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Jornalismo

Uma análise do caderno Escola sem Homofobia

Avaliamos o material didático que ficou pejorativamente conhecido como "kit gay" e teve sua distribuição suspensa pelo governo federal em 2011

PorBruno Mazzoco

12/02/2015

 Escola sem Homofobia. Reprodução

Lançado pelo governo federal em 2004, o Programa Brasil sem Homofobia previa, entre suas diretrizes, promover "valores de respeito à paz e à não-discriminação por orientação sexual". Dentre as propostas para a Educação estava a produção de materiais educativos específicos para discutir questões como orientação sexual e homofobia. Com alguns anos de atraso, em 2011, essa recomendação estava prestes a sair do papel com a elaboração do kit Escola sem Homofobia. Contudo, após pressão de setores conservadores da sociedade e do Congresso Nacional, o material foi engavetado pelo governo.

NOVA ESCOLA teve acesso, com exclusividade, ao caderno que compõe o material (disponível para download aqui). A cartilha é dividida em três capítulos (subdivididos em tópicos) e dois anexos com sugestões de sequências didáticas e indicações de como utilizar os materiais em vídeo. Ao fim de cada tópico, os autores propõem dinâmicas sobre o assunto tratado, que podem ser trabalhadas em sala de aula e em horários de formação de professores. "Ter um material como esse nas escolas seria um avanço muito grande. Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados em 1997) eram o único documento que tratava de sexualidade, mas o faziam de forma genérica. Já esse material faz um recorte prático do que precisa ser trabalhado na escola hoje", afirma o pedagogo Ricardo Desidério, que avalia alguns conteúdos do kit em seu doutorado em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).

Desfazendo a confusão
O primeiro capítulo do caderno propõe "desconstruir conceitos equivocados a respeito de identidade de gênero e orientação sexual". Para Desidério, esse é um dos objetivos principais do material. "Ele esclarece dúvidas do senso comum e traz referenciais da Ciência para introduzir a questão de gênero. Isso é importante para desfazer equívocos dos próprios professores e embasar sua prática". Para isso, os autores analisam o conceito de gênero do ponto vista biológico e sócio-histórico e mostram como as construções dos papeis sociais associados aos sexos masculino e feminino também estão presentes na escola, inclusive no modo como o ensino das disciplinas reproduz esse arranjo. Um exemplo: na aula de Educação Física, é comum que meninos joguem futebol e meninas, vôlei. Além disso, segundo a publicação, o modelo heteronormativo perpassa as concepções de família presentes nas diferentes disciplinas. A reiteração desse padrão, sem considerar a multiplicidade de relações afetivas possíveis, abre caminho para homofobia. Ela se manifesta em piadas, comentários maliciosos, segregação social e chega, em muitos casos, à agressão física.

Retratos da homofobia na escola
Com o objetivo de apoiar a incorporação do combate à discriminação e à violência baseadas nas questões de gênero e orientação sexual, o capítulo seguinte mostra como a homofobia se manifesta no dia a dia da escola. Isso se dá por meio da construção de estereótipos e do silêncio diante de situações de preconceito. Para embasar esse diagnóstico, o material apresenta pesquisas que confirmam a "existência de uma cultura homofóbica nas escolas".

Uma delas, realizada pela Unesco em 2004, traz um retrato alarmante da intolerância: 93,5% dos alunos entrevistados têm algum preconceito com relação a gênero. E mais: um quarto dos estudantes afirmou que não gostaria de ter colegas homossexuais.

A publicação enfatiza a importância de problematizar e discutir tolerância para reverter esse quadro e mostra como fazer isso com uma série de exemplos. Essa é uma atitude importante pois a omissão em tratar o assunto só ajuda a reforçar o preconceito. De acordo com Desidério, ao demonstrar, com exemplos colhidos do cotidiano, que muitas manifestações de preconceito passam desapercebidas pelos professores, os temas tratados no capítulo ajudam o docente a tomar consciência desses processos.

A diversidade sexual na escola
O terceiro e último capítulo traz propostas de atividades para ajudar gestores a incluir o combate à homofobia na elaboração de PPPs. "A incorporação dessa discussão no PPP é o primeiro passo para estruturar esse trabalho", argumenta Desidério. Para isso, ele defende que toda a comunidade escolar seja envolvida no processo de discussão. A participação dos pais ajudaria a alertá-los sobre a importância de trabalhar o assunto e evitar mal entendidos. O material apresenta sugestões sobre como engajar a comunidade escolar e propõe um plano de ação para transformar a escola em um ambiente sem homofobia. "É um material importante para servir de subsídio ao trabalho, mas o professor tem que ter consciência de que a discussão de uma escola sem homofobia não é só importante, mas necessária", finaliza.

 

 

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