, chama a atenção para o isolamento acústico nas salas de aula. “É um caminho para amenizar os efeitos de ruídos intensos. Precisamos nos atentar para o fato de que a estrutura física dos ambientes também impacta a vida funcional desses profissionais”.
4 – Cortinas também ajudam
Schochat afirma que as cortinas também ajudam a abafar os ruídos, então também podem ser uma alternativa para a ambiente escolar.
5 – Gestão, fique atenta!
A gestão escolar pode tomar algumas medidas pedagógicas para evitar barulhos intensos como cadeiras se arrastando dentro das salas de aula, segundo Eliane Schochat. Hoje em dia existem diversos dispositivos que abafam ruídos, inclusive em móveis.
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