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Jornalismo

O convívio nas artes e as artes no convívio

Subestimar essa linguagem na escola é ignorar parte fundamental da cultura e empobrecer a formação para a vida e para o trabalho

PorLuis Carlos de Menezes

01/04/2012

Luis Carlos de Menezes. Foto: Marina Piedade
Luis Carlos de Menezes é físico e educador da Universidade de São Paulo (USP)

Tanto quanto as ciências e as demais dimensões da cultura, a arte se aprende praticando, compreendendo e apreciando. Por isso, ela é para ser vivida, conhecida e saboreada. Curioso pensar que, diferentemente do que ocorreu na história humana, na qual as artes antecederam a escrita, as crianças da Educação Infantil cantam, moldam, dançam, representam e desenham enquanto iniciam seu processo de letramento. Mas é preciso reconhecer: à medida que avança a Educação Básica, a Arte frequentemente perde espaço. A disciplina vai sendo reduzida ou confinada, talvez porque em muitas escolas o caráter cognitivo da formação se empobrece, em prejuízo do sentido mais amplo do educar.

Por isso, é oportuno questionar: por que as artes têm tido um papel menor na Educação? Deixá-las em segundo plano é um simples equívoco ou o reflexo de sua importância? Elas devem ser reconhecidas somente na disciplina de Arte ou também nas demais?

As respostas a essas questões podem ajudar professores de todas as áreas a educar melhor, como mostrarei a seguir. Isso depende, porém, de uma compreensão mais lúcida do mundo e do sentido da escola, que leve à superação de um pragmatismo equivocado que substitui formação por treinamento desde os primeiros anos da vida escolar.

Artes existem desde a pré-história e estão na origem da civilização. Em todas as épocas, deram forma a utensílios, edificações, representações e rituais, caracterizando cada cultura. O passado das artes persiste na imponência gótica da catedral, no enlevo da música barroca e na graça eterna do teatro de máscaras. Desprezá-lo seria como só ver sentido no último capítulo de uma obra sem ler os anteriores. Até hoje, as artes dão forma a inúmeras manifestações, não importa se seja o break na calçada ou o balé no palco, o conceito surpreendente da página do webdesigner ou a ponte estaiada do arquiteto. Esse amplo universo não pode ser ignorado pela escola.

Só quem teve o privilégio de estudar em uma boa instituição, que valoriza as artes, sabe a importância de participar de um conjunto musical, de uma oficina de teatro e de grafite ou de ter visitado mostras e museus. Desenvolvendo a sensibilidade e o gosto do convívio nas artes se aprende também a arte no convívio. Valores como respeito, cooperação e tolerância também estão em jogo quando se ensina e se aprende Arte. Basta se lembrar do movimento entre os personagens numa peça ou do intervalo deixado para um solo de bateria. Ambos exercitam tais atitudes, nos preparando para lidar com uma intervenção durante reuniões de trabalho ou com opiniões divergentes numa discussão entre amigos.

História e Geografia, entre outras, também podem ser integradas à Arte. Não porque esta esteja a serviço de outras disciplinas, mas porque contribui com elas. Afinal, fazer a maquete do bairro dá mais realidade ao mapa, assim como analisar uma cerâmica ou uma pintura traz o passado para a sala.

No entanto, ainda há quem acredite que o interesse pelas artes é irrelevante e existem muitas escolas que formatam seus currículos em função dessa percepção. Pois, para quem, por equívocos como esses, encara as artes como opostas a outras atividades, posso contar que o mais ilustre cientista com quem convivi, meu mestre Mário Schenberg (1914-1990), foi um reconhecido crítico de artes, além de grande físico brasileiro. O mais ilustre cientista com quem ele conviveu, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955), também tinha grande interesse pelo tema: gostava de música, tocava violino e não fez segredo sobre o quanto suas ideias nas ciências foram fortemente influenciadas pelo que ele aprendeu com a literatura.

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