O que ensinar em Arte
O ensino da área se consolida nas escolas sobre o tripé apreciação, produção e reflexão
01/03/2009
Este conteúdo é gratuito, entre na sua conta para ter acesso completo! Cadastre-se ou faça login
Compartilhe:
Jornalismo
01/03/2009
REFLETIR O professor deve analisar temas
já aprofundados, como o frevo e o enredo
de uma peça teatral. Foto: Eduardo Queiroga
Infelizmente, ainda há professores trabalhando na chamada metodologia tradicional, que supervaloriza os exercícios mecânicos e as cópias por acreditar que a repetição é capaz de garantir que os alunos "fixem modelos". Sob essa ótica, o mais importante é o produto final (e ele é mais bem avaliado quanto mais próximo for do original).
É por isso que, além de desenhos pré-preparados, tantas crianças tenham sido obrigadas ao longo dos tempos a apenas memorizar textos teatrais e partituras de música para se apresentar em datas comemorativas - sem falar no treino exaustivo e mecânico de habilidades manuais em atividades de tecelagem e bordado.
Só nos anos 1960, com o surgimento do movimento da Escola Nova, ideias modernizadoras começaram a influenciar as aulas de Arte. Na época, a proposta era romper totalmente com o jeito anterior de trabalhar. Segundo esse modelo, batizado de escola espontaneísta (ou livre expressão), os professores forneciam materiais, espaço e estrutura para as turmas criarem e não interferiam durante a produção dos estudantes.
Tudo para permitir que a arte surgisse naturalmente nos estudantes, de dentro para fora e sem orientações que pudessem atrapalhar esse processo. "Achava-se que a criança tinha uma arte própria e o adulto não deveria interferir", lembra Rosa.
APRECIAR Assistir a diferentes apresentações
e comparar obras ajuda a ampliar o repertório.
Foto: Daniel Aratangy
Alguns anos mais tarde, novas concepções foram sendo construídas, abrindo espaço para a consolidação da perspectiva sociointeracionista, a mais indicada pelos especialistas hoje por permitir que crianças e jovens não apenas conheçam as manifestações culturais da humanidade e da sociedade em que estão inseridas, mas também soltem a imaginação e desenvolvam a criatividade, utilizando todos os equipamentos e ferramentas à sua disposição.
Na década de 1990, duas importantes inovações pavimentaram o caminho para o modelo atual: na Espanha, Fernando Hernández defendeu o estudo da chamada cultura visual (muito além das artes visuais clássicas, era necessário, segundo ele, trabalhar com videoclipes, internet, histórias em quadrinhos, objetos populares e da cultura de massa, rótulos e outdoors nas salas de aula).
No Brasil, Ana Mae Barbosa formulou a metodologia da proposta triangular (inspirada em ideias norte-americanas e inglesas, recuperou conteúdos e objetivos que tinham sido abandonados pela escola espontaneísta). Ela mostrou que o professor deveria usar o seguinte tripé em classe: o fazer artístico, a história da arte e a leitura de obras
Esse tripé original é considerado uma "matriz" dos eixos de aprendizagem que dominam o ensino atualmente: a produção, a apreciação artística e a reflexão. O "novo" tripé ajuda a desmanchar alguns dos mitos que rondam as salas de Arte nas escolas brasileiras, como a confusão entre a necessidade de ter muito material e estrutura para obter uma resposta "de qualidade" dos alunos (leia mais no quadro abaixo).
Na perspectiva sociointeracionista, o fazer artístico (produção) permite que o aluno exercite e explore diversas formas de expressão. A análise das produções (apreciação) é o caminho para estabelecer ligações com o que já sabe e o pensar sobre a história daquele objeto de estudo (reflexão) é a forma de compreender os períodos e modelos produtivos.
Qualidade não é quantidade. "Um trabalho que garanta uma aprendizagem significativa para os alunos não depende de riqueza de material, mas de conteúdo, estratégia e propostas que ofereçam oportunidades de participação", argumenta Karen Greif Amar, da Escola da Vila, em São Paulo.
A Arte desenvolve a criatividade - e outras habilidades - se os conteúdos são aprendidos. Mas o mesmo ocorre quando o aluno levanta uma hipótese na aula de Ciências ou pensa numa estratégia para um problema em Matemática. A criatividade independe da disciplina.
