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Jornalismo

Como dar uma boa aula de História ou Geografia

Dá para o aluno ser protagonista mesmo em disciplinas que pedem mais textos, fatos históricos e reflexões

PorPaula Peres e Flavia Nogueira

05/11/2018

Laércio Furquim, assessor pedagógico do Time de Autores de Geografia faz apresentação a professores durante a Virada de Autores de novembro de 2018
Laércio Furquim durante apresentação na Virada de Autores Foto: Mariana Pekin

O que é uma situação-problema para uma disciplina de Ciências Humanas? Ela necessariamente precisa ter uma solução final? Onde o conteúdo propriamente dito (como os documentos históricos) entram nesse processo?

Na Virada de Autores de História e Geografia (que aconteceu entre 31 de outubro e 4 de novembro), os professores que vão elaborar planos de aula que serão usados em todo o Brasil entraram em contato com uma maneira de elaborar aulas baseadas em metodologias ativas de aprendizagem. “O professor trabalha na preparação do material e da atividade e no início. Mas o coração da aula será feito pelos alunos”, explica Laércio Furquim, assessor pedagógico do Time de Autores de Geografia.

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“O que a gente consegue fazer em 50 minutos pensando na ideia de que precisamos ter início, desenvolvimento e finalização?”, instiga Laércio. Para economizar tempo, vale preparar o material antes em vez de deixar para o momento da aula, e avisar a turma quando houver configurações diferentes, como atividades em dupla.

“Muitos professores falam que, quando os alunos ficam sabendo que precisam sentar em duplas ou grupos, leva muito tempo para eles se organizarem. Se o recado for dado no início da aula, eles já estarão preparados”, sugere o professor.

Um dos primeiros passos em uma aula de História, por exemplo, é a seleção de materiais. O historiador da Universidade Federal Fluminense (UFF) Luciano Figueiredo apresentou para o Time de Autores de História uma oficina de seleção de documentos históricos com estratégias para uso de documentação e outros recursos como relatos de viagens, cartas, registros fotográficos, leis da época, propaganda, pinturas e arte, monumentos e mapas na aula.

Entre os critérios para a seleção do material de apoio para a aula, Luciano listou a escolha de conteúdos curiosos e surpreendentes, transcritos ou impressos, que tenham também apelo visual ou sonoro e a contextualização destes materiais seja acessível.

Aprendizagem Baseada em Problemas

Em inglês, o nome dessa metodologia é Problem Based Learning (ou PBL). Ela consiste em organizar a aula em quatro etapas: contextualização, problematização, ação propositiva e sistematização. Antes de entrar em cada uma das quatro etapas, vale definir (e mostrar à turma) o tema da aula e seu objetivo.

Bianca Silva em meio aos professores durante a Virada de Autores de novembro de 2018
Bianca Silva durante a Virada de Autores Foto: Mariana Pekin

Para Bianca Silva, mentora do Time de Autores de História, a aula é uma construção com os alunos e por isso ela não deve ser meramente expositiva.

Ela explica que, em sua disciplina, “os alunos precisam ter o acesso ao documento e levantar as questões deles. A partir daí, a aula é o que ele sabe sobre aquilo, eles vão questionando e os próprios alunos vão colaborando com as respostas.”

Contextualização

“É a apresentação da realidade tratada. Em uma aula de 50 minutos, ela deve durar cinco”, aponta Laércio. Na aula que deu ao time de autores de Geografia, cujo tema era Globalizações, Laercio despertou o início das reflexões mostrando o globo terrestre em diferentes escalas e fazendo perguntas como “Nessa escala, há mais ou menos pessoas? Nós estamos vendo as relações humanas?”. O professor levanta essas questões para que a turma parta do lugar em que estão. “Não apenas geográfico, mas conceitual. O ideal é que sejam fornecidas informações suficientes para iniciar a discussão nem a mais nem a menos”.

