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Jornalismo

O impacto jurídico das tecnologias de informação e comunicação

Ao longo da história, as inovações têm implicado a criação ou a revisão de normas da sociedade

PorAurélio AmaralElaine Iorio

04/01/2015

William Caxton (1422-1491)
Na ilustração, William Caxton (1422-1491), considerado o primeiro impressor em inglês

 

As leis acompanham a evolução da sociedade. À medida que ocorrem mudanças nos modos de organização social, as normas também precisam se adaptar. É o que mostra a reportagem A Ética dos Robôs, (VEJA 2419, 1º de abril de 2015, disponível no Acervo Digital de VEJA a partir de 3 de abril de 2015), que levanta duas discussões: quem é o responsável pelas ações realizadas por máquinas com inteligência artificial e como adequá-las às normas morais da sociedade.

Segundo o filósofo canadense Marshall McLuhan (1911-1980), as tecnologias provocam um profundo impacto sobre a organização social. Para ele, elas não são simplesmente invenções que as pessoas empregam, mas os meios pelos quais os indivíduso são reinventados.

"Existe um conflito entre o direito e a tecnologia. Quando surge uma inovação, a primeira reação da sociedade geralmente é identificá-la como um risco. Depois de algum tempo, as leis tendem a se adaptar à nova realidade", explica Carlos Afonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade e professor de História do Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
A seguir, confira o impacto que importantes inovações tecnológicas provocaram na legislação.

Imprensa
A prensa com tipos móveis, criada por Johannes Gutenberg (1398-1468) em meados do século 15, permitiu a produção de impressos em escala industrial. Foi a partir daí que surgiram as questões de direitos autorais e remuneração dos autores, com o objetivo de estimular a produção de obras literárias e de proteger esse legado intelectual.
A primeira normal legal que reconheceu o direito do autor foi o Copyright Act de 1710, conhecido como Estatuto da Rainha Ana, na Inglaterra, que passou a proteger as cópias impressas por 28 anos.

Telégrafo
Uma das principais discussões atuais sobre a regulação da internet é a neutralidade da rede - ou seja, sobre a priorização do envio de determinados dados em detrimento de outros. No entanto, a invenção do telégrafo já havia levantado uma questão semelhante: se os telegramas deveriam ser enviados respeitando a ordem de recebimento pelas redes de transmissão. O Pacific Telegraph Act, de 1860, estabeleceu nos Estados Unidos que não, já que os telegramas governamentais teriam prioridade sobre os demais.

Rádio e TV
Quem tem o direito sobre a transmissão de rádios e de TV? No Brasil, em 1931, o decreto-lei nº 20.047 determinou que os serviços de radiodifusão são de interesse nacional. Com isso, passou a ser função exclusiva do Poder Executivo Federal regulamentar, autorizar e permitir o funcionamento das emissoras, que devem levar informação, cultura e Educação à sociedade.

Vídeocassete
Em 1982, os estúdios de cinema, liderados pela Paramount, entraram com uma ação contra a Sony para proibir os videocassetes - já que, com eles, seria possível reproduzir filmes protegidos por direitos autorais. Em 1984, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que, embora possa ser usado para cópias ilegais, o aparelho em si não seria ilícito. Esse entendimento abriu espaço para outras inovações na área de vídeo, como o DVD e o Blu-Ray.

Fotocopiadora
Com a popularização das máquinas de copiar, as editoras se viram ameaçadas - o que resultou na notificação de diversas universidades que tinham a prática de reproduzir livros indiscriminadamente. Foi a partir da regulamentação da lei de direitos autorais no Brasil, em 1998, que a cópia integral de uma obra passou a ser proibida. Já a reprodução de trechos é permitida para fins privados, sem uso comercial.

Internet
Por facilitar (e muito!) a cópia, a internet provocou mudanças na concepção de direitos autorais. A indústria da música, por exemplo, passou por grandes transformações legais com o surgimento de programas de download. O Napster, um dos pioneiros do serviço, chegou a ser fechado em 2001 após diversas ações de gravadoras. Isso porque em alguns países europeus e nos EUA, a justiça entendeu que os usuários poderiam ser processados por baixar músicas ilegalmente na internet - algo que não aconteceu no Brasil. Hoje, no entanto, ganham força os modelos de negócio baseados em serviços de streaming, em que a música pode ser ouvida, mas não salva, em acordo com as gravadoras tradicionais.

Especificamente no Brasil, foi sancionado em 2014 o Marco Civil da Internet, que visa, entre outros objetivos, garantir a neutralidade da rede. Ou seja, assegurar que os pacotes de dados que circulam no mundo digital sejam tratados de maneira isonômica, sem privilégios nem distinção por conteúdo, origem, destino ou serviço. Sem a neutralidade garantida, os provedores teriam aval para analisar e interferir na maneira como os cidadãos usam a internet, podendo comprometer o acesso a determinados conteúdos, caso o mesmo esteja fora do plano ofertado. Alguns itens do Marco, contudo, ainda precisam ser regulamentados, como a proteção à privacidade. As bases de dados hoje são altamente informatizadas e podem ser usadas por empresas ou instituições para objetivos que os donos dos dados desconhecem.

Vale ainda lembrar que cada vez mais produtores de conteúdo em todo o mundo adotam a licença Creative Commons, em que a reprodução é autorizada desde que a fonte seja citada.

Consultoria: Carlos Afonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade e professor de História do Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj); e Eduardo Paiva, assessor da Secretaria Executiva do Ministério da Justiça.

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