Sou formada há 22 anos em Artes Plásticas. Aprendi a ensinar pelas ideias que eram de vanguarda na época. Mas até hoje são poucos os que aplicam isso na prática. O contato com a obra de arte é primordial, além da produção e da contextualização. Sei que é essencial fazer a apreciação das obras e também do trabalho dos estudantes.
Todos os meus colegas ensinavam da maneira tradicional. As aulas eram reduzidas à preparação de atividades em datas comemorativas e à pintura de desenhos mimeografados. O que eu aprendi na faculdade estava distante do que eu via na escola.
Aos poucos, mostrei que era importante promover a criação feita pelos estudantes, o contato com outras obras e o estudo do contexto da produção. Fui malvista, mas hoje outras pessoas da equipe de docentes compartilham minhas propostas.
PRODUZIR Os alunos devem experimentar
novas técnicas, como grafitar e fotografar
uma cena. Foto: Leo Drumond
1816 Durante o governo de dom João VI, chega ao Rio de Janeiro a Missão Artística Francesa e é criada a Academia Imperial de Belas Artes. Seguindo modelos europeus, é instalado oficialmente o ensino de Arte nas escolas.
1900 Até o início do século 20, o ensino do desenho é visto como uma preparação para o trabalho em fábricas e serviços artesanais. São valorizados o traço, a repetição de modelos e o desenho geométrico.
1922 Apesar da efervescência das manifestações da Semana de Arte Moderna, o ensino segue as tendências da escola tradicional, que defende a necessidade de copiar modelos para treinar habilidades manuais.
1930 O compositor Heitor Villa-Lobos, no governo de Getúlio Vargas, institui o projeto de canto orfeônico nas escolas. São formados corais, que se desenvolvem pela memorização de letras de músicas de caráter folclórico e cívico.
1935 O escritor Mario de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura do município de São Paulo, promove um concurso de desenho para crianças com tema livre. O ganhador recebe uma quantia em dinheiro.
1948 É criada no Rio de Janeiro a primeira "Escolinha de Arte", com a intenção de propor atividades para o aluno desenvolver a autoexpressão e a prática. Em 1971, chega a 32 o número de instituições particulares desse tipo no país.
1960 As experimentações que marcam a sociedade, como o movimento da bossa nova, influenciam o ensino de Arte nas escolas de todo o país. É a época da tendência da livre expressão se expandir pelas redes de ensino.
1971 Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Educação Artística (que inclui artes plásticas, educação musical e artes cênicas) passa a fazer parte do currículo escolar do Ensino Fundamental e Médio.
1973 Criação dos primeiros cursos de licenciatura em Arte, com dois anos de duração e voltados à formação de professores capazes de lecionar música, teatro, artes visuais, desenho, dança e desenho geométrico.
1989 Desde 1982 desenvolvendopesquisas sobre três ideias (fazer, ler imagens e estudar a história da arte), Ana Mae Barbosa cria a proposta triangular, que inova ao colocar obras como referência para os alunos.
1996 A LDB passa a considerar a Arte como disciplina obrigatória da Educação Básica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais definem que ela é composta de quatro linguagens: artes visuais, dança, música e teatro.
Fonte: Parâmetros Curriculares Nacionais / Metodologia do Ensino da Arte, Maria Heloísa C. de T. Ferraz e Maria. F. de Rezende e Fusari / Para gostar de aprender Arte: Sala de aula e formação de professores, Rosa Iavelberg
O ensino de Arte passou por muitas transformações ao longo da história. Confira as principais tendências da área.
Unânime na maneira de ensinar desde o fim do século 19 até a década de 1950. Ainda está presente em muitas escolas.
Foco Aprendizado de técnicas e desenvolvimento de habilidades manuais, coordenação motora e precisão de movimentos para o preparo de um produto final.
Estratégia de ensino Repetição de atividades, cópia de modelos e memorização. O professor adota a postura de transmissor do conhecimento. Ao aluno, basta absorver o que é ensinado sem espaço para a contestação. A turma era bem avaliada quando conseguia reproduzir com rigor as obras de artistas consagrados.
Nasceu por volta de 1960 sob a influência das ideias do movimento da Escola Nova.
