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Jornalismo

O lugar da luta nas aulas de Educação Física

Ela é um conteúdo importante e agrega elementos como equilíbrio, força e agilidade, que podem ser ensinados aos alunos

PorBeatriz Santomauro

01/02/2011

Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10

Abrir espaço no planejamento para ensinar como atingir, desequilibrar e derrubar um adversário pode parecer um contrassenso em tempos de tanta violência gratuita. Mas não é se você souber diferenciar as lutas (que são modalidades esportivas) das brigas (essas, sim, manifestações de agressividade desorganizadas). Tal como os esportes, os jogos e as ginásticas, elas são temas importantes do ensino de Educação Física.

Com características próprias - atividades que fazem parte da história e cultura de diversos povos, têm regras e movimentos específicos -, elas podem ser praticadas por todos os alunos, independentemente da força, da altura, do sexo e da aptidão física de cada um.

Para trabalhar com esse assunto, o professor não precisa ser um atleta que saiba lutar judô, por exemplo. O essencial é estudar o assunto - tal como se faz com outros, como futebol e alongamento - e se dedicar para que as informações apresentadas sejam compreendidas pela turma com clareza. Outro ponto importante que o docente precisa ter claro é que o objetivo não pode ser transformar os alunos em lutadores profissionais (como ocorre no caso da prática de esporte de alto rendimento). A ideia é fazer com que eles conheçam as características comuns às lutas, as técnicas, o histórico, as vestimentas e os países em que as lutas são praticadas (e também vivenciem movimentos básicos de cada modalidade).

Foi exatamente isso o que fez Joice Nozaki, quando lecionava para a 5ª e a 7ª série da EMEF Professor Mario Marques de Oliveira, na capital paulista. Ela criou um projeto sobre lutas, vencedor do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10 no ano passado, visando aumentar o repertório cultural dos estudantes, ampliar e complexificar as experiências motoras deles e mostrar para a moçada que brigar é, definitivamente, outra coisa (leia mais sobre o projeto na última página).

Trabalho com lutas permite explorar força e agilidade

Como já foi explicado, a meta do trabalho na escola não é fazer a garotada lutar seguindo à risca as regras pertinentes a cada prática. O importante mesmo é garantir uma diversidade de propostas de atividades - combinando pesquisa, conhecimento de regras e, é claro, muito movimento.

"Ao proporcionar essas vivências diversas, o docente permite à garotada conhecer novas possibilidades de movimentos, o que contribui para que a memória corporal da turma ganhe outros elementos, diferentes dos tradicionalmente realizados em jogos, como o futebol", explica Eduardo Augusto Carreiro, mestre em Ciência da Motricidade Humana e gerente de esportes e lazer do Serviço Social da Indústria (Sesi), em São Paulo.

Na prática, isso quer dizer elaborar aulas que explorem habilidades motoras e capacidades físicas que envolvam os seguintes aspectos: força, flexibilidade, equilíbrio e desequilíbrio, agilidade e corrida ou saltos. Esses são os elementos básicos para qualquer luta. Sendo assim, vale convidar os estudantes para experimentar um desafio de queda de braço ou para uma briga de dedão, em que os oponentes dão as mãos, mantendo os polegares levantados e, com o braço apoiado em uma mesa, tentar abaixar o dedão um do outro, por exemplo. O importante é levá-los a compreender quão fundamental é, em ambos os casos, empregar a força para vencer ao mesmo tempo em que é fundamental não se descuidar do equilíbrio. Sem se esquecer também de deixar claro que violência e deslealdade são alvos de punição.

Há muitas outras atividades que você pode propor aos alunos para trabalhar as habilidades exigidas pelas lutas. É possível, inclusive, inventar algumas e convidar os alunos a fazer o mesmo.

