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Jornalismo

Cinco perguntas sobre o Marco Civil da Internet

Tecnologia

PorWellington Soares

18/11/2013

O mundo está de olho na tramitação desse projeto de lei. Entenda a sua importância para o cotidiano dos internautas brasileiros e estrangeiros

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A tramitação do Projeto de Lei 2126/2011, conhecido como Marco Civil da Internet, ganhou destaque nas últimas semanas. Com a revelação de que agências de segurança norte-*americanas espionavam as comunicações brasileiras feitas pela rede, a aprovação desse projeto, que estabelece as principais regras e direitos dos usuários da internet ganhou maior importância. "Entre as medidas do Marco, estão aquelas que estabelecem medidas para proteger a privacidade dos usuários na rede", explica Henrique Parra, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Abaixo, o especialista responde a cinco perguntas para esclarecer o que é o Marco Civil e sua importância para os internautas brasileiros e do mundo.

O que é o Marco Civil da Internet?
HENRIQUE PARRA É um Projeto de Lei que objetiva definir direitos e deveres para os vários atores envolvidos no uso e no funcionamento da Internet, desde as regras para os usuários (internautas) até regras para a operacionalização da rede por empresas. Em sua versão original ele surgiu de uma ação conjunta do Ministério da Justiça e diversas associações da sociedade civil, como o Cômite Gestor da Internet (CGI). Depois, foi liberado a um processo de consulta pública, que teve ampla participação da sociedade civil.

Como a sua aprovação pode interferir no dia a dia do internauta?
PARRA Na ausência de uma legislação específica, o internauta e as empresas do setor ficam expostos à insegurança jurídica e também ficam sujeitos a ações arbitrárias dos atores envolvidos no funcionamento da internet. O Marco Civil visa garantir novos direitos ao usuário na era digital, determinando direitos, deveres e responsabilidades. Alguns exemplos de questões que ele pretende solucionar: você possui um blog sobre Educação que aceita comentários de usuários. Um leitor desconhecido publica uma mensagem pública com conteúdo ilegal numa página do seu blog. Quem é o responsável? Você que administra o blog, a empresa que hospeda o site, o internauta que postou o conteúdo?Outro caso: supomos que eu utilize minha banda larga – um serviço privado, operado por uma empresa de telecomunicação, a mesma que opera o serviço de telefonia – para me comunicar com minha família por meio do Skype [programa que realiza chamadas de voz por meio da internet]. Porém, esta empresa que fornece a conexão tem interesse em que eu utilize mais o telefone e menos o Skype. Como ela controla meu acesso à internet, ela é capaz, tecnicamente, de interferir no tráfego de dados de voz, tornando ruim minha conexão. Como impedir que isso aconteça

Por que outros países do mundo estão de olho na aprovação do marco?
PARRA Há outros países que já possuem leis específicas para a Internet, mas o caso brasileiro é emblemático por algumas razões. Em primeiro lugar, o processo de elaboração do Marco Civil, em sua versão original, é considerado inovador do ponto de vista da participação democrática. Outra razão é o maior destaque que o Brasil vem ganhando no cenário internacional, tornando suas ações de maior relevância e impacto político. E, finalmente, porque a votação do Marco Civil pelo Congresso acontece justamente no contexto de gravíssimas denúncias relativas a programas de vigilância e espionagem dos serviços de inteligência do EUA e países parceiros, contribuindo para que se perceba a urgência em se aprovar leis que promovam a garantia dos direitos dos cidadãos e de empresas em território nacional.

Há chances de o projeto atual ser alterado antes de entrar em vigor? Quais mudanças trariam mais benefícios aos usuários de internet?
PARRA Sim. Ha muitas pressões e disputas, em especial de grandes empresas de telecomunicações, de empresas produtoras de conteúdos, do capital financeiro, entre outros. As mudanças propostas por esses grupos econômicos estão orientadas para fortalecer exclusivamente seu modelo de negócio, ameaçando o bom funcionamento da internet e os direitos dos usuários.

Sobre as mudanças que trariam mais benefícios aos internautas, o documento do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI) dá uma ótima síntese de alguns pontos que devem estar presentes e garantidos no Marco Civil da Internet: como a defesa da neutralidade da rede, a proteção à privacidade dos usuários e a responsabilização criminal dos autores de atos ilícitos - e não dos meios de acesso à rede. Para quem quiser compreender melhor a questão, sugiro uma rápida leitura no documento elaborado pelo CGI, que está disponível na internet.

O que é a neutralidade da rede? Por que ela é polêmica?
PARRA O conceito de neutralidade da rede pode ser assim resumido, segundo feliz expressão de Carlos Afonso, diretor do Instituto Nupef: "Todos os dados são iguais perante a rede".

A Internet é uma rede de redes. Quando falamos da Internet é preciso ter em mente que ela existe e funciona como um sistema complexo formado por diversas camadas: desde cabos submarinos, satélites, empresas que fazem o serviço de conexão, empresas que oferecem conteúdos, hospedagem de sites, registro dos domínios, etc. Quando acesso à internet com meu computador e visito um site qualquer, um longo caminho é percorrido, passando por diversas camadas físicas (cabos, roteadores, satélites etc) e lógicas (softwares que gerenciam a informação). Frequentemente, temos empresas distintas que são proprietárias de cada uma das partes deste processo de comunicação. O conceito de neutralidade significa que a rede, em todas as suas camadas, deve ser "indiferente" com relação aos dados que trafegam nela. Ou seja, não importa se os dados que estão trafegando são de uma pessoa ou instituição, se vêm de um país e vão para outro, se são comerciais ou não. Eles devem ser tratados da mesma maneira.Imagine se uma empresa que é detentora dos serviços de conexão doméstica tem interesses conflitantes com uma empresa de conteúdo jornalístico e resolve filtrar o acesso de todos os seus clientes fazendo com que o acesso àquela site jornalístico seja dificultado?

Em suma, o princípio de neutralidade é fundamental para que a Internet funcione como foi concebida: como um ambiente de livre fluxo de informação independente da origem, destino, conteúdo, autoria, se comercial ou não-comercial, se estatal ou privado etc. Criar mecanismos legais que garantam a neutralidade é também uma forma de garantir melhores condições de inovação, de liberdade de expressão e de oportunidades mais equilibradas entre diferentes atores sociais, protegendo as condições de comunicação do arbítrio, do poder econômico ou político daqueles que estão em posições privilegiadas de controle da rede.

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