Foco O que importa não é o resultado, mas o processo e, principalmente, a experiência. Há a valorização do desenvolvimento criador e da iniciativa do aluno durante as atividades em classe.
Estratégia de ensino Desenho livre e uso variado de materiais. Não há certo ou errado na maneira de fazer de cada estudante. Ao professor, não cabe corrigir ou orientar os trabalhos nem mesmo utilizar outras produções artísticas para influenciar a turma. A ideia é que o estudante exponha suas inspirações internas.
É a tendência atual para o ensino da disciplina. A ideia de considerar a relação da cultura com os conhecimentos do aluno e as produções artísticas surgiu na década de 1980.
Foco Favorecer a formação do aluno por meio do ensino das quatro linguagens de Arte: dança, artes visuais, música e teatro.
Estratégia de ensino A experiência do aluno e o saber trazido de fora da escola são considerados importantes e o professor deve fazer a intermediação entre eles. O ensino é baseado em três eixos interligados: produção (fazer e desenvolver um percurso de criação), apreciação (interpretar obras artísticas) e reflexão sobre a arte (contextualizar e pesquisar). Apesar dessa divisão, não deve haver uma ordem rígida ou uma priorização desses elementos ao longo do ano letivo.
As orientações curriculares da prefeitura de São Paulo recomendam, entre outros itens, que ao fim do 5º ano os alunos sejam capazes de:
- Reconhecer em seres, objetos e paisagens naturais e artificiais características expressivas das artes visuais e musicais.
- Reconhecer diferentes ritmos musicais.
- Experimentar, selecionar e utilizar diversos suportes, materiais e técnicas artísticas.
- Criar manifestações e produções das artes visuais, partindo de estímulos diversos.
- Manipular objetos e explorar espaços variados a fim de conhecer sua forma, textura, temperatura, dimensão etc., interessando-se em agir sobre eles.
- Criar diferentes gestos com base em danças vivenciadas, compreendendo a possibilidade de transformação da expressão corporal.
- Improvisar cenas teatrais com os colegas, integrando-se com eles, sabendo ouvir e esperar a hora de falar.
- Compreender que as manifestações e produções culturais fazem parte do patrimônio cultural das pessoas.
O documento prevê ainda que os estudantes, ao fim do 9º ano, saibam:
- Perceber as pequenas variações dos elementos da linguagem visual, tais como tons e semitons das cores, as diferenças de textura e forma etc.
- Valorizar o(s) autor(es) dos objetos culturais, intérpretes das músicas e canções apreciadas, conhecendo sua biografia e suas principais obras.
- Produzir objetos culturais visuais, individualmente e em grupo, utilizando suportes, materiais e técnicas variados.
- Reconhecer diferentes ritmos musicais.
- Apreciar peças teatrais da comunidade e pertencentes ao contexto jovem
- Criar e construir cenas que contenham enredo/história/conflito dramático, personagens/diálogos, local e ação dramática definidos.
Quer saber mais?
CONTATOS
EE Adherbal de Paula Ferreira, Av. Peixoto Gomide, 126, 18200-160, Itapetininga, SP, tel. (15) 3271-0418
Marisa Szpigel
Mirian Celeste Martins
Rosa Iavelberg
BIBLIOGRAFIA
A Educação do Olhar no Ensino das Artes, Analice Dutra Pillar (org.), 208 págs., Ed. Mediação, tel. (51) 3330-8105, 39 reais
Desenho Cultivado da Criança: Prática e Formação de Educadores, Rosa Iavelberg, 112 págs., Ed. Zouk, tel. (51) 3024-7554, 23 reais
Didática de Ensino de Arte: a Língua do Mundo, Mirian Celeste Martins e outros, 200 págs., Ed. FTD, tel. (11) 3611-3055, 76,50 reais
Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte, Ana Mae Barbosa (org.), 184 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616, 31 reais
Metodologia do Ensino da Arte, Maria Heloísa C. de T. Ferraz e Maria F. de Rezende e Fusari, 136 págs., Ed. Cortez, 38 reais
Para Gostar de Aprender Arte: Sala de Aula e Formação de Professores, Rosa Iavelberg, 128 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 42 reais
INTERNET
Expectativas de aprendizagem elaboradas pela prefeitura de São Paulo para o Ciclo I do Ensino Fundamental.
Últimas notícias