Ler o que o corpo produz
Ao interpretar esportes, jogos, lutas e danças, a turma consegue entender como essas manifestações se inserem na cultura e cria diferentes maneiras de adaptá-las ao ambiente escolar
PorPaulo Gama
12/01/2010
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Jornalismo
PorPaulo Gama
12/01/2010
À primeira vista, a necessidade de abordar a leitura em uma aula de Educação Física pode causar estranheza: será que o professor tem de trocar a ênfase no movimento e na vivência das práticas corporais pelos cadernos de esporte dos jornais e textos instrucionais próprios da área (regulamentos, súmulas e esquemas táticos)? "Muito pelo contrário", defende Marcos Garcia Neira, professor de Metodologia do Ensino de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP). "A ideia de ler na disciplina deve ter como foco as práticas corporais e a compreensão de seus gestos, que são o texto do corpo. Os gêneros verbais também têm seu lugar, mas como apoio ao entendimento do que os grupos produzem com o corpo."
Sim, o corpo fala. Quando nos movimentamos, expressamos uma série de significados da cultura em que estamos inseridos. A interpretação desses sinais corporais é o eixo da leitura em Educação Física (leia o quadro abaixo). Alguns deles, com o passar do tempo, se tornam práticas organizadas e sistematizadas, obedecem a regras e são transmitidos de geração em geração. Transformam-se no que conhecemos como esportes, danças, lutas e brincadeiras.
É a essas manifestações que você deve convidar a turma a lançar um olhar atento. O começo do trabalho passa pela escolha do texto - no caso da disciplina, uma prática corporal - a ser lido, como uma partida de vôlei (leia o infográfico). Segundo a perspectiva cultural, tendência dominante hoje no ensino da Educação Física escolar, todas as manifestações corporais expressam traços relevantes de uma cultura. Assim, atividades costumeiramente deixadas de lado pelas aulas tradicionais, como brincadeiras, danças e jogos praticados pelas famílias, se igualam aos esportes dominantes (leia a sequência didática).
Uma opção interessante para essa eleição inicial é o chamado diagnóstico do patrimônio de cultura corporal da turma. Pergunte aos alunos que tipos de prática estão acostumados a fazer e quais jogos, esportes e danças são os preferidos de amigos e parentes. Para aprofundar a investigação, vale verificar o equipamento esportivo existente na comunidade (ginásios, academias, campos ou parques) e relacioná-lo às modalidades levantadas pela classe.
A professora Jacqueline Martins lançou mão desse passo a passo com suas classes na EE Alcides da Costa Vidigal, na capital paulista. Observando a garotada do 5º ano durante os intervalos, percebeu que uma das brincadeiras mais populares na escola era o "três corta", em que os alunos em roda tocam entre si uma bola de vôlei e cortam no terceiro lance. Foi o gancho para explorar diversas formas da modalidade. No levantamento do conhecimento da turma, apareceu um rico repertório corporal: vôlei de praia, de quadra, biribol, "três corta", vôlei de terceira idade.
Gêneros privilegiados em Educação Física
Linguagem Corporal
Na disciplina, o corpo é encarado como um suporte textual, que carrega a história e a cultura de um grupo social. Os gestos característicos de cada manifestação são o texto a ser lido, atividade realizada por meio da interpretação de uma série de códigos - não só biológicos mas também sociais e culturais. Além da leitura de movimentos em atividades reais à vista da garotada, você pode lançar mão de vídeos e filmes, usando sempre os recursos que a tecnologia oferece: retroceder ou congelar imagens, por exemplo, pode ser muito útil para a turma tirar dúvidas ou captar nuances da prática.
Texto Instrucional
Gêneros como regulamentos e regras de modalidades podem servir como apoio à leitura do movimento corporal, fornecendo elementos significativos para sua compreensão - o próprio fato de a prática ter um conjunto de normas formais já dá indícios sobre sua organização. Se o foco for o trabalho sobre a origem e as mudanças em uma modalidade, um bom recurso é recorrer a textos de sites da respectiva federação. Além do conjunto completo de regras, as entidades costumam oferecer também relatos históricos, possibilitando pesquisas sobre o surgimento da prática, o gênero e a classe social predominante na atividade.
Da tela ao caderno
PONTUAÇÃO
Nos quatro primeiros sets, o time precisa de 25 pontos para vencer. No quinto e decisivo, bastam 15
UNIFORME
A cor distingue as equipes e o líbero, que pode trocar de lugar com outro jogador
JARGÃO
A nomenclatura usada pelos comentaristas da TV ("rali", "ace", "tie-break") é anotada e, depois, explicada à classe pela professora
RODÍZIO
O deslocamento obrigatório em sentido horário a cada ponto levanta a dúvida: "Na escola, devemos usar a mesma regra?"
TIPO FÍSICO
Características como a altura da rede e jogadas como a cortada fazem com que os jogadores altos e fortes levem vantagem
LISTA
A enumeração dos aspectos mais importantes em frases curtas é o recurso para registrar o essencial do jogo e compará-lo, posteriormente, com variações da modalidade
? O tempo técnico serve para o técnico orientar o time e para os jogadores descansarem;
? Os jogadores que estão na defesa não podem pisar na linha dos 3 metros quando forem atacar;
Entender o repertório gestual para poder interpretar
Lidos em conjunto, esses códigos do repertório gestual permitem que os alunos interpretem melhor a modalidade analisada. Para entender os significados presentes nas manifestações corporais, eles devem partilhar o repertório gestual dos praticantes da modalidade. "Isso fica claro quando analisamos um esporte distante de nossa realidade, como o futebol americano", diz Neira. "Por não termos familiaridade com a prática, não compreendemos seus significados, o que nos leva a classificá-la como um jogo de violência sem sentido. A interpretação dos códigos ajuda a desconstruir essa visão e a pensar em outros elementos."Procedimento de estudo - Esquema gráfico
Para esportes, jogos e brincadeiras, essa é a forma ideal de registrar o movimento no espaço, seja no papel, seja em 3D
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Na representação gráfica simplificada, a turma desenha as características mais marcantes para a prática da modalidade: o número de participantes, a disposição deles no espaço e a movimentação necessária. Pode ser aliada a uma lista - a vantagem, nesse caso, é incluir as regras principais e os materiais necessários. O esquema gráfico pode ser usado tanto no registro de uma situação de observação (durante a exibição de um vídeo com a partida de vôlei, por exemplo, as crianças podem esquematizar de que maneira ocorre o rodízio) como da própria vivência - como os passos de uma coreografia de dança ou para evidenciar diferenças entre dois tipos de queimada experimentadas pela classe. Na EE Alcides da Costa Vidigal, a turma se empolgou tanto com a comparação do vôlei de quadra com o realizado na escola que criou uma maquete do jogo, que funcionou como um esquema tridimensional e manipulável para entender rapidamente as diferenças.
Quer saber mais?
CONTATOS
EE Alcides da Costa Vidigal, R. Geremia Lunardelli, 145, 05537-100, São Paulo, SP, tel. (11) 3742-7503
EMEF Éber Louzada Zippinotti, R. Natalina Daher Carneiro, 815, 29060-490, Vitória, ES, tel. (27) 3235-1082
Marcos Garcia Neira, mgneira@usp.br
BIBLIOGRAFIA
Educação Física, Currículo e Cultura, Marcos Garcia Neira e Mário Luiz Ferrari Nunes, 288 págs., Ed. Phorte, tel. (11) 3141-1033, 34 reais
Pedagogia da Cultura Corporal: Crítica e Alternativas, Marcos Garcia Neira e Mario Luiz Ferrari Nunes, 296 págs., Ed. Phorte, 29 reais
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Em www.ne.org.br, digite na busca "Novo Status para a Expressão Corporal" e "Em Vez de Formar Atletas, Analisar a Cultura Corporal".
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