Conhecer textos expositivos e instrucionais para questionar
Mergulhar nos textos expositivos e instrucionais é o caminho para que a garotada compreenda a linguagem da ciência, seu método de produção e seus limites
PorLorena Verli
12/01/2010
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Jornalismo
PorLorena Verli
12/01/2010
Antes de começar a ler esta reportagem, pare um pouco. Olhe à sua volta. Agora, verifique o seguinte: nesse rápido passeio, quanta ciência há ao redor? Pense nas roupas que usamos, nos móveis do ambiente e, é claro, nas páginas desta revista - para produzir e levar este exemplar às suas mãos, foram mobilizados saberes de diversas áreas de conhecimento, da Matemática dos computadores em que estas letras foram digitadas à Química da composição dos pneus dos caminhões que transportaram os exemplares até as bancas. Para onde quer que se olhe, há ciência.
"Hoje, os estudantes já nascem inseridos num mundo científico-tecnológico. Para que eles o entendam, têm de aprender o conteúdo científico e como ele é produzido, até para poder criticá-lo", diz Marcos Engelstein, professor de Biologia e assessor de Ciências do Colégio Anglo-Brasileiro, na capital paulista. Essa preocupação inclui usar esse saber para fazer escolhas - como comer ou não alimentos com gordura trans - e também para entender seu limites - como identificar propagandas em que afirmações como "testado cientificamente" não passam de engodo. A ciência, afinal, não é neutra nem detentora de verdades absolutas. Levar a turma a perceber isso é uma das principais tarefas da leitura na disciplina apoiada principalmente no uso do livro didático (leia o quadro "Todos os recursos do livro didático").
Em sala de aula, os gêneros mais explorados (veja o quadro abaixo) têm características próprias do discurso científico: a busca da objetividade, precisão e uