Dias para aprender
Evento reúne especialistas e coloca os professores em contato com didáticas da Matemática, alfabetização, leitura e escrita
PorBeatriz SantomauroBianca BibianoAnderson MoçoArthur Guimarães
31/10/2008
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Jornalismo
PorBeatriz SantomauroBianca BibianoAnderson MoçoArthur Guimarães
31/10/2008
Professores, coordenadores pedagógicos e representantes de secretarias municipais e estaduais de Educação de todo o país lotaram o auditório do Sesc Consolação, na capital paulista, entre 14 e 16 de outubro. Os três dias que se seguiram à entrega do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 (leia reportagem na página 84) foram dedicados à formação profissional. A terceira edição da Semana da Educação, organizada pela Fundação Victor Civita (FVC) e pelo Serviço Social do Comércio de São Paulo (Sesc) - com o patrocínio da Editora Saraiva e o apoio da Organização Não-Governamental Todos pela Educação - foi dedicada às didáticas específicas.
No evento - que contou com a presença dos 11 educadores vencedores deste ano e de seis Educadoras do Ano de edições anteriores do prêmio -, também foram apresentados os resultados da pesquisa sobre formação inicial realizada pela Fundação Carlos Chagas (FCC) para NOVA ESCOLA (leia reportagem sobre as as licenciaturas de Letras, Matemática e Ciências Biológicas na página 76).
Ligação e ruptura
O francês Gérard Vergnaud, autor da teoria dos campos conceituais e diretor emérito da área de pesquisas didáticas do Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Paris, foi o primeiro palestrante do seminário. Ele foi apresentado ao público pela coordenadora pedagógica da FVC, Regina Scarpa, e pelo diretor de redação de NOVA ESCOLA, Gabriel Pillar Grossi. Vergnaud disse que as pesquisas sobre as práticas de sala de aula revolucionaram o ensino de Matemática nas últimas décadas: "A grande contribuição das didáticas específicas é o estudo do aprendizado e das ferramentas desse processo em várias escalas, dando subsídios para o trabalho do professor em sala de aula".
Em sua fala, ele destacou que o pensamento sistemático do ser humano é oportunista, ou seja, é capaz de mobilizar todos os recursos que tem à disposição para se adaptar a novas situações. "A didática usa esse preceito todo o tempo." Ele acredita que uma das dificuldades do trabalho docente é planejar momentos de aprendizagem que fiquem no meiotermo entre o que o aluno consegue fazer sozinho e o que ele precisa de ajuda para avançar. "O conjunto de situações escolhidas para promover o ensino deve dar uma relativa confiança ao estudante e, ao mesmo tempo, levar à sensação de ruptura. Em seguida, cabe ao educador dar suas explicações e ajudar a turma a encontrar o caminho para solucionar os problemas colocados", afirma ele.
A teoria dos campos conceituais, criada por Vergnaud, leva em consideração os momentos de ligação com conhecimentos anteriores e os de ruptura quando se afasta do conceito único e fechado para a resolução de problemas e sugere diversos raciocínios - no campo aditivo, por exemplo, ele classificou os problemas em seis tipos, nos quais podem variar o estado inicial (o que se tem), a transformação (a operação em jogo) e o estado final (aonde se chega).
Objeto e representação
Ainda na área da Matemática, o argentino Héctor Ponce, professor da Educação Básica, pesquisador em didática da Matemática e membro da equipe da Direção de Currículo da Secretaria de Educação de Buenos Aires, falou sobre geometria. "Nas escolas, se mostram as relações de figuras geométricas e não se propõem problemas, o que seria útil para a melhor assimilação dos conceitos e a interpretação das leis que regem a geometria. É preciso ensinar as propriedades de formas e figuras para que as crianças relacionem o que vêem ao que sabem." Ponce destacou que os preceitos da Matemática Moderna, que pregavam o ensino vinculado aos interesses do aluno, afastaram da sala de aula os conhecimentos mais profundos dessa área.
Entre as dificuldades didáticas mais comuns, o pesquisador ressaltou a resistência das crianças em romper com as evidências do desenho e entrar no jogo dedutivo, principalmente quando a figura é afastada da sua representação: "Elas sabem o que é um quadrado, mas, sem conhecer as características da figura, terão dificuldade em reconhecê-la em outra situação". Para o especialista, é preciso oferecer uma série de problemas para garantir o avanço dos alunos e a assimilação de conceitos. Para finalizar, ele reafirmou a importância do trabalho geométrico desde as séries iniciais e sua contribuição para a assimilação de conceitos que serão aprofundados posteriormente.
Revisão textual
O segundo dia da Semana da Educação foi dedicado à produção de textos e à alfabetização. A argentina Mirta Castedo, da Universidade Nacional de La Plata, apresentou pesquisas que mostraram aos docentes como orientar os alunos em seqüências de produção e revisão.
A leitura de textos que sirvam de referência para a criança antes de ela partir para a produção escrita é o primeiro passo. A intenção é colocá-la em contato com as características do gênero que será trabalhado. "Quanto maior o número de obras disponíveis, mais ferramentas ela terá para escolher", diz a pesquisadora. Ao professor cabe fazer intervenções, mostrando como a história foi contada e quais os efeitos que o autor conseguiu ao utilizar bem os recursos da língua.
"Mais do que identificar os problemas e as soluções de escrita buscadas pela criança, é necessário que o professor conheça diversas maneiras de lidar com eles. No momento de resolver uma questão textual, as estratégias devem estimular a autonomia delas", afirma a pesquisadora. Durante a leitura, é importante criar textos intermediários, como as anotações. Elas têm a função de auxiliar na seleção e hierarquização das idéias e podem ser acompanhadas de desenhos, gráficos ou quaisquer outros elementos. Na fase de revisão, o professor pode fazer algumas intervenções. Numa delas, ele se coloca como modelo de escriba e revisor, escrevendo no quadro as adequações necessárias ao texto. Em outras, ele pode fornecer diretamente informações úteis para melhorar o texto, propor a consulta aos escritos de referência (com a finalidade de perceber como o autor resolveu o problema detectado), fazer perguntas para que o estudante perceba um aspecto não observado durante a produção ou usar contra-exemplos.
Desafio de aprender a escrever
A última palestra relacionada a didáticas foi de Claudia Molinari, professora de Ciências da Educação da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, e coordenadora do programa Leitura e Escrita na Alfabetização Inicial da Província de Buenos Aires. Ela discorreu sobre os desafios enfrentados pelas crianças no processo de alfabetização inicial. "Elas precisam decidir com quantas letras escrever uma palavra, quais são elas e em que ordem se organizam dentro da série gráfica." Sabendo disso, cabe ao professor garantir que os alunos troquem informações sobre a produção escrita com ele e com os colegas de classe, revisem as escritas e recorram a palavras já conhecidas para resolver os problemas de grafia.
Claudia mostrou algumas intervenções que podem ser feitas pelo professor para que os pequenos ref litam sobre o sistema de escrita e avancem de maneira autônoma. Entre elas, pedir que as crianças leiam a palavra que escreveu e a associem a outras conhecidas, como o nome dos colegas e de alguns objetos. "Há uma relação direta entre as estratégias adotadas pelo professor e o aprendizado real. É preciso ter uma visão de conjunto e refazer o projeto pedagógico e o planejamento constantemente. A boa alfabetização depende da observação e intervenção consciente do professor", afirmou Claudia. Para ela, é possível perceber que a criança está ref letindo sobre a escrita quando ela interpreta o próprio texto durante a produção ou depois de finalizado, pede ou dá informações ao colega enquanto realiza uma atividade, procuram e localizam dados em diferentes escritas conhecidas de forma autônoma e produz textos cada vez mais próximos dos convencionais.
O último dia da Semana da Educação teve a palestra de Bernardete Gatti, pesquisadora da FCC. Ela apontou o problema da superficialidade dos cursos de formação inicial de professores e dos concursos que selecionam para a rede pública: "Tem teoria e fundamentos de mais e poucas atividades de ref lexão que avaliem a capacidade do professor de solucionar os problemas didáticos".
O evento terminou com um debate sobre a Educação não formal entre a professora da Universidade Estadual de Campinas, Maria da Glória Gohn, e o diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda. Ela explicou que o ensino não formal está intrinsecamente relacionado a práticas educativas realizadas em diversos contextos e espaços socioculturais. Miranda explicou que a ida a um museu, a prática de um esporte e a participação em seminários, cursos e palestras são algumas das possibilidades dessa modalidade de Educação: "São trabalhos que, além de educar, promovem a cidadania e a capacitação para o trabalho".
Gérard Vergnaud
"O conjunto de situações escolhidas para promover o ensino deve dar uma relativa confiança ao estudante e, ao mesmo tempo, levar à sensação de ruptura. Em seguida, cabe ao educador dar explicações e ajudar a turma a encontrar o caminho para solucionar os problemas colocados."
Gérard Vergnaud, do Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Paris
Héctor Ponce
"Nas escolas, se mostram as relações de figuras geométricas e não se propõem problemas, o que seria útil para a melhor assimilação dos conceitos e a interpretação das leis que regem a geometria. É preciso ensinar as propriedades de formas e figuras para que as crianças relacionem o que vêem ao que sabem."
Héctor Ponce, pesquisador em didática, de Buenos Aires
Mirta Castedo
"Mais do que identificar os problemas e as soluções de escrita buscadas pelas crianças, é necessário que o professor conheça diversas maneiras de lidar com eles. No momento de resolver uma questão textual, as estratégias devem estimular a autonomia delas durante as produções."
Mirta Castedo, da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina
Claudia Molinari
"Há uma relação direta entre as estratégias adotadas pelo professor e o aprendizado real. É preciso ter uma visão de conjunto e refazer o projeto pedagógico e o planejamento constantemente. A boa alfabetização depende da observação e intervenção consciente do professor."
Claudia Molinari, da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina
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