Três mitos da dislexia
Criança que não aprende é doente, dizem muitos. Mas a solução para as dificuldades de aprender a ler e escrever, entre outros problemas, passa primeiro pela sala de aula
PorDeca Pinto
31/01/2008
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Jornalismo
PorDeca Pinto
31/01/2008
Existe uma espécie de fantasma que assombra as salas de aula brasileiras. Ele atende pelo nome de dislexia e é corresponsável pelas dificuldades de milhões de crianças, sobretudo nas séries iniciais. Mas ela realmente é a causa de tantos problemas de aprendizagem? É quase consenso que esse distúrbio é um obstáculo que impede o pleno desenvolvimento da leitura e da escrita. Especialistas ouvidos por NOVA ESCOLA, no entanto, discordam da análise.
"Ela tem sido usada para justificar o fracasso escolar e a evasão e, com isso, muitos tiram o foco da baixa qualidade do ensino, deixando os alunos como únicos responsáveis pelas deficiências da escola", avalia Telma Weisz, doutora em Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento e uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.
Criança que troca letras é disléxica, certo? Não. Focar a expressão escrita na oralidade (escrever como se fala), trocar tipos parecidos foneticamente (como F e V), juntar palavras e unir letras de forma aparentemente aleatória são ações absolutamente normais do processo de alfabetização. Quem sabe como o aluno constrói esse novo conhecimento considera esses fatos como um avanço em relação a uma etapa anterior, não um erro.
As pesquisadoras argentinas Emilia Ferreiro e Ana Teberosky descobriram (há quase 30 anos!) que os estudantes elaboram diferentes hipóteses sobre o funcionamento do sistema de escrita, como se fossem degraus numa escada rumo à aprendizagem. Investigações na área de didática são unânimes em demonstrar que se alfabetizar está longe de ser uma tarefa simples, num processo complexo em que as ideias dos pequenos nem sempre coincidem com as dos adultos.
"Observar a relação do aluno com a própria escrita é mais importante do que apontar erros e muito mais efetivo do que rotulá-lo como portador de um distúrbio", afirma Giselle Massi, especialista em fonoaudiologia e linguagem, em Curitiba. Em vez de encaminhar para um tratamento de saúde, o importante é compreender que o percurso é tão importante e desafiador quanto sua conclusão.
Vale lembrar que saber escrever vai além da aquisição da ortografia correta. Aspectos textuais, como coerência, utilização e manipulação de referências e construção lógica de ideias, evidenciam a capacidade de uso da escrita.
Apesar de serem centrais na avaliação do nível de compreensão que cada criança tem da linguagem, esses elementos muitas vezes são ignorados. Por exemplo: um aluno que troca letras pode apresentar outras qualidades em seus textos e, portanto, não deve ser tachado de doente, sem apelação.
Vinícius Lobo Camargo, 13 anos, nunca foi considerado um bom aluno. Para sua mãe, as notas baixas e a falta de concentração pareciam o sinal de pouco empenho nos estudos, já que o garoto vai muito bem em Matemática e se comunica com facilidade. Aos 9 anos, uma tia o levou a um centro especializado em dislexia para uma bateria de exames neurológicos, fonoaudiológicos e psicológicos. O resultado dos testes apontou dislexia severa.
"Eu nunca gostei muito de ler e escrever, mas estou provando que essa doença não me impede de aprender", diz o menino. Hoje, Vinícius não toma nenhum tipo de medicação e frequenta a 7ª série numa escola pública de São Paulo. Quando necessário, faz sessões de psicopedagogia e participa de aulas de reforço.
"A dislexia não me impede de aprender e passar de ano. Sou um aluno normal, mas que precisa de mais tempo para acompanhar a turma. Qual o problema?"
Eliana Oliveira sofreu muito quando recebeu o diagnóstico de dislexia do filho. Felipe Anderson de Oliveira, hoje com 14 anos, sempre teve dificuldade para ler e escrever e se adaptar ao ritmo da classe. Ela e o marido mudaram o menino de colégio várias vezes (ele chegou a ser matriculado numa escola especial) e fizeram uma peregrinação por consultórios e clínicas de neurologia e psiquiatria.
Para a surpresa deles, os pais dos colegas de Felipe questionavam as atividades diferenciadas destinadas ao garoto em sala de aula. "A discriminação é o pior. Quero que Felipe reconheça suas potencialidades e não deixe de sonhar", afirma a mãe. Há cinco anos, ela e o marido passaram a estudar psicologia para entender a realidade do filho e ajudá-lo a avançar.
"A discriminação é muito pior do que qualquer distúrbio porque destrói o interesse da criança pelo aprender. Reverter esse quadro é um longo trabalho"
Essa é outra afirmação, digamos, um tanto quanto estranha. Alguém acha que é possível medir a inteligência ou a criatividade de forma objetiva, como resultado de uma avaliação pragmática? Uma tese amplamente aceita é a de que, por utilizarem formas singulares de elaboração da linguagem escrita e de interação com o idioma, as crianças ditas disléxicas acabariam por desenvolver estratégias mais criativas de comunicação, interessando-se mais pelas artes e pelos esportes.
O fato é que cada ser humano é único, cheio de sutilezas e tem uma intrincada e singular forma de observar e interagir com o mundo. Em outras palavras, todos os estudantes apresentam afinidade com diferentes linguagens.
Pesquisas do psicólogo norte-americano Howard Gardner comprovam essa diversidade. Tanto que ele cunhou a expressão "inteligências múltiplas" (ou seja, não há "uma" inteligência a ser medida). Testar essas habilidades implica considerar um universo de possibilidades do conhecimento humano e não apenas a expectativa da sociedade numa determinada época.
Para a psicopedagoga Marice Ribenboim, de São Paulo, o rótulo de gênio é tão nocivo quanto o de incapaz de aprender. "Marcar uma criança como portadora de um distúrbio é, em qualquer situação, uma forma de limitação. A Educação não pode se pautar por esse tipo de evidência, como se fosse um veredicto final sobre as possibilidades de cada um."
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