Um estudo realizado há alguns anos com alunos do curso de Pedagogia na Universidade de Brasília (UnB) revelou que vários futuros docentes têm aversão a assuntos de uma das áreas que compõem o tripé da ciência, a Física, e resistem à ideia de ensiná-los às crianças. A realidade é agravada pelo fato de, na maioria dos cursos, não haver muito espaço na grade curricular para o estudo do ensino de Ciências.
Porém essa área tem de fazer parte do planejamento a partir do 1º ano do Ensino Fundamental. "Energia, temperatura, gravidade e tempo, por exemplo, são alguns conceitos com que os estudantes têm de entrar em contato durante o processo de aprendizagem que atravessa toda a escolarização", diz Marco Antonio Moreira, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com mestrado em Ensino de Física.
Mas não se trata de expor terminologias que precisam ser decoradas. "É um equívoco também apresentar uma versão simplificada das aulas do Ensino Médio", alerta Moreira. O importante é trabalhar conceitos e procedimentos. A fim de enriquecer sua prática, NOVA ESCOLA entrevistou especialistas para sanar algumas dúvidas comuns a respeito do assunto.
1 Qual o espaço que a Física deve ter no currículo?
Não existe uma medida determinada, fixa. O ensino de Ciências não deve ser encarado como algo fracionado, em que os fenômenos da natureza são estudados somente sob o olhar de conceitos de uma única área do conhecimento. Todos eles podem e precisam ser analisados sob o ponto de vista de mais de uma área do conhecimento.
2 O que ensinar sobre os estados físicos da matéria?
As crianças têm de entrar em contato com os conceitos sólido, líquido e gasoso e com as mudanças que eles sofrem. É suficiente trabalhar com definições como "o vidro é um sólido", sem definições rigorosas - como "o vidro é considerado um fluido de alta viscosidade".
3 É adequado trabalhar temas relacionados à termodinâmica?
Sim. Na Escola de Educação Básica e Profissional Fundação Bradesco de Propriá, em Propriá, a 94 quilômetros de Aracaju, Sueli Gomes de Oliveira dos Santos, professora do 3º ano, elabora atividades com enfoque em questões relacionadas à temperatura. "Realizamos experiências para que eles mensurem e comparem as temperaturas a fim de que interpretem os valores e pensem o que eles têm a ver com os estados físicos das amostras", explica Sueli. Além de ter como objetivo que a garotada aprendenda como usar o termômetro, ela também encaminha todos a pensar sobre como o instrumento funciona.
4 Estudar a gravidade é pertinente?
Sim. É um assunto que intriga muito as crianças e está presente o tempo todo no dia a dia. "Por que as coisas caem quando são jogadas para cima?" e "O que nos mantém presos ao chão embora a Terra gire?" são boas perguntas para disparar a discussão em sala (leia a sequência didática). Nessa fase, basta que eles compreendam que existe essa força. Não é preciso abordar a resisitência do ar, por exemplo.
5 É necessário sempre fazer experimentos?
Não. Para as crianças, que ainda não têm grande capacidade de abstração, a experiência ajuda a concretizar ideias, mas é importante que isso seja um processo e que essa dependência diminua com o tempo. "A Física não está nos experimentos e eles não revelam teorias. Isso é papel do pensamento científico", diz Luis Paulo Piassi, professor do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da Universidade de São Paulo (USP).
6 Como ir além do que a experiência prática revela?
"Garantindo que o estudo de um tema não se encerre necessariamente com a realização de um experimento, a fim de comprovar o que a garotada já sabe", diz Erika Zimmermann, doutora em Ensino de Ciências e professora da UnB. Experiências devem ser feitas para levantar questionamentos e problematizar situações, por exemplo. Cuide também para não propor experimentos para explicar conteúdos que não têm como ser simulados em laboratório, ainda que profissional, ou na sala de aula. Não faz sentido simular algo se muitas adaptações forem necessárias a ponto de distorcer o conceito que estiver em foco.
Os erros mais comuns
- Ignorar perguntas complexas feitas pelos alunos, como "o que é energia nuclear?". Elas devem ser respondidas, ainda que de forma suscinta. Se não souber a resposta, peça um tempo para pesquisar ou consultar um especialista.
- Explicar conteúdos de maneira infantilizada ou simplista. Isso só colabora para a turma formular conceitos equivocados. Prefira falas objetivas e resumidas.
7 Faz sentido ensinar fórmulas para os alunos?
Não. A descrição de um fenômeno por meio de uma expressão matemática é útil, mas deve ser utilizada no futuro. "Nessa etapa da escolarização, é mais importante que a turma saiba descrever os fenômenos observados, formulando hipóteses e previsões com base em modelos mentais que elas podem estabelecer", argumenta Cristian Annunciato, pesquisador da Sangari Brasil.