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Jornalismo

Bilhetes com clareza e objetividade

Como redigir bons bilhetes para se comunicar com os familiares dos alunos

PorBeatriz Santomauro

01/04/2012

Foto: Getty Images

A comunicação entre a escola e a família pode ocorrer pessoalmente nos horários de entrada e saída e nas reuniões, pelo telefone e por escrito. Essa última maneira inclui os comunicados direcionados a todos - que anunciam festas e alterações no horário, por exemplo - e os bilhetes dirigidos individualmente aos pais para falar sobre questões pontuais que ocorreram com os filhos.

Nesses contatos, o envolvimento do professor com os responsáveis deve ser cuidadosamente construído, incluindo o estudante, principalmente quando ele é o portador da comunicação (leia quatro bilhetes inadequados e um correto ao longo da reportagem).

A pedagoga Sandra Cristina de Carvalho Dedeschi, autora da dissertação Bilhetes Reais e/ou Virtuais: Uma Análise Construtivista da Comunicação entre Escola e Família, acredita que os conflitos devem ser vistos como oportunidades para o debate, e não como barreira para o bom funcionamento da escola.

No mestrado defendido na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2011, Sandra analisou 895 bilhetes. Eles foram enviados aos pais por professores do 2º, 5º e 8º anos de três escolas, uma particular e duas públicas. A intenção da pesquisadora foi identificar os temas abordados e a maneira pela qual as mensagens eram transmitidas.

Ela constatou que os assuntos mais recorrentes nos bilhetes são, em ordem, o descumprimento de regras (não usar uniforme ou chegar atrasado), conflitos (indisciplina e brigas) e problemas de aprendizagem (defasagem em relação ao restante do grupo). Outra conclusão: geralmente a estrutura dos textos enviados à família deixa a desejar, com recados pouco eficazes.

Independentemente do assunto, o texto deve ter clareza e objetividade. "A precisão do relato, com o contexto em que o fato ocorreu e quem se envolveu nele, é muito importante", afirma Sonia Aidar Favaretto, coordenadora pedagógica da Escola Projeto Vida, em São Paulo.

No contato, deve-se propor uma ação conjunta para a solução do problema, convidar os pais para uma conversa ou informá-los sobre as atitudes já tomadas. Se, por exemplo, um brinquedo levado pelo aluno para uma atividade está perdido, o bilhete pode contar sobre essa perda e relatar as providências já adotadas para reavê-lo.

É importante que a forma de comunicação seja previamente combinada entre a escola e os responsáveis. Ferramentas como o e-mail permitem o contato direto do professor com a família, o que pode evitar constrangimentos para a criança. Algumas escolas já possuem sites com murais para esse fim. Essas duas possibilidades são interessantes caso todos os envolvidos tenham fácil acesso à internet.

Erro no tom. Ilustração Melissa Lagôa

Erro no tom 

A convocação foi feita especificamente à mãe da criança, como se o pai ou outro responsável não pudessem cuidar da aprendizagem dos filhos - o que não se encaixa na realidade de muitas famílias. Além disso, falta clareza ao bilhete, que não indica o horário nem a pauta do encontro.

Falta de clareza. Ilustração Melissa Lagôa

Falta de clareza

A professora deseja comunicar um problema de aprendizagem à família, mas as informações desconexas não deixam isso evidente. Afinal, o que compõe a lista a que ela se refere? O que os pais precisam entregar?

Informação insuficiente. Ilustração Melissa Lagôa

Informação insuficiente 

A educadora não explicita o que houve com o estudante, que providências foram tomadas diante do mau comportamento dele e o que espera que os pais façam a respeito disso. E mais: parece não ter envolvido o aluno em discussões para resolver o problema.

Papéis bem definidos

Ter noção do que é responsabilidade da escola também é essencial. O que adianta queixar-se aos pais do aluno que não fica sentado durante a aula? Cabe ao professor resolver situações como essa. "É o mesmo que a família reclamar na escola que o filho não quer tomar banho", exemplifica Sonia.

Vale reforçar: o estudante precisa ser chamado para discutir a situação antes de o aviso ser enviado aos pais. Quando a criança não faz as lições de casa, por exemplo, é papel do educador conversar com ela, mostrando que essa é uma responsabilidade dela. Nesse momento, ele tem de estar pronto para ouvir as explicações.

Se depois desse encontro o aluno continuar demonstrando que não consegue se organizar, é momento de os adultos intervirem para ajudá-lo. Juntos, todos podem pensar em que momento e local a lição será realizada e conferir as atividades realizadas. "É dever dos pais dar o apoio necessário ao filho em casa", diz a coordenadora.

Se o estudante é quem vai levar o bilhete aos pais, ele deve conhecer seu conteúdo. "Ele é um sujeito, e não apenas o portador de um papel. Tem de ser respeitado e informado a respeito do que é falado sobre ele", explica Sonia. "É necessário ter cuidado com o que se diz e como se diz e precisamos estar atentos para não passar uma mensagem errada por falta de clareza ou de precisão no bilhete", completa.

Sandra também constatou durante a pesquisa que na maioria das vezes a reação dos pais diante dos bilhetes é punir os filhos. Contudo, essa forma de comunicação não deve ser utilizada para realizar ameaças. A atitude correta é abrir o diálogo e não cobrar a família. Uma mensagem eficiente demonstra que a criança está sendo vista pela escola, que deseja a melhoria do seu desempenho.

Em muitos casos, os estudantes cujos pais recebem bilhetes deixam de repetir a ação criticada por medo de serem novamente reprimidos e não porque entenderam a importância de mudar de comportamento. Por isso, com o passar do tempo, eles voltam a se envolver em conflitos.

Isso demonstra que a intenção inicial da escola - de procurar a parceria com as famílias para evitar que o problema se repita - não está sendo alcançada. Mas, se for bem conduzido, o esforço contribuirá para que no futuro a criança decida seus atos com mais autonomia, passando a regular suas próprias ações. 

Transferência de responsabilidade. Ilustração Melissa Lagôa

Transferência de responsabilidade

O professor parece se referir a um conflito entre pares, mas o real enfoque está no fato de isso atrapalhar a aula. Além disso, não é identificada nenhuma preocupação com as atitudes ou o conflito em si. Ele não resolve o caso e tenta transferir o problema para os pais.

Na medida certa. Ilustração Melissa Lagôa

Na medida certa

A mensagem é direcionada à pessoa responsável pela Educação da criança (Roberto). O texto introduz o problema, relata o que já foi feito para amenizar a situação e propõe um encontro. Ao antecipar o assunto, evita que os pais se preocupem.

 

*A escrita original dos bilhetes foi rspeitada e os nomes foram trocados para preservar a identidade das pessoas

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