“Ideb não é único indicador de qualidade da escola”
Em entrevista à NOVA ESCOLA, Ocimar Alavarse comenta a importância da avaliação e os baixos índices do Ensino Médio
03/09/2018
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Jornalismo
03/09/2018
O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é um ótimo indicador da Educação, mas a qualidade de uma escola não se resume apenas ao resultado do indicador.
O Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) lançaram nesta segunda-feira (3/9) os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O índice é calculado de dois em dois anos, de acordo com os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e com as taxas de aprovação das escolas e redes de ensino.
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Para Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), não se pode colocar toda a explicação "do que se poderia chamar de qualidade da escola" neste indicador porque "ele tem uma série de limitações".
“Precisamos tomar cuidado para interpretar o Ideb. É um indicador muito importante, mas ele não pode ser tomado como o único indicador da qualidade da escola. Ele é lançado como se dissesse tudo da escola, mas não diz”, disse em entrevista à NOVA ESCOLA.
O professor afirma que o Ideb tem mérito e deve ser valorizado, pois junta dois elementos importantes que “pareciam irreconciliáveis: taxas de aprovação com o desempenho dos alunos”. “Existe este discurso: como se uma escola que aprova todo mundo não pudesse ser uma escola onde as pessoas aprendem. E o Ideb tem essa natureza, ou seja, ele só cresce ao longo do tempo, na série histórica, se as duas coisas ocorrerem: quanto mais crianças vão sendo aprovadas e quanto melhor for o desempenho destas crianças. Este, para mim, talvez seja o grande mérito do Ideb.”
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Ocimar é bem crítico, porém, em relação às leituras que se fazem do Ideb e do Saeb. “Quando a gente olha para desempenho, que desempenho é esse? Leitura e resolução de problemas. Embora fale de Língua Portuguesa, o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) não mede Língua Portuguesa, ele mede capacidade, proficiência, competência, como você quiser chamar, de leitura. E Matemática é, na verdade, resolução de problemas. Duas competências que são muito importantes para o processo de escolarização. A escola tem todo o seu alicerce baseado na escrita, em ler, é a principal atividade, se alguém não lê bem, além do comprometimento em uma serie de práticas sociais, nas práticas escolares fica seriamente prejudicado”, afirma. “Contudo, não podemos dizer que o processo de Educação escolar se restringe a isso.”
Leia a seguir os principais trechos da conversa com Ocimar Alavarse.
NOVA ESCOLA: Com a valorização do Ideb, corre-se o risco de criar uma cultura de treinar estudantes para fazer prova?
OCIMAR ALAVARSE: Isso não existe. Ninguém emagrece porque sobe toda hora na balança. O que pode existir é que, talvez, em alguns lugares, você deixe de abordar outras questões muito importantes que, por certas pressões e dependendo do município e da própria escola, sejam coisas deixadas de lado no currículo. Mas não são coisas que existiam antes, ou seja, uma escola brasileira que tinha um currículo amplo com um monte de atividades e que depois que veio o Saeb, houve redução. Não é verdade. A escola brasileira tem marcadamente um currículo já reduzido em sua origem. Em suma: o Ideb mostra aspectos muito importantes da escolarização, ainda que nem todos.
Os índices dos anos iniciais do Ensino Fundamental estão muito bons no Ideb. Quase todos os estados bateram suas metas. Nos últimos anos do Ensino Fundamental houve uma pequena melhora, mas ainda não alcançamos a meta para 2017, que é de 5 pontos. A que se deve esta diferença de rendimento entre os primeiros e os últimos anos do Fundamental? O que se perdeu?
Olhando para o mapa do Brasil divulgado pelo Inep, ele reflete o nível socioeconômico. São as condições de vida das crianças, dos professores (um pouco menos), onde estão localizadas as escolas. Se a gente olhar para nível socioeconômico, sem querer fazer nenhuma propaganda, podemos verificar, a partir de 2003, este crescimento do Saeb, das próprias taxas de aprovação que, por sua vez, vão se manifestar no Ideb. Isso acontece porque o Brasil foi experimentando algumas melhoras. Você tem a intensificação de uma série de programas como o do livro didático, que já existia antes de 2003, políticas de alimentação com a merenda mais intensificada, de transporte público, de compras de uniforme. Uma série de programas, como o de formação de professores, que também não começaram em 2003, mas são mantidos. Vemos também a escolarização das mães: as meninas vão ficando mais na escola e elas passam esta escolarização para seus filhos, de alguma forma. Você tem uma série de fatores externos à escola que explicam o crescimento especialmente nos anos iniciais. E fatores que explicam internamente as escolas: você tem a Lei do Piso, tem o próprio Fundeb. Isso faz com que haja este crescimento que vai se traduzir no aumento das proficiências e também na diminuição das taxas de reprovação e abandono.
No caso dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, comecei falando sobre o que é medido no Saeb, leitura e resolução de problemas. Quem cuida disso nos anos finais (do Fundamental) e no Ensino Médio? Normalmente, as pessoas olham para o professor de Matemática e para o de Língua Portuguesa dos anos finais e do Ensino Médio. Mas aquilo que o Saeb mede, que vai aparecer no Ideb, é algo que não é tarefa do professor de Matemática ou do professor de Língua Portuguesa. A proficiência das crianças ou os jovens destas fases cresce ao longo do ensino nos anos finais do Fundamental e ao longo do Ensino Médio. Só que cresce a taxa muitos menores.
Não há saltos.
Não. E não há porque inexistem políticas para se cuidar disso mais abertamente. O Saeb está medindo alguma coisa que as escolas até trabalham, mas de forma muito difusa. Há uns dois anos eu participei de uma pesquisa (que ainda não foi publicada) na qual fomos estudar escolas de nível socioeconômico muito baixo. Duas escolas do interior do Ceará tinham altos resultados nos anos finais do Ensino Fundamental. O que encontramos nestas escolas? O contrário do que estamos falando: eram escolas onde havia políticas de valorização da leitura, um foco na leitura. Quando você organiza melhor o processo de aprendizagem da leitura, é claro que os resultados no Saeb vão aparecer, e não é que você está preparando para o Saeb, você está preparando para ler!
O problema que nós temos nos anos finais do Fundamental e no Ensino Médio é como reorganizar o foco na leitura e em resolução de problemas. Então eu diria: há um crescimento nos anos finais do Fundamental e também no Médio, isso precisa ser dito. O problema é que este crescimento precisa ser maior. Aliás, ele precisa ser maior já nos anos iniciais. Não vamos nos entregar a esta ilusão da média. Quando analisamos o desempenho em leitura, chegamos a 215 pontos quando o adequado é 200. Isso é para comemorar. Mas não nos esqueçamos, a média esconde a variabilidade. Tem gente acima de 215, mas tem muita gente abaixo.
Quais seriam os próximos desafios?
Se tivesse que escolher apenas um desafio, eu diria que temos de enfrentar esta questão do letramento em toda a Educação Básica. E isso, no meu ponto de vista, produziria melhores resultados.
Outra coisa ao longo destes dados todos é a trajetória de alguns estados, de alguns municípios, colocando políticas mais focadas em acompanhar a aprendizagem dos alunos e que, para além do nível socioeconômico, têm resultados mais interessantes. São "milagres" porque não é tarefa da escola mudar o nível socioeconômico. Isso é algo que só vai mudar com mudanças mais profundas no país.
O segundo desafio é focar nos anos finais do Ensino Fundamental. Por isso já me pronunciei várias vezes contra a tal reforma do Ensino Médio. Nosso problema não está concentradamente no Médio, isso é um equívoco. Se eu tivesse que escolher um segmento, seriam os anos finais (do Fundamental), nos quais as taxas de aprovação crescem, mas apenas em um ponto percentual.
A falta de uma política que dê a devida importância à leitura e ao letramento gera consequências que chegam ao Ensino Médio e vão além, chegando ao vestibular?
É claro. Aonde quer que a leitura apareça como competência exigida, ela vai se manifestar. É isso que temos que recuperar. E porque cresce menos nos anos finais do Fundamental e no Ensino Médio? Os jovens ficam expostos à leitura e, por isso cresce a sua capacidade, mas não tanto quanto se nós tivéssemos um foco mais organizado na escola com relação a isso.
A etapa mais desafiadora apontada pelas avaliações é o Ensino Médio. O caminho é mesmo uma reforma como o MEC quer fazer a sociedade acreditar?
Não, por uma série de razões. Se você ler o texto da reforma, ele está ancorado na Base Nacional Curricular Comum do Ensino Médio, que não existe. Isso, por si só impede que uma reforma seja levada adiante. Há problemas específicos do Ensino Médio, o principal deles é a falta de professores. E o que propõe a reforma? Áreas! Isso é negar aos alunos o direito ao conhecimento. Queremos ou não o conhecimento que está expresso nas disciplinas? Não confundamos isso com a maneira como vamos trabalhar os conhecimentos, as possíveis articulações entre as disciplinas. Essa fronteira não pode ser rompida e a reforma rompe com isso, abrindo a possibilidade de oferecer aos alunos qualquer coisa em nome de percursos. E tem um discurso dirigido aos alunos: a escola é chata? Claro que é! É um trabalho! É uma pergunta capciosa. Depois: o problema não é que tem 13 disciplinas, podia ter apenas quatro. O problema é que os alunos estão chegando ao Ensino Médio com proficiências muito baixas. Na avaliação de 2017, o desempenho deles, na média, está abaixo do que seria adequado para o nono ano! Se eu tivesse que escolher um pedaço para fazer uma reforma, seria nos anos finais do Ensino Fundamental.
Nesse ritmo de crescimento, qual é a perspectiva de atingir as metas do Ideb previstas para o PNE (Plano Nacional de Educação) até 2021?
Para os anos iniciais do Ensino Fundamental, parece que sim. Para o Ensino Médio e anos finais do Ensino Fundamental, não. Aí o problema volta a ser onde incidir para garantir isso, tirar consequências dos números. Quando você coloca um volume em uma balança, ela indica a massa deste volume. Mas não diz se é ouro ou prata. Para descobrir se é ouro ou prata, é preciso usar outros processos, não basta olhar para estes números.
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