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Jornalismo

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Instigados por dilemas profissionais, professores vão ao exterior pesquisar e responder a dúvidas com os maiores experts da atualidade

PorRita Loiola

01/05/2009

Não satisfeitos em pesquisar nos livros, educadores brasileiros buscam aperfeiçoamento cara a cara com os grandes pensadores da Educação atual. São professores que, para obter respostas para problemas vividos no Brasil, procuram cursos de mestrado e doutorado no exterior, em centros acadêmicos especializados em seus temas de interesse.

Além de aprender teorias consagradas na origem, quem embarca nessa viagem passa a ter intimidade com os habitués das bibliografias dos cursos de formação, assimila novos modos de estudo e conhece pesquisas que demorariam para ser publicadas em português. "Saí uma professora de escola pequena e hoje volto podendo ajudar a pensar a Educação do meu país", diz a pedagoga Carolina Briso, que deixou de trabalhar no Espaço Brincar, em São Paulo, para cursar em Barcelona, Espanha, um mestrado com a argentina Ana Teberosky, renomada pesquisadora da psicogênese da língua escrita e da teoria sociocultural.

Ela queria estudar a relação entre família e escola, pois lidava com isso todo dia. "Aquelas conversas de fim de aula com os pais eram sempre delicadas e eu não sabia até onde podia ir com eles. Por mais que buscasse ajuda com a orientação educacional ou nos livros, não encontrava as respostas", conta. Ela concluiu, então, que um bom caminho seria ir atrás das soluções com os especialistas no assunto. Ignorando distâncias e dificuldades em línguas estrangeiras, procurou os melhores cursos de Psicologia da Educação. Quando encontrou, pegou as economias, fez as malas e foi atrás de seu sonho.

A formadora de professores Flávia Sarti, de Rio Claro, a 184 quilômetros de São Paulo, e a alfabetizadora e professora de didática Cristiane Arns de Oliveira, de Curitiba, tiveram trajetórias parecidas. Flávia buscou alguém que pudesse lhe ajudar a entender como os professores assimilam os textos acadêmicos, já que ao atuar como formadora de docentes refletia sobre o tema. Usou parte da sua bolsa de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para um estágio com Anne-Marie Chartier, renomada estudiosa dos processos de escrita e leitura, em Paris.

Já Cristiane começou tendo aulas de francês. Ela supunha que, nas entrelinhas dos textos originais, deveriam existir alternativas para as dificuldades de aprendizagem e para a evasão escolar. Depois, vendeu o que tinha, conseguiu uma bolsa do governo suíço e hoje estuda em Genebra com Philippe Perrenoud, sociólogo conhecido por análises sobre competências profissionais e avaliação. "Aprendi que existe um sistema de relações que favorece ou não a aprendizagem. O professor não é o único culpado."

Ao unir a experiência de nomes célebres aos desafios brasileiros cotidianos, Carolina, Flávia e Cristiane inovaram e, atualmente, procuram aplicar na prática o que aprenderam no exterior, inclusive em programas de formação docente. Os depoimentos delas você lê a seguir.

A família e a leitura, com Ana Teberosky 

Fotos: Marina Piedade (maior) e Gustavo Lourenção
Fotos: Marina Piedade (maior) e Gustavo Lourenção

"Sou a pedagoga Carolina Briso, tenho 27 anos e, até 2003, trabalhava no Espaço Brincar, uma escola de Educação Infantil em São Paulo. Sempre notei como era complexa a relação entre escola e família. Os professores, além de contar para os pais se a criança comeu ou caiu, também tentam um diálogo para discutir as dificuldades de aprendizagem e possíveis causas... Só que, independentemente do tema da conversa, achava sempre esse momento delicado porque nem o contexto da escola nem o da família podem ser 'invadidos'. Mas não encontrava respostas que abordassem o tema como eu gostaria. Sabia que em Barcelona havia um grupo dedicado às práticas educativas nos contextos familiar, social e educacional e, como já tinha vontade de sair do país para um mestrado, fiz minhas malas.

A Universidade de Barcelona estava abrindo um mestrado em Psicologia da Educação com participação de docentes como Ana Teberosky. Concorri e passei no exame de admissão. Em um dos cursos, desenvolvi com outras duas alunas um trabalho sob a orientação dela. Um dos pressupostos da teoria sociocultural - linha seguida pela Ana - é que é essencial que a leitura e a escrita façam sentido para a criança antes que ela aprenda a ler. Mesclando minhas angústias iniciais com as linhas de pesquisa disponíveis, decidi estudar como as relações familiares que acontecem pela literatura podem influenciar na aprendizagem. Frequentei um centro educacional público de uma cidade vizinha que oferece atividades lúdicas desenvolvidas por educadores para crianças de até 3 anos e seus pais. Lá, elas podem brincar e aprender com outras crianças e com a família, sempre orientadas por um psicólogo e um educador infantil. Aproveitei para ver como eram as relações entre pais e filhos durante a narração de textos de literatura infantil. Queria saber que mecanismos entram em jogo durante a narração, pois partia do pressuposto de que as relações desenvolvidas entre os pais e as crianças em torno da escrita são importantes para a aprendizagem. Propus histórias, pesquisei critérios para a escolha dos livros, conversei com mães e filhos, sempre sob a orientação dos meus orientadores, que me sugeriam novos pontos de vista e bibliografias. No fim, elaborei um material de consulta para as mães, além de estabelecer alguns critérios importantes para a escolha de livros infantis e a forma de narrar histórias. Cheguei à conclusão de que, entre outros fatores, a qualidade do contato entre pais e filhos ao redor das histórias é crucial para a aprendizagem das crianças." 

Como ler, com Anne-Marie Chartier 

Fotos: Marina Piedade (maior) e arquivo pessoal
Fotos: Marina Piedade (maior) e arquivo pessoal

"Meu nome é Flávia Sarti, tenho 34 anos, trabalho com formação de docentes e, em 2001, fiz um doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) com estágio em Paris, no Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica, sob a tutela de Anne-Marie Chartier. Minha pesquisa buscava identificar a maneira como os professores dos anos iniciais leem os textos educacionais produzidos na universidade, pois trabalhava na formação de professores e sempre tentei entender como se dá esse processo. Por isso, eu e minha orientadora fizemos contato com Anne-Marie. Em uma carta, apresentamos a pesquisa e dissemos que o trabalho de campo estava sendo feito em um curso de qualificação docente.

Ela ficou interessada porque não é comum encontrar pesquisas assim, em que os adultos são acompanhados nesse momento, porque isso geralmente ocorre em ambientes privados, ou, pelo contrário, em espaços públicos onde não é possível monitorar a prática de leitura. Estive em Paris de agosto de 2004 a janeiro de 2005. Em nossas reuniões semanais, tínhamos longas discussões a respeito de aspectos teóricos e metodológicos. Ela me incentivou, por exemplo, a explorar mais atentamente o conceito de tática de consumo do historiador francês Michel de Certeau (1925-1986) para abordar as leituras dos professores. Ele fala sobre como as pessoas se apropriam da cultura, alterando-a individualmente. Pude perceber com maior clareza a dimensão criativa das leituras dos educadores.

Anne-Marie me aconselhou, ainda, a cursar disciplinas ligadas à Sociologia na Escola de Estudos em Ciências Sociais, com os professores Roger Chartier e Jean Hèbrad. Fiz a disciplina de Sociologia das Práticas Culturais, especialidade de Chartier, em que estudei, entre outros temas, Sociologia da Leitura. Sem o apoio dela, meu trabalho provavelmente não teria chegado aos mesmos resultados.

Percebi que a leitura que os professores fazem tem características bem específicas e algumas ainda desconhecidas. Eles leem com base em uma perspectiva ligada à prática docente, e esse ponto de vista muitas vezes atribui novos significados aos textos. Hoje, uso o que aprendi no curso de formação em que atuo."

Fracasso escolar, com Perrenoud 

Fotos: Chris Schmid/Aurora Select (maior) e Juliet Piper
Fotos: Chris Schmid/Aurora Select (maior) e Juliet Piper

"Na minha carreira como alfabetizadora em Almirante Tamandaré, na grande Curitiba, eu, Cristiane Arns de Oliveira, 37 anos, sempre carreguei um dilema. Muitos alunos chegavam à 4ª série sem saber organizar um texto e sem apresentar interesse e motivação pela leitura. Se eles não têm problemas patológicos, por que não aprendem? A dúvida me incomodava.

Em 2004, comecei um curso de francês para ver se, no original, os textos de Philippe Perrenoud me ajudariam. No ano seguinte, em uma viagem à Europa, gostei da relação das pessoas com a Educação, preparei um projeto para apresentar à Escola de Doutorado de Genebra e concorri a uma bolsa do governo suíço, que financia projetos de estudantes estrangeiros. Deu certo.

Aqui, não só bebo das teorias no idioma dos professores como também converso com eles. Os debates são sobre temas específicos, escolhidos conjuntamente. Quando definidos, viajo até onde Perrenoud está e discutimos pessoalmente - ou por cartas. Há também seminários mais gerais. No último, ele abordou o abismo entre academia e escola.

O foco dos meus estudos, de toda maneira, é analisar como a família, a escola e a comunidade interferem no processo de aprendizagem escolar. A minha hipótese é que, entre todos esses fatores, o modo como a família vê a escola - e fala dela - é um dos principais fatores no processo. O valor que ela dá à unidade de ensino, a forma como os pais vivenciaram a própria escolarização e as expectativas em relação aos filhos influem muito no sucesso das crianças.

Os primeiros dados trabalhados em minhas análises apontam que o trabalho com as famílias é urgente para obtermos o êxito escolar. Como meu doutorado ainda está na metade, vou estudar durante os dois anos que ainda faltam as medidas e as linhas diretoras.

Faço uma abordagem interdisciplinar que ainda é novidade para mim. Nunca imaginei fazer algo tão abrangente, tocando desde a Sociologia da família até as políticas públicas. Já sabia que o importante não é apenas o currículo ou a formação do professor, mas todo o sistema social. O que não sabia era como pensar tudo conjuntamente.

Agora, tenho algumas pistas e a convicção de que um professor bem preparado pode ser capaz de mudar todo um sistema."

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