Problematização

Em seguida, foi projetada na tela a imagem de um morador de rua usando um notebook. “Este homem vive a globalização?” provocou o professor. Essa é a problematização, que não precisa partir de uma situação-problema que pede uma resolução, mas deve ter um questionamento que gera reflexão. A partir deste momento, os alunos são os protagonistas e “fazem o trabalho” da aula. “É possível detectar o conhecimento prévio dos alunos quando eles, ao serem instigados por uma questão, deverão mobilizar conhecimentos para detectarem o problema”, diz Laércio.

O professor explica que, na Geografia, o exercício da cidadania é ter a capacidade de levantar hipóteses de resolução de questões locais. Por isso exercitar a problematização em sala de aula é fundamental para formar sujeitos críticos.

Não necessariamente a problematização deve levar à resolução de um problema. Algumas vezes, dependendo do conteúdo, isso não será possível. “Eles podem levantar hipóteses, pensar em soluções, passar por análises. O importante é que haja um questionamento que o instigue”.

Nas aulas de História, Bianca conta que acontece muito em suas aulas de ela fazer uma pergunta e três ou mais estudantes responderem, as respostas se juntam para formar uma hipótese e ela direcionar a contribuição de cada um para a análise daquele documento.

A professora também tenta trazer temas atuais e polêmicos para sua aula, como o que ocorreu na Escola Estadual Professora Adelaide Ferraz de Oliveira, na zona leste da cidade de São Paulo. Em uma turma do 8º ano, durante o período eleitoral, Bianca discutiu com os alunos o conceito de democracia. As reflexões foram surgindo e sendo anotadas na lousa. Toda a discussão serviu para estudar o contexto anterior à Revolução Francesa.

As anotações na lousa durante a aula de Bianca Silva
As anotações na lousa durante uma aula de Bianca Silva Foto: Arquivo Pessoal/Bianca Silva

Ação propositiva

É neste momento que os alunos podem entrar em contato com textos e conceitos que acrescentem informações às reflexões que eles já vinham fazendo desde o início da aula. É uma ação propositiva de identificar os pontos-chave e a busca de encaminhamentos para a solução, investigação e troca de informação com os colegas, recorrendo à teoria e aos conceitos para embasar suas hipóteses de resolução.

Sistematização

Na última etapa, a pergunta inicial volta e a turma compartilha o que cada grupo (ou cada um, em casos de atividades individuais) refletiu, de forma a criar uma concordância geral com os principais aprendizados. “É o registro e a apresentação da solução retomando a coerência interna”, diz Laércio.

Esta última etapa não é menos importante: ela gera elementos para a avaliação, de acordo com as contribuições que os alunos trouxeram à discussão. Eles conseguiram entender os principais conceitos do tema? Se ativeram à pergunta-chave?

Uso de documentos históricos

A disciplina de História ainda tem o desafio de precisar de fontes históricas para gerar as discussões. Nem todas as épocas abordadas têm os mesmos materiais disponíveis. Para uma aula sobre o período colonial do Brasil, por exemplo, o professor poderá usar leis da época, pinturas e obras de arte, mapas, crônicas missionárias, poesia e literatura e até alguns filmes que retratam aqueles séculos. Diferente da época do Império, quando o professor poderá encontrar os primeiros registros fotográficos, diários, relatos de viajantes, constituições, jornais.

E é preciso ter cuidado com as fontes escolhidas e com os documentos que pretende usar durante a aula. “A escolha do documento é decisiva. O documento pode se transformar em uma decepção ou constrangimento do trabalho com o aluno”, disse.

Como exemplo, Luciano usou um fragmento de um sermão do padre Antônio Vieira, feito na Bahia em 1633. O trecho do sermão descreve o trabalho dos escravos em um engenho e faz uma relação entre este trabalho pesado e o inferno. Muitos professores presentes na oficina apontaram que as palavras do padre Antônio Vieira poderiam soar inadequadas, devido à questão do racismo e do preconceito que elas trazem à tona.

Mas, o historiador lembra sempre da necessidade de contextualizar o material usado em aula. “Nenhum documento é polêmico porque todo documento está resguardado na temporalidade”, afirma.

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