Grupo de alunos é apoio para colegas em situação de conflitos
Equipes de ajuda criam relações de confiança entre os alunos, que buscam apoio e enfrentam momentos difíceis
29/11/2018
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Jornalismo
29/11/2018
Na EEI Zeferino Vaz, em Campinas (SP), cerca de 20 estudantes do segundo ciclo do Ensino Fundamental foram escolhidos pelos colegas para integrar a equipe de ajuda do colégio. A iniciativa faz parte de um projeto de convivência ética na escola, promovido pela secretaria de Educação do município em parceria com o Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral (Gepem), que conta com a colaboração de universidades como a Unicamp e a Unesp.
Desde 2017, quem tem algum problema ou está envolvido em situação de conflito pode contar com o apoio de um colega na escola.
As equipes são uma adaptação de um modelo espanhol à realidade brasileira descrito por José Maria Avilés Martinés, professor da Universidade de Valladolid. O modelo funciona com turmas a partir do segundo ciclo do Ensino Fundamental porque elas já têm condições de considerar um ponto de vista diferente do próprio e são capazes de ajudar a buscar soluções para problemas sem se envolver. Depois de eleitos, os membros da equipe da Zeferino passam por um processo formativo de oito horas. “Conversamos sobre o papel deles, que é de apoio, não de resolução do problema alheio nem de delação de vandalismo. Daí a importância de aprenderem a fazer uma escuta empática”, explica Darlene Knoener,
formadora de professores do Gepem. “Às vezes, ouvimos a pessoa, não falamos nada”, conta Ana Beatriz Belmiro, 15 anos, do 9º ano. Durante os encontros, a turma também aprende que não só pode, como deve, respeitar a privacidade dos colegas. No entanto, acima da confiança existem dois valores inegociáveis: a vida e a segurança.
Por isso, ao se deparar com casos de automutilação, pensamentos suicidas, sintomas de depressão, agressão, abusos e envolvimento com drogas, os adultos devem ser acionados imediatamente.
Casos de bullying e solidão durante o recreio já foram resolvidos pela equipe de ajuda. Os membros sempre estão em contato para trocar ideias sobre como ajudar os colegas e acompanham o desenrolar das histórias – não basta que um aluno pare de importunar o outro, por exemplo. É preciso que ambos fiquem bem. “A equipe de ajuda é um referencial próximo, um colega solidário, justo e tolerante”, explica Ednéia Marques Mendes, diretora da escola. Luciana Lapa, psicóloga e representante do Gepem na escola, conta que há até praticantes de bullying integrando a equipe de ajuda. “Estar na situação de ajudar alguém que é vítima dá ao buller a possibilidade de ressignificar o próprio comportamento”, explica. Como é de se esperar, professores e alunos estranham e se assustam ao se depararem com bullers na equipe. Mas, com o tempo, o comportamento deles muda e isso é reconhecido pela comunidade. “É notória a facilidade das crianças de escutar, desabafar umas com as outras. A relação entre elas é intimista, o elo é diferente do que mantêm conosco, adultos”, afirma Ednéia.
ANA BEATRIZ POZZA Belmiro
aluna do 9º ano, 15 anos.
Contraponto à espionagem
A iniciativa atende a uma demanda real: pesquisas nacionais e internacionais mostram que jovens em situações de instabilidade procuram mais os pares para contar seus problemas do que os adultos e o fazem mais no momento do recreio do que em classe. O modelo também substitui a supervisão feita por alunos como forma de controlar a disciplina dos pares. “A espionagem dá lugar ao companheirismo e à ajuda e os alunos se colocam a serviço do outro”, explica Fernando Isao Kawahara, professor de História e mestre em Educação.
Fernando, que é selecionador do Prêmio Educador Nota 10 da Fundação Victor Civita na categoria Gestão Escolar, conta observar um aumento geral da prática gestora nada recomendável de tornar os alunos detetives do recreio. “Eles são encorajados a delatar os colegas que saem da linha. Quando alguns estudantes são fiscais de comportamento da turma, o que se ensina a eles e aos demais?”, questiona.
A indagação de Fernando revela diversos aspectos que precisam ser considerados. Alunos não devem assumir função de controle dos colegas. “A delação estigmatiza, segrega, exclui. Exatamente o contrário do que trata a perspectiva inclusiva”, explica. Em tempos de vigilância aos professores em sala de aula, o educador percebe esse tipo de comportamento como reflexo de uma Educação mais moralizante e menos ética. Luciene Tognetta, coordenadora do Gepem, completa: “Não existe monitoria ou inspeção em ambiente democrático”.
1) Disciplina não é um objetivo por si só na escola. Ela é uma consequência do clima escolar e está a serviço da aprendizagem.
2) Quando o bom comportamento da turma acontece em resposta ao controle de alguém, não se desenvolve a autonomia.
3) Muitas vezes os alunos são muito mais duros, porque são mais literais na interpretação das regras e na aplicação de sanções.
4) Há o perigo do uso inadequado e da perda de controle do poder.
5) Paira no ar um clima de desconfiança entre os pares e, consequentemente, represálias.
6) Ocorre a separação de alunos em relação ao poder, como se uns fossem melhores do que os outros.
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