Arquitetura que educa
Integrar espaço e projeto pedagógico com criatividade é o caminho para uma arquitetura escolar moderna
11/05/2018
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Jornalismo
11/05/2018
A primeira coisa que a arquiteta Adriana Freyberger percebeu ao entrar na EMEI Profª. Laura da Conceição Pereira Quintaes, em São Paulo, foi como a escola era barulhenta. Com os alunos no pátio ou no corredor, durante as trocas de sala, era difícil até escutar a própria fala. As professoras precisavam gritar, aumentando a agitação das crianças, que, por sua vez, subiam o volume das suas vozes, num barulho crescente. “Nunca tínhamos nos dado conta de quanto era incômodo”, conta a diretora Solange Oliveira Ferreira, que havia assumido o cargo há pouco tempo.
Era a primeira vez que ela e Adriana caminhavam juntas para ver a escola. Elas começavam a planejar uma reforma, com o apoio pedagógico do Instituto Avisa Lá. O problema não eram as crianças, e sim o prédio. Construído havia pouco mais de dois anos, no Itaim Paulista, periferia de São Paulo, ele não era muito diferente das escolas públicas em geral: um edifício robusto de concreto armado, todo pintado de bege, com nove salas de aula, pátio e uma área externa com parquinho. As paredes, o piso frio e o pé-direito alto transformavam os ambientes da escola em verdadeiros amplificadores de barulho.
Com base nessas observações e de diversas reuniões com os professores, as famílias e os próprios alunos, a comunidade escolar construiu o projeto. Tudo foi discutido: da cor das paredes às alterações no parquinho. “Propusemos até que os professores fizessem maquetes do que queriam. Não se pode rediscutir o prédio sem rediscutir o projeto pedagógico”, explica Adriana. E o projeto mudou. As crianças passaram a realizar atividades nas mesmas salas. Com a arrecadação de fundos junto à comunidade (3 reais por família, por alguns meses), foi possível instalar um forro acústico que amenizou o problema. E depois de um esforço de economia de verbas, mais etapas foram cumpridas.
Espaços engessados
Problemas como acústica ruim, calor excessivo, acabamentos de baixa qualidade, mobiliário pouco flexível e variado exigem de gestores como Solange um esforço redobrado diante da escassez de recursos e da burocracia. O Ministério da Educação (MEC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) têm um conjunto de normas técnicas que servem de referência para a construção de escolas. “O problema é que os projetos são muito engessados. Só há salas de aula e pátio. Falta pensar em outros espaços”, diz Cássia Schroeder Buitoni, mestre pela FAU-USP.
Um estudo da Fundação Carlos Chagas (FCC), com base em dados do Censo Escolar 2011, criou uma escala com os níveis “elementar”, “básica”, “adequada” e “avançada” para classificar a infraestrutura das escolas brasileiras. A constatação foi que 44% delas apresentam infraestrutura considerada “elementar”. Isso significa que quase metade dos estabelecimentos contam com o mínimo: água, sanitário, energia, esgoto e cozinha. Só 0,6% apresentam infraestrutura considerada “avançada”, que inclui itens como sala de professores, biblioteca, laboratórios de ciências e informática, espaços de convívio, quadra esportiva, parque infantil e espaços adaptados para alunos com deficiência.
O prédio precisa ter bom aproveitamento da luz natural complementada pela iluminação artificial. A ventilação deve ser natural, algo facilitado por tetos mais altos e janelas amplas, que facilitam a dispersão do ar e do calor, colaborando também com o conforto térmico. O relatório considera ainda a escolha de cores e a harmonia estética dos ambientes como essenciais.
