Uma biblioteca essencial para o bom educador
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10/10/2001
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Jornalismo
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10/10/2001
O bom livro é capaz de mudar a vida de quem o lê. Essa é a principal lição que treze educadores nos ensinam nesta edição especial. Todos aceitaram o desafio proposto por NOVA ESCOLA e responderam à seguinte pergunta: Que obra marcou sua vida como professor? Nossos resenhistas são craques da sala de aula, que quase dispensam apresentação: Ana Mae Barbosa, arte-educadora e presidente da International Society of Education through Art; Celso Antunes, bacharel em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Ciências Humanas e especialista em inteligência e cognição; Celso Vasconcelos, doutor em Didática pela USP e mestre em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Claudio Moura Castro, economista, especialista em educação e colunista da revista Veja; Esther Grossi, doutora em Psicologia da Aprendizagem pela Universidade de Paris e deputada federal (PT-RS); Guiomar Namo de Mello, diretora executiva da Fundação Victor Civita e membro do Conselho Nacional de Educação; Heloisa Cerri Ramos, especialista em Língua Portuguesa e consultora pedagógica de NOVA ESCOLA; Kátia Cristina Stocco Smole, autora de livros didáticos e doutoranda em Matemática na USP e estudiosa da Teoria das Inteligências Múltiplas; Regina de Assis, consultora e relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil; Marcos Engelstein, mestre em Biologia pela USP e professor do Colégio Santa Cruz, de São Paulo; Teresa Rego, doutora em Psicologia da Educação pela USP e consultora pedagógica do guia Veja na Sala de Aula; Ubiratan D?Ambrósio, doutor em Matemática e especialista em educação holística; e Ulisses Infante, professor de Língua Portuguesa e autor de livros didáticos. Bom proveito.
Ótimo roteiro para avaliar a formação
É difícil selecionar apenas um, entre os inúmeros livros que marcaram minha formação e meu trabalho como educadora. Vou mencionar aqui um dos mais recentes: 10 Novas Competências para Ensinar, de Philippe Perrenoud. Numa linguagem simples, mas precisa, o autor relaciona o que é imprescindível que os professores saibam fazer para ensinar bem numa sociedade em que o conhecimento e a informação estão cada vez mais disponíveis para todos. As competências listadas contemplam as diferentes áreas de atuação do professor: a organização das situações de aprendizagem, a participação na equipe e na gestão escolar, a interlocução com a família e o exercício da cidadania no âmbito de seu trabalho. Quem confrontá-las com as competências que se espera que os alunos desenvolvam, estabelecidas nas Diretrizes e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, verá que há uma grande identidade entre ambas. Em outras palavras, se quisermos que as diretrizes e parâmetros sejam efetivamente implementados, é preciso examinar os programas de formação de professores, para saber se estão favorecendo o desenvolvimento das competências docentes requeridas. Assim, a lista apresentada por Perrenoud pode ser um bom roteiro para avaliar esses programas de formação.
Guiomar Namo de Mello
Um só título é muito pouco!
Taí uma tarefa difícil. Escolher apenas um que tenha me marcado dá a sensação de estar cometendo inúmeras injustiças, de ter esquecido de convidar uma pessoa querida para a festa. Alguns marcam nossa vida e até transformam o profissional, outros nos dão bagagem. Então vou indicar vários. Vamos lá. Para quem ensina Ciências, Biologia, Química e Matemática, eu gostaria de recomendar As Coisas São Assim, organizado por John Brockman e Katinka Matson. Trata-se de uma coletânea de vários autores consagrados em diversas áreas do conhecimento humano. Os artigos permitem uma revisão da Ciência, não nos seus conceitos, mas nas dúvidas, no seu uso econômico e político e na forma de fazê-la. Para qualquer educador, destaco Como Cometer Erros, de Daniel C. Dennett. O título já diz tudo. Dar Mais uma Olhada, de Nicholas Humphrey, fala do improvável e do impossível e serve para uma reflexão sobre aulas práticas; aproveitando as descobertas recentes do Projeto Genoma Humano. O texto de Jack Cohen ? Quem Culpamos pelo que Somos? ? destrói mitos sobre o DNA. Finalmente, O Fascínio da Água, de Peter W. Athkins, vale pela descrição emocionada que o autor faz dessa molécula.
Marcos Engelstein
O livro que fez minha cabeça
Entre tantos outros livros que me encantaram, Grande Sertão: Veredas fez a minha cabeça. Com ele identifiquei-me apaixonadamente, tanto na forma quanto no conteúdo. A linguagem plástica de João Guimarães Rosa me fascinou desde a primeira página, me conduzindo em cada uma das 547 seguintes como se me induzisse à aventura de uma expedição pelo interior de um vulcão habitável. O vulcão do Outro que nos habita. O livro descreve, fundamentalmente, o processo vital de construção de cada sujeito, no desafio de fazer-se autor, único, singular. Emociona-me muito ainda, quase trinta anos depois de minha primeira incursão nestas Veredas, reencontrar a fineza e o vigor da palavra do autor a respeito do embate vida e morte, ou guerra e paz, na trajetória desses jagunços com os quais tanto nos identificamos. A capacidade de João Guimarães Rosa de recriar nossa língua sela todo o construtivismo que inunda seu livro. Se viver é um processo, que se concretiza em ação e linguagem, ambas precisam ser permanentemente renovadas. Que eu suscite em quantos me lerem, e que ainda não desfrutaram de Grande Sertão: Veredas, o desejo de fazê-lo já. Certamente eles me agradecerão a oportunidade de se defrontarem consigo mesmos de um jeito tão original.
Esther Grossi
Para trabalhar com o conhecimento
Considero Extensão ou Comunicação?, de Paulo Freire, fundamental na formação do professor. Ele trata, com profundo rigor, de um dos pilares básicos da prática docente: o trabalho com o conhecimento. Como pode o educador desenvolver uma prática emancipatória sem compreender o processo de conhecimento? Depois de fazer a crítica à tradição educativa de "transformar o sujeito em objeto para receber pacientemente um conteúdo de outro", o autor nos brinda com os fundamentos epistemológicos da atividade pedagógica, apresentando a sua leitura da teoria dialética do conhecimento, bem como seu desdobramento didático-metodológico, em especial o diálogo problematizador, uma vez que "sem a relação comunicativa entre sujeitos cognoscentes em torno do objeto cognoscível desapareceria o ato cognoscitivo.(...) A educação é comunicação, é diálogo". Trabalha também temáticas centrais de sua obra: tomada de consciência, relação pensamento-linguagem, teoria-prática, tema gerador, processo de libertação do homem etc. Este livro marcou a minha formação ao aliar a reflexão gnosiológica à práxis da educação libertadora. Nos dias atuais, com tantos modismos e solicitações, é uma obra indispensável para ajudar o professor a ressignificar sua atividade.
Celso dos S. Vasconcellos
A caatinga que espinha os leitores
As tropas das polícias estaduais e do exército brasileiro, muito antes de chegarem ao povoado de Canudos, já estavam espinhadas e maltratadas pela aridez e a agressividade do longo percurso. O mesmo acontece com os leitores de Os Sertões, de Euclides da Cunha. São arranhados, paulificados e adormecidos pela interminável descrição da caatinga que separa a última estação de trem do local onde Antonio Conselheiro se havia entrincheirado. Quem vence a caatinga, porém, é premiado com um dos clássicos brasileiros mais bem construídos. Longe de ser chato, é um romance militar com suspense, drama e uma descrição de um Brasil atrasado. A beleza está nas surpresas. Após refletir sobre as teorias racistas da época, para quem uma raça miscigenada era degradada, a narrativa mostra a superioridade militar, a tenacidade, a capacidade de organização do sertanejo. Ao mesmo tempo, a fragilidade do Brasil supostamente branco e superior vai se revelando. Um conselho: pule a descrição da caatinga. Evite o perigo de desanimar antes de o livro ficar bom.
Claudio de Moura Castro
O único tipo positivo de aprendizado
Há pouco mais de uma década, a equipe que orientava o trabalho pedagógico-educacional da hoje extinta Escola Experimental da Lapa fazia uma revisão do currículo. Eu fazia parte do time. Alguns colegas, que já conheciam Vygotsky, consideraram importante, naquele momento, o estudo de Pensamento e Linguagem. O livro póstumo reúne ensaios do mestre russo, alguns ditados por ele a seus colaboradores. Vygotsky analisa criticamente duas teorias importantes sobre o desenvolvimento da linguagem e do pensamento: a de Piaget e a de Stern. Apresenta as raízes genéticas desses processos psíquicos, descreve a evolução geral do desenvolvimento das palavras na infância e o estudo comparativo do desenvolvimento dos conceitos científicos e dos conceitos espontâneos da criança. Eu trabalhava com formação de professores, dava aulas e coordenava a área de Língua Portuguesa. Ler Vygotsky me influenciou nas três frentes de trabalho. Aprendi para sempre que "o único tipo positivo de aprendizado é aquele que caminha à frente do desenvolvimento, servindo-lhe de guia".
Heloisa Cerri Ramos
Saudável arte de ler e narrar imagens
Este livro começa com o autor, Alberto Manguel, recordando suas primeiras leituras de um quadro de Vincent van Gogh, que retrata barcos de pesca sobre a praia de Saintes-Maries. São narrativas, devaneios que fluem gostosamente de sua cabeça. Com base nessas lembranças ? de quando tinha apenas 9 anos?, ele mostra a importância de criar histórias sobre imagens. Algo que é fundamental para o desenvolvimento intelectual de crianças e adultos, na opinião de grandes estudiosos da percepção da obra de arte, como Michael Parsons e Abigail Houssen. A publicação quebra tabus e trata de forma envolvente das diferentes formas de leitura de uma obra. Me encantou porque encontrei num escritor que não é arte-educador uma confirmação de minhas pesquisas na mesma linha. A mensagem que ele deixa é: "Professor, não tenha medo de estimular os alunos a escrever as próprias histórias com base em uma imagem". Isso é muito, muito saudável.
Ana Mae Barbosa
Um desmonte de mitos e preconceitos
Bernard Lahire é um jovem professor de Sociologia na Universidade de Lyon II e pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica, na França. Em 1997, durante sua passagem pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, conheci seu livro Sucesso Escolar nos Meios Populares ? As Razões do Improvável. O contato com suas idéias e escritos me estimulou a continuar minhas pesquisas sobre as marcas sociais, da escolarização e da família na constituição de singularidades ? na época, tema de minha tese de doutoramento. O livro me tocou, principalmente por tratar de um modo instigante e inovador o universo familiar de crianças pobres e a relação desse contexto com a escola. Apoiado num exame rigoroso das idéias de Pierre Bordieu, J. C. Passeron e Norbert Élias, Lahire desafia alguns princípios implícitos nas Ciências Humanas em geral, trazendo renovados questionamentos para a área da educação em particular. Considero leitura obrigatória, já que desfaz mitos e preconceitos sobre a influência da família nos casos de fracasso ou sucesso escolar.
Teresa Cristina Rego
Educação é vida; vida é trabalho
As Técnicas Freinet da Escola Moderna é um dos muitos livros escritos pelo mestre Célestin Freinet, no início do século XX. De certa forma, contém as melhores virtudes de sua grande obra. Freinet possuía a convicção política, socialista que era, de que educação é vida e vida é trabalho. Assim, os professores, na concepção pedagógica dele, deveriam ser intérpretes de seu tempo para os alunos, sem monopolizar a condução do processo de constituir conhecimentos e valores. O trabalho escolar deveria ser considerado parte da vida dos estudantes ? num processo estimulado, provocado e avaliado pelos mestres, que não são a "única estrela do espetáculo". Nesse contexto, o professor vira parte do processo educativo no qual os alunos (em interação com seus colegas, atividades e materiais pedagógicos e a própria vida social) vão constituindo valores como a autonomia e a solidariedade. De certa maneira, Freinet, com sua Pedagogia do Bom Senso, foi um visionário, um precursor do ideal da Educação Infantil e do Ensino Fundamental na sociedade da informação e da comunicação.
Regina de Assis
Os ensinamentos do gorila professor
Com quase 70 anos, são muitos os livros que influenciaram minha vida. Recentemente, um amigo enviou-me um presente: Ismael ? Um Romance da Condição Humana, de Daniel Quinn. É a história de um gorila que aprende a se comunicar e resolve dar aulas sobre como salvar a humanidade, fazendo uma reflexão sobre o ser humano, sua integração na sociedade e suas relações com a natureza. O professor gorila convida o aluno homem a fazer essa reflexão e aponta momentos críticos, no passado e no presente, que revelam os equívocos da civilização moderna. O livro tem o endereço do autor e escrevi para ele. Trocamos alguma correspondência e senti grande afinidade com sua postura como humanista e educador. Senti uma grande coincidência de pontos de vista. A fábula do gorila sábio ilustra a ética da diversidade, fundada em respeito, solidariedade e cooperação. Tenho recomendado sua leitura e a organização de seminários sobre o texto para alunos de todos os níveis.
Ubiratan D?Ambrósio
O diabo que ensina a gostar de matemática
Sabe aquele livro que você começa a ler e não consegue mais parar? É esse o caso de O Diabo dos Números, de Hans Magnus Enzenberger. Ele conta a história de Robert, um garoto como muitos dos nossos alunos, que considerava a Matemática um amontoado de números e fórmulas sem muito sentido. A relação de Robert com a matéria começa a se modificar quando, num de seus milhares de sonhos, ele encontra Teplotaxl, o Diabo dos Números. O personagem desafia o menino com problemas, enigmas e outros recursos que, ao longo de doze sonhos, o fazem perceber que aprender a disciplina pode ser uma boa aventura. Teplotaxl é exigente e sério, mas só apresenta questões que Robert pode resolver, ampliando os desafios a cada sonho. O Diabo nos dá duas pistas que fazem do livro uma leitura essencial para todo professor dessa área. A primeira, que nem sempre as dificuldades dos estudantes em relação à Matemática são problemas deles, mas uma inadequação na forma como ela é ensinada na escola. A segunda, que sem desafios a vencer é mesmo difícil se encantar com a matéria.
Kátia Cristina Stocco Smole
Formando leitores de literatura
O amor pela literatura surgiu cedo em minha vida. Passei momentos inesquecíveis com a turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo e outros grandes amigos de papel. Esse amor que me levou a trocar a Engenharia pelas Letras, mas em contato com o mundo acadêmico perguntei-me, muitas vezes, onde estavam aquela emoção e aquela sensibilidade. Reencontrei-as em algumas aulas e também numa grande obra: Formação da Literatura Brasileira, de Antonio Candido. Há densidade e clareza nas reflexões sobre a produção literária brasileira dos séculos XVIII e XIX. Com isso nos aproximamos da figura humana que, com ponderação, avalia o período. O texto literário surge sempre como o ponto de partida das reflexões: emoção e sensibilidade aliam-se à capacidade interpretativa e evidenciam um modo sensível de ler e fruir a literatura. É uma verdadeira "formação de leitores de literatura" o que Antonio Candido nos oferece.
Ulisses Infante
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