Autoconhecimento, regulação emocional, resiliência, empatia e julgamento para tomar decisões responsáveis podem ser aprendidas na escola e são importantes aliadas para as mudanças trazidas pelo desenvolvimento tecnológico
Uma criança que está iniciando o Ensino Fundamental hoje terá apenas 16 anos em 2035. Por essa época, o mundo como o conhecemos hoje terá mudado significativamente em algumas áreas – talvez até de forma imprevisível. A tecnologia que permitirá nos locomovermos em milhões de veículos autônomos nas grandes cidades provocará uma avalanche de mudanças em outras áreas. Isso deve alterar a nossa forma de interagir com o mundo, reformulando padrões e relações na sociedade.
Um estudo do Fórum Econômico Mundial, publicado em 2016, estimou que 65% dos jovens que estão hoje na escola trabalharão em uma profissão que ainda não existe. Além disso, a previsão é de que essas pessoas não terão apenas uma carreira ao longo da vida. Talvez sejam duas, três, quatro ou mais.
Isso ocorrerá porque a inteligência artificial, os robôs, as máquinas farão trabalhos que antes eram exclusivamente humanos, o que pode fazer com que carreiras sólidas deixem de fazer sentido. Ter que se reinventar aos 20 anos é uma história, mas ter que se reinventar sucessivamente aos 30, 40, 50, 60 anos pode ser muito desafiador.
Esse cenário exigirá muita resiliência e grande capacidade de regulação emocional para lidar com o estresse inerente às mudanças. A pergunta é: teremos habilidade para navegar nesse novo mundo? Ou aumentarão os índices de alcoolismo, depressão e suicídio?
Essa é uma das razões que contribuiu para o consenso entre os especialistas sobre importância de ensinarmos tais habilidades na escola. As habilidades socioemocionais – autoconhecimento, regulação emocional, resiliência, empatia e julgamento para decisões responsáveis – podem ser aprendidas da mesma forma que as crianças aprendem a ler, a escrever ou a contar.
Um estudo conduzido em 2011 envolvendo cerca de 270 mil crianças e adolescentes avaliou o impacto de programas estruturados de aprendizagem socioemocional nas escolas. Comparado com o grupo controle, os alunos melhoraram suas notas nas disciplinas tradicionais, em média, 11%. Resultados semelhantes foram encontrados em outro estudo de 2017 envolvendo cerca de 100 mil participantes.
Só para se ter uma noção do tamanho desse impacto na nota, numa avaliação como o ENEM, o aumento de 11% na pontuação significa algumas centenas de posições na disputa por vagas nas carreiras mais concorridas.
Mas uma coisa que chamou muita atenção nesse estudo é que num seguimento de 20 a 30 anos, as crianças e adolescentes se tornaram adultos com uma prevalência de transtornos mentais muito menor do que o grupo controle.
Esses dados apontam com clareza que a aprendizagem socioemocional pode impactar positivamente o desempenho acadêmico e a capacidade de lidar com os desafios que o século XXI já está exigindo. Ignorar essa realidade é omissão.
Neste contexto, não há dúvidas sobre a urgência de olharmos o tema com a seriedade que ele merece. Se concordamos que para um futuro melhor é preciso investir nas crianças e adolescentes, concordaremos também que uma das formas de conseguir isso é investindo nos professores.
Tão importante quanto estruturar as habilidades socioemocionais nos alunos é também desenvolver essas habilidades nos professores. Afinal de contas, eles também estão no meio dessa revolução e mais do que nunca precisarão de muita resiliência e capacidade de regulação emocional para enfrentá-la.
Entre as incertezas sobre o futuro, é possível fazer uma previsão segura: nos próximos 20 anos, precisaremos de professores mentalmente saudáveis, pois nunca foi tão importante aprender e nunca foi tão importante ensinar. É hora de despertar. O futuro tem pressa, e ele não costuma esperar.
Celso Lopes de Souza é médico psiquiatra, professor, autor de livros didáticos e fundador do Programa Semente, projeto que promove o desenvolvimento de competências socioemocionais em crianças e adolescentes.