“Em resumo, existem três pontos que são fundamentais. O primeiro é a escala humana: não pode ter dimensões gigantescas muito diferentes de uma casa, que assustam as pessoas. O segundo, ligado ao primeiro, é a ambientação residencial: são itens que tiram essa sensação de presídio. E o terceiro é a presença da vegetação: é uma necessidade humana contemplar o verde e a natureza”, diz Doris Kowaltowski, professora de Arquitetura da Unicamp.Além dos manuais oficiais, existem outros guias que podem inspirar pequenas reformas ou grandes transformações. O Royal Institute of British Architects, organização que reúne os profissionais de arquitetura do Reino Unido, publicou o relatório Better Spaces for Learning (Melhores espaços para estudar) que elenca alguns pontos essenciais. Os projetos precisam passar um sentimento de pertencimento, com espaços de convívio e de aprendizagem dirigidos pelos alunos. Um mobiliário pensado para crianças em termos de altura, versatilidade e segurança, murais para exibição de trabalhos ou imagens.
Projeto pedagógico em primeiro lugar
Mas itens como ventilação, flexibilidade, acústica e iluminação só ganham vida na escola se forem pensados também pedagogicamente, como fez a gestora Solange. “Discutir a arquitetura não é pensar numa escola bonitinha, mas fazer um reflexão profunda sobre o projeto pedagógico e a identidade da comunidade escolar. É do projeto pedagógico que deve brotar o prédio”, diz Adriana Freyberger.
Seguir apenas os padrões dos manuais e normas técnicas leva à reprodução de um modelo de escola tradicional. “Os espaços escolares ainda são pensados numa lógica que separa o corpo da cabeça: ficam todos sentados, o espaço reprime, os alunos não podem ocupá-los”, diz Ana Beatriz Goulart, pesquisadora da Faculdade de Arquitetura da UFRJ.
As pesquisas no campo da arquitetura escolar citam com frequência as teorias de Michel Foucault (1926-1984), que descreveu as escolas como espaços de controle, à semelhança de prisões e quartéis. “Essa concepção tem objetivos distantes dos que imaginamos para a Educação atual, como participação, alegria, convivência entre as pessoas”, completa.
Quando o diálogo entre o espaço e a prática pedagógica acontece, os resultados são positivos. “Um estudo na Inglaterra e outro na Nova Zelândia mostram que, quando os alunos percebem que o ambiente é mais agradável, as notas são, em média, 25% mais altas do que em escolas com problemas de conforto térmico ou sem uma estética harmônica”, afirma Doris Kowaltowski.
Entenda como estas escolas resolveram seus problemas:
Acústica
1)PROBLEMA: A EMEI Profª. Laura da Conceição Pereira Quintaes (SP) sofria com paredes de concreto, piso frio e pé-direito alto que amplificavam o som.
2) SOLUÇÃO: Ao custo de 30 mil reais, foi instalado um forro acústico nos corredores e no pátio do térreo. Cada turma passou a ter sua própria sala e aproveitar melhor os espaços, diminuindo a circulação desnecessária e o barulho.
3) LIÇÕES: O engajamento da comunidade nas discussões e na arrecadação de pequenas quantias impulsiona as mudanças. Para esse tipo de isolamento, use sempre materiais antichama.
Ventilação e conforto térmico
1) PROBLEMA: A Escola de Canuanã (TO) fica em uma região úmida com temperaturas de 30°C.
2) SOLUÇÃO: O prédio tem espaços amplos e abertos. Alguns ambientes são de muxarabi, um tipo de parede vazada usado na região.
3) LIÇÕES: A arquitetura local pode servir de referência para a escola. A ventilação natural deve ser sempre priorizada. Portas abertas e janelas maiores ajudam. Ar condicionado é última opção.
Flexibilidade
1)PROBLEMA O CE José Leite Lopes (RJ) funciona em um prédio adaptado e não possui quadra.
2) SOLUÇÃO: O planejamento das aulas passou a incluir modalidades em locais fechados. Uma sala de aula foi adaptada com tatames, o pátio é utilizado para jogos com bola e até o corredor para o slackline.
3) LIÇÕES A flexibilidade não exige grandes investimentos. Alterações na organização das carteiras, paredes de cortiça para exposição de trabalhos e prateleiras baixas permitem maior circulação e usos diversos.
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