As que privilegiam o equilíbrio são as que têm como desafio manter o corpo estável mesmo diante de quedas e de tentativas de deslocamento do adversário. Práticas que exigem força devem fazer com que a musculatura vença a resistência para realizar algum movimento, como empurrar, elevar, apertar e segurar. Atividades que envolvem agilidade ou rapidez são as que pedem capacidade de deslocamento, tempo de reação curto entre o estímulo recebido e o movimento realizado. Já as que têm como foco a flexibilidade exigem movimentos amplos que atinjam maior amplitude articular para sustentar algumas posturas, como as de chutes.

Para treinar a força, por exemplo, a turma pode praticar o cabo de guerra e, para o equilíbrio, vivenciar atividades que exijam ficar em uma perna só e ao mesmo tempo derrubar o adversário com algum tipo de golpe (leia a sequência didática).

Ao combinar exercícios que exigem diferentes capacidades físicas, como força e elasticidade, e outras habilidades motoras, como correr, rastejar e pular, você ajuda os alunos a aprofundar seus conhecimentos sobre o próprio corpo e a respeito dos movimentos que são capazes de fazer. E contribui para o desenvolvimento do processo de aceitação da disputa como um elemento das competições, e não como uma atitude de rivalidade frente aos colegas.

 

Jogos, esportes e lutas exigem movimentos comuns

Embora as lutas possam parecer um conteúdo um tanto quanto desconectado dos esportes tradicionalmente praticados nas aulas de Educação Física (futebol, vôlei, basquete e handebol), ao analisá-los com cuidado fica fácil perceber como os pilares força, flexibilidade, equilíbrio e desequilíbrio, agilidade e corrida ou saltos são comuns a todos. O que varia é a exigência, em relação a cada um deles, requerida dos participantes.

"Uma das capacidades físicas importantes tanto para o basquete como para o judô é a força. Porém as condições gerais em que ela aparece em cada prática são distintas. No jogo, o contato entre adversários nada tem a ver com o que ocorre na luta. Variam também os materiais e os movimentos, tal como o objetivo. Enquanto no basquete o propósito é fazer cestas, a intenção no judô é derrubar o oponente de costas para o chão", explica Carreiro.

Isso comprova como não basta o aluno ter desenvolvido certa capacidade física num jogo se, no momento de utilizá-la em outro contexto, é preciso outro foco. Quanto mais vivências diferentes os estudantes tiverem de certa habilidade, mais hábeis e conscientes de seus movimentos eles serão.

 

Formar em etapas: o projeto da Educadora Nota 10

Foto: Marcos Lima

Joice Nozaki
Formada em Educação Física, a professora é especialista em Educação Física escolar e, atualmente, faz mestrado na área de formação profissional.

 

Foto: Marcos Lima

1 Sensíveis diferenças

A turma compara imagens de brigas e lutas e percebe que as primeiras são desorganizadas, enquanto as outras têm regras.

 

Foto: Marcos Lima

2 Clube da luta

Os alunos experimentam atividades como o braço de ferro e o cabo de guerra e confrontos com bexigas (o objetivo era tentar estourar a do colega), práticas que envolvem elementos como força e equilíbrio.

 

Foto: Marcos Lima

3 Estudo focado

Para aprender sobre esgrima, capoeira e judô, os estudantes pesquisam a história, as regras, os trajes e os atletas campeões. "A meta foi ampliar o leque de práticas corporais que a garotada conhecia", explica Joice.

 

Foto: Marcos Lima

4 Resultado final

As informações das pesquisas são socializadas e todos são convidados a vivenciar o que aprenderam durante os estudos.

 

Foto: Kriz Knack

"O trabalho elaborado por Joice tem objetivos claros, intervenções corretas e ousadia, já que as lutas nem sempre ganham o espaço que merecem."

Fabio D'Angelo, selecionador de Educação Física do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.

Quer saber mais?

CONTATOS
Eduardo Augusto Carreiro
EMEF Professor Mario Marques de Oliveira, tel. (11) 5831-0145
Joice Nozaki

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