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Jornalismo

Utilize alimentos para ensinar Ciências

Experiências com produtos industrializados conscientizam sobre a composição dos alimentos para criar hábitos saudáveis

PorPaula Peres

05/06/2018

EXPERIÊNCIAS PARA FAZER NA ESCOLA (OU EM CASA)
Comparações simples ajudam os alunos a refletir sobre o impacto dos aditivos no aspecto, cheiro e sabor dos alimentos.

Para que servem os corantes? Será que um iogurte feito em casa fica igual ao industrializado? Quais serão as diferenças?

1) BATA O IOGURTE NATURAL COM MORANGOS: Com a ajuda de um liquidificador, bata um pote de iogurte natural sem sabor e três morangos. Despeje o resultado em um copo, o resultado será como o da foto.

2) COMPARE A COR DO IOGURTE CASEIRO À DO INDUSTRIALIZADO: O industrializado terá a cor do 2º copo. Agora, questione os alunos: quais são as diferenças no aspecto? Por que as cores não são iguais? Quais ingredientes aparecem no rótulo do iogurte? Qual deles tem mais morango?

Por que isso acontece? A ideia é que os alunos percebam a presença do corante na embalagem do iogurte industrializado e discutam a necessidade da indústria de “mascarar” a falta de morangos usando cores mais vibrantes.

Créditos: Fotos: Tomás Arthuzzi, produção: Inara Ramos

Quantos alimentos industrializados você, professor, consome por semana? E quantos recomenda que seus alunos consumam? A conversa sobre alimentação na sala de aula, muitas vezes, pode se reduzir à sugestão de um prato saudável olhando somente para os alimentos naturais e jogando para debaixo da toalha de mesa tudo o que a gente come, mas não diz.

De acordo com a professora Lilian Bacich, assessora pedagógica de Ciências do Time de Autores NOVA ESCOLA, os colégios costumavam reproduzir uma tradição moralista ao trabalhar hábitos alimentares com os alunos. “Acabávamos demonizando alimentos muito pesados, falávamos que não se podia consumir chocolate, doce, hambúrguer”, diz Lilian. Essa postura pode levar os alunos, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental, a viver uma espécie de conflito pessoal ao tomar decisões sobre o que comer. “Na nossa sociedade, você não tem só alimentos saudáveis, nem na própria escola. Fica difícil levar essas restrições para a vida deles”, explica.

Para sair da perspectiva doutrinadora sobre a alimentação, é possível partir das experiências pessoais dos alunos com a comida: o que consomem e de que maneira? Cabe problematizar os alimentos considerados menos saudáveis para que o estudante tenha consciência do que está ingerindo. “Quando o professor trabalha alimentação na sala de aula, deve ter a intenção de levar os alunos a entender que, quanto mais equilibrada for sua alimentação, melhor”, indica Lilian.

O professor Fausto de Oliveira Gomes, da Escola Carlitos, em São Paulo, queria discutir a qualidade nutricional do que consumimos e as escolhas alimentares das pessoas com seus alunos do 8º ano. Para isso, desenvolveu um projeto que ampliou a discussão para explorar de onde vêm os alimentos que chegam às nossas mesas – principalmente, os industrializados.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) determina que esse conteúdo seja aplicado no 5º ano. Porém, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documento que ajudava a pautar os currículos escolares, esse trabalho era normalmente feito no 8º ano. Lilian explica que as crianças do 5º ano têm todas as condições para debater alimentação saudável com base nos alimentos industrializados, mas com uma abordagem de reflexão. A ideia é começar a entender qual a função dos aromatizantes, corantes e conservantes. “Crianças do 5º ano não fazem ideia do que é aquilo que está escrito nos rótulos. O bacana é identificar a presença dos aromatizantes e investigar o que são, para que servem e por que estão nos alimentos. Isso é letramento científico e ajuda a fazer escolhas”, afirma. “Já no 8º ano, você consegue aprofundar mais a relação entre os elementos químicos presentes nesses compostos”, diz.

Você sabe o que está comendo?

Também comemos com os olhos?
Um teste cego com balas de goma faz a turma refletir sobre o papel dos corantes e aromatizantes nos doces industrializados.

1) SEPARE AS BALAS POR “SABOR”: Com base nas informações das embalagens ou em suas cores, separe as balas de goma em conjuntos de mesmo sabor.

2) FAÇA A DEGUSTAÇÃO ÀS CEGAS: Peça aos alunos que se dividam em duplas. Enquanto um coloca a venda, outro lhe dá um copo d’água e, em seguida, uma bala, para que ele tente descobrir qual sabor estava na embalagem.

Por que isso acontece? Discuta se a ausência da visão prejudicou o momento de “adivinhar” os sabores e qual a influência dos corantes e aromatizantes na maneira como percebemos o gosto do que comemos.

Créditos: Tomás Arthuzzi

Com base na frase “Você é o que você sabe sobre o que você come”, a turma de Fausto foi buscar evidências sobre a origem dos alimentos nas embalagens, nos locais de produção ao redor da cidade e nos caminhos que o alimento percorre da indústria até a casa das pessoas. Para o professor, discutir a origem do que comemos é importante para verificar a preocupação que as empresas têm – ou deixam de ter – com a qualidade dos ingredientes e a higiene na manipulação e no processamento dos produtos.

