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Jornalismo

O fã-clube mirim de Fígaro

Professoras de São Luís usam óperas para alfabetizar crianças

PorDenise Pellegrini

01/11/2000

Fígaro em cena e o figurino desenhado pela turma: gosto por música. Foto: Maurício Moreira

Crianças cantando ópera? Pode parecer estranho à primeira vista, mas foi o que aconteceu no Colégio Dom Bosco, de São Luís do Maranhão. Se tornou comum encontrar alunos da pré-escola cantarolando o famoso "Fígaro, Fígaro, Fígaro, Fííígaroo!" depois que as professoras utilizaram as árias de O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, para iniciar suas turmas na leitura e na escrita. "Eles se envolveram emocionalmente com a trama e a música e isso favoreceu a aprendizagem", afirma a diretora acadêmica, Ceres Murad, que criou o projeto Ópera na Pré-escola há quatro anos.

A história do romance entre Rosina e o conde de Almaviva, intermediado por Fígaro, foi estudada em 1999. As atividades duraram o ano todo e foram baseadas na adaptação da ópera escrita por Ruth Rocha, em CDs e em vídeos. Os alunos encerraram o projeto encenando o espetáculo (leia o quadro abaixo) e reescrevendo a história.

Para a psicopedagoga Neusa Maria Carlan, assessora pedagógica da Secretaria de Educação do Município de Porto Alegre, a experiência deixa claro que a alfabetização está muito além do conhecimento das letras. "As crianças percebem a função social da escrita quando lêem um livro e reescrevem a história", afirma. Segundo ela, o trabalho está de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, "que recomendam contextualizar atividades de uso e de reflexão sobre a língua oral em projetos de estudo".

Conhecimento prévio 

Dennea Cardoso, uma das professoras que participaram do projeto, conta que começou procurando descobrir o que as crianças já sabiam sobre o assunto. "Uma aluna falou que ópera é uma história cantada", conta. A partir desse momento, ela explicou como seria o projeto do qual participariam e pediu que trouxessem CDs de casa. "Os alunos já ouviam música clássica na escola, mas a ópera foi novidade", conta. "Ao levar as crianças a conhecer novas formas de expressão, Dennea ampliou as possibilidades de elas perceberem sua realidade", explica Neusa.

No primeiro semestre, o objetivo era desenvolver a linguagem oral e a capacidade de descrição da turma. Primeiro, a professora mostrou ilustrações dos personagens e pediu que os alunos os desenhassem e os descrevessem oralmente. "Escrevi a descrição coletiva e colei na parede, ao lado dos desenhos." Também foram pendurados os poemas que fazem parte do livro. "Eles auxiliam no início do processo de leitura", explica Ceres. "As rimas servem para identificar sons, separar palavras e aumentar a fluência verbal", ensina Neusa.

O livro foi dividido em capítulos e cada trecho que Dennea lia era recontado oralmente e desenhado pela turma. "Conforme avançavam, os alunos vibravam ao descobrir as verdadeiras características dos personagens", lembra a professora. No decorrer do trabalho, ela tocava as principais árias e passava trechos de dois vídeos diferentes da ópera. Todas essas atividades foram intercaladas a tarefas com outros tipos de texto.

No segundo semestre, ela retomou a leitura de O Barbeiro de Sevilha, com outro enfoque. "A turma já estava alfabetizada e o objetivo era reescrever o livro", explica. A professora passou vários exercícios escritos, como cruzadinhas, caça-palavras, ditados e descrições dos locais onde se passa a história. Na hora da correção, Dennea lia os textos com os alunos e fazia com que percebessem sozinhos seus erros, outra prática sugerida pelos PCN. "Rever palavras trabalhadas em classe, que estavam nos poemas ou nas listas de nomes coladas nas paredes, por exemplo, ajudava as crianças a corrigir sua escrita", afirma.

Escrever cartas 

Foto: Maurício Moreira
Dennea e o livro feito pelas crianças: qualidade nos textos. Foto: Maurício Moreira

A ópera serviu também como mote para ensinar a classe a escrever cartas, como as que os amantes da história trocam entre si. Para começar a tarefa, a professora pediu que eles trouxessem correspondências recebidas de parentes e amigos. "É importante valorizar o conhecimento prévio da criança e sua realidade social e cultural", destaca Neusa. "Para concluir o trabalho, os alunos reescreveram todo o livro, capítulo por capítulo", completa Dennea. Como presente de formatura, as crianças receberam uma edição impressa, com reproduções de textos das três turmas, corrigidos ortograficamente. Dennea afirma que o envolvimento das turmas com o projeto foi total. "Avaliamos seu aproveitamento pela qualidade das histórias reescritas e dos textos descritivos as crianças produzidos." Além disso, todas as crianças aprenderam a apreciar a ópera. "No começo do ano, tudo parecia chato, mas no final elas pediam para rever os vídeos e, apesar de as gravações serem em italiano, identificavam as cenas na tela."

Espetáculo de música e dança

Foto: Maurício Moreira
Ceres dirige o ensaio: os alunos aprenderam a tocar seguindo o CD. Foto: Maurício Moreira

A montagem do espetáculo O Barbeiro de Sevilha foi organizada no segundo semestre de 1999 e envolveu os 51 alunos das três turmas do Infantil III. No final de agosto, as crianças começaram a aprender algumas árias nas aulas de música. "Durante a apresentação, a bandinha tocou acompanhando o CD", explica a diretora, Ceres Murad. Em outubro, ela iniciou os ensaios com os personagens principais, enquanto a professora de balé montava as coreografias com os demais. "Nas três semanas que antecederam a performace foram realizados ensaios gerais." O espetáculo, com uma hora de duração, foi criado com base em CDs com a ópera completa. As crianças representavam enquanto Ceres narrava a história e os diálogos. "O tom de voz das crianças é muito baixo", justifica a diretora.

As roupas foram encomendadas a um ateliê de costura. Várias delas seguiam os desenhos feitos pelas próprias crianças durante atividades de classe. Os custos, cobertos pelos pais, ficaram em torno de 40 reais para cada um dos personagens secundários e entre 70 e 100 reais para os protagonistas. Ceres ressalta, porém, que não há necessidade de figurinos ou cenários caprichados. 

"O que importa é despertar o gosto pela literatura e pela música de qualidade."

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CONTATOS
Colégio Dom Bosco, Av. Colares Moreira, 443, CEP 65075-970, São Luís, MA, tel. (98) 235-3532
Neusa Maria Carlan, R. Garibaldi, 880, ap. 202, CEP 90035-051, Porto Alegre, RS, tel. (51) 9979-1687
 
BIBLIOGRAFIA
Coleção Óperas para Crianças O Barbeiro de Sevilha, Ruth Rocha (adap.), 52 págs., Ed. Callis, tel. (11) 3842-2066, 19 reais

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