Por que dizer não à Educação domiciliar
Um movimento que ganha cada vez mais adeptos acredita que é melhor educar as crianças em casa, sem levá-las à escola. Entenda os riscos dessa opção
PorNOVA ESCOLA
06/03/2018
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
06/03/2018
Há duas semanas, uma família de Belo Horizonte que tinha optado por não matricular seus filhos na escola e ensinar os conteúdos curriculares em casa foi obrigada pela Justiça a mudar de atitude. Além desse caso, muitos outros têm surgido na mídia e são exemplos de um movimento que começou tímido, mas que tem tido cada vez mais adeptos: o homeschooling, ou Educação domiciliar. Os formatos são muitos: pais que se encarregam de lecionar, professores eventuais contratados para dar conta de uma ou outra disciplina, atividades ministradas em horários e locais variados, adoção de um currículo internacional e outras tantas maneiras de organização.
Quem defende o sistema considera que as escolas regulares não estão cumprindo sua função, diz querer manter suas crianças distantes da violência e acredita poder ensinar sozinho o que os filhos aprenderiam na escola. No site do HomeSchooling Brasil, o grupo se apresenta como "pais preocupados com o estado da Educação brasileira, que foi integralmente infectada por ideologia do mais baixo nível e, além disso, por pura e simples ignorância". E diz que "professores universitários tornaram-se charlatães ignorantes, e professores diplomados já não conhecem o mínimo nem da ortografia, quem dirá de suas matérias específicas".
Há outras tantas organizações, como a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) e a Aliança Nacional para Proteção à Liberdade de Instruir e Aprender (Anplia) que reúnem os participantes do movimento. Cada um à sua maneira, esses grupos se pautam no discurso de que, diante de uma escola de má qualidade, o melhor é ficar longe. Mas será que essa é a situação de todas as escolas? E se os problemas existem, não seria mais corajoso e eficiente enfrentá-lo? De que adianta tomar uma decisão individual para um problema que é coletivo? E, principalmente, será que essa é mesmo a melhor alternativa para a criança?
A luta por uma escola que permita o acesso a todos e a manutenção do ensino vem de muitos anos e tem como base o direito de toda criança de aprender e de conviver com seus pares. Até 1971, o ensino obrigatório e gratuito no Brasil contemplava apenas os quatro anos do chamado Curso Primário. Após 1971, passaram a ser considerados os oito anos do Ensino Fundamental e, em 2010, chegou-se a nove, com a decisão de iniciar a escolarização obrigatória aos 6 anos. Para 2016, o período vai ainda aumentar, e todos entre 4 e 17 deverão frequentar as instituições de ensino. Para educadores e tantos outros cidadãos, esse histórico representa uma vitória da população, já que a escola traz diversos benefícios que vão muito além da discussão da questão legal.
Carlos Roberto Jamil Cury, docente da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que a escola tem duas funções básicas. "Uma é permitir uma situação permanente e contínua de interação com o outro, que é alguém diferente. A outra é de ser um lugar de compartilhamento de conhecimentos e de conteúdos".
Há um tipo de aprendizagem que só acontece no ambiente escolar, explica Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Não se trata apenas de um conteúdo específico, que a família pode até ter condições de ensinar. Mas de aprendizados que pressupõem a relação cotidiana entre pares. Entre eles estão a capacidade de argumentação, de ouvir o outro e convencê-lo sobre uma perspectiva, de perceber que regras valem para todos e conseguir chegar a uma decisão criada em conjunto", explica. A psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, no livro Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever, ressalta uma missão da escola nos dias atuais: "a de ajudar todas as crianças do planeta a compreender e apreciar o valor da diversidade".
Além disso, é na escola que o estudante vai encontrar uma estrutura preparada para recebê-lo: equipe formada por professores, diretora, coordenação pedagógica, Secretaria de Educação e um planejamento que organiza seu funcionamento e orienta quais devem ser os passos a seguir ou os conteúdos essenciais. Negar a importância desses personagens é ignorar a importância da profissionalização da área e considerar que qualquer um pode assumir o papel desses responsáveis.
Muitas das famílias que optam pela Educação domiciliar não têm esses olhares e acreditam que, ao afastar os filhos da escola, estão garantindo a eles um futuro melhor. A solução, no entanto, não é a mais adequada. "Quando os pais acreditam que a qualidade não está satisfatória, devem se unir a outros e reivindicar melhorias", orienta Cury. Telma também prega a participação dos pais para discutir e construir uma escola melhor. E insiste que, mesmo se a instituição tiver defeitos, ela é essencial. "Defendo que o prejuízo é maior quando a criança fica em casa. Todos têm o direito a frequentar outro espaço que não seja só o privado, de conviver com pares e com outro ambiente. Tirar uma pessoa da escola é privá-la de oportunidades de desenvolvimento".
O que diz a lei
Além dos aspectos citados acima, há um agravante importante: os casos de crianças fora da escola são ilegais. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é obrigatório que crianças e jovens entre 6 e 14 anos frequentem uma instituição de ensino. Os pais que não matriculam seus filhos podem ser denunciados, precisam pagar multa e enfim devem passar a cumprir a determinação.
De acordo com Cury, só podem estar fora da escola os casos previstos no decreto 5622/2005 sobre Educação a Distância. O texto diz que a regra só vale para indivíduos que "estejam impedidos, por motivo de saúde, de acompanhar ensino presencial; sejam portadores de necessidades especiais e requeiram serviços especializados de atendimento; se encontrem no exterior, por qualquer motivo; vivam em localidades que não contem com rede regular de atendimento presencial; compulsoriamente sejam transferidos para regiões de difícil acesso, incluindo missões localizadas em regiões de fronteira; ou estejam em situação de cárcere".
A legislação nacional pode mudar se algum dos inúmeros projetos que pedem a regularização da Educação Domiciliar for aprovado, como é o caso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 444, de 2009. Para Cury, mesmo se isso ocorrer, o benefício valerá apenas em situações muito específicas. Pelo menos é isso o ocorre no exterior, como Estados Unidos, França, Austrália e Inglaterra. Nesses locais, experiências com Educação Domiciliar são permitidas, mas a aceitação legal dessa preferência não é simples. Os pais precisam se justificar e aguardar aprovação governamental, já que ela é tida sempre como uma segunda opção.
Com reportagem de Beatriz Santomauro
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