Além disso, há o despertar de uma consciência sobre quais práticas incentivamos ao consumir produtos de determinadas empresas. “Quando recebemos a notícia de que alguma marca de roupa usa mão de obra infantil ou de trabalhadores em regime de escravidão, podemos escolher se continuamos utilizando seus produtos ou não”, aponta Fausto. Para ele, o mesmo deve ser feito em relação aos alimentos.

O produto escolhido para a análise da turma foi o suco de laranja. A maioria dos alunos reconheceu que consumia o suco principalmente em caixa, embalado industrialmente. Mas será que essa bebida industrializada tem as mesmas propriedades da natural? Eles assistiram a um vídeo e exploraram por onde e por quais processos o suco de laranja de caixinha passa até chegar às mesas dos consumidores.

Para Lilian, essa abordagem ajuda o aluno a entender que, muitas vezes, aquilo que ele consome tem vários ingredientes que ele não conhece, e nem sempre contém a própria fruta. Foi justamente esse aspecto que mais chamou a atenção da turma de Fausto. “O que eles mais apontaram foi o processamento da bebida, que aparece nas embalagens como integral, quando muitas vezes não é”, conta. “No vídeo, a jornalista Francine Lima, do canal Do Campo à Mesa (canaldocampoamesa.com.br), cita que algumas empresas acrescentam água, corantes, aromatizantes e outros aditivos ao suco concentrado”, lembra. A turma, então, sentiu a necessidade de pesquisar mais sobre a composição dos alimentos industrializados.

Provar para compreender

Quanto tempo duram os alimentos?
Os conservantes preservam os alimentos por muito mais tempo. Observe isso em um sanduíche congelado.

1) PREPARE UM SANDUÍCHE CONGELADO: Escolha um sanduíche na seção de congelados (desses que ficam prontos em poucos minutos).Prepare-o com a ajuda de um micro-ondas e guarde a sua embalagem.

2) ANALISE O ALIMENTO DEPOIS DE 4 DIAS: Repare em seu aspecto. Algo mudou desde o dia em que você abriu a embalagem? Há indícios de decomposição? Qual cheiro ele transmite?

Nós testamos: esse sanduíche da foto ficou 3 dias esperando para ser fotografado.

Por que isso acontece? Discuta a preservação desse alimento mesmo depois de tanto tempo de preparo. Questione o que aconteceria se ele fosse feito apenas com alimentos naturais e quais ingredientes do rótulo são responsáveis por sua conservação.

Créditos: Tomás Arthuzzi

Para analisar a atuação dos corantes e aromatizantes, os alunos fizeram um experimento de teste cego (veja na imagem anterior) para discutir como alguns alimentos perdem suas características ao longo das etapas do processamento industrial. “Contraditoriamente, esses produtos precisam receber insumos artificiais para parecer mais naturais e transmitir uma imagem saudável”, argumenta Fausto. “Nosso paladar está muito associado ao olfato. Se o produto tem um cheiro muito forte de morango, o cérebro é induzido a achar que aquilo tem gosto de morango também”, explica Lilian. A docente alerta que, antes de fazer o experimento, vale perguntar à turma se alguém é alérgico a algum daqueles componentes e fazer uma reflexão sobre isso.

A nutricionista Cleliani de Cassia da Silva, doutora em saúde da criança e do adolescente pela Unicamp, acredita que levar experimentos para a sala de aula dá mais concretude aos argumentos em prol de uma alimentação saudável. “Ficar só na teoria ou no 'isso pode, aquilo não pode' não funciona. O aluno entende melhor a diferença do alimento in natura para o processado e o ultraprocessado quando os têm em mãos”, afirma. Ao longo da reportagem, indicamos três experimentos. O das balas foi feito por Fausto com sua turma e os outros dois sugeridos por Francine Lima. Cleliani indica ainda uma quarta atividade, desta vez, usando o milho em diferentes versões: “Podemos levar para a sala de aula o milho in natura, o milho enlatado e um salgadinho sabor de milho”. A intenção é debater quanto o ingrediente inicial precisa ser manipulado para se transformar em outro produto e quais nutrientes ele perde nesse processo. “Enquanto o milho in natura não possui rótulo ou embalagem, sua conserva tem sal, por exemplo. Já no salgadinho, há outros aditivos que podem prejudicar a saúde”, comenta a nutricionista.

Ao tentar adivinhar o sabor das balas só por meio do olfato e do paladar, sem ver suas cores ou ler seus rótulos, os alunos erraram várias vezes. “Assim, perceberam que os corantes influenciam bastante na percepção do gosto, porque as pessoas já relacionam uma determinada cor a um sabor antes mesmo de prová-lo”, conta Fausto.

Aplicando o experimento ao suco de laranja, o estudo de caso da turma, os alunos concordaram que um suco da fruta que não tivesse uma cor próxima à das laranjas poderia ser considerado de má qualidade e não agradaria tanto aos consumidores, “sendo menos comprado do que os outros que possuem corantes”, concluíram.

Para Fausto, por mais que não tenha acontecido o momento de aconselhamento sobre o que comer ou evitar, a pesquisa ajudou os estudantes a refletir: “Queria criar nos alunos a consciência sobre o que consomem. Se eles estão cientes das possibilidades, suas escolhas alimentares se tornam mais honestas”, finaliza.


NA BNCC

Organizar cardápios equilibrados com base nos nutrientes e calorias dos grupos alimentares e nas necessidades individuais de cada um e discutir distúrbios nutricionais como obesidade e subnutrição entre crianças e jovens a partir da análise de seus hábitos cotidianos e alimentares. Habilidades EF05CI08 e EF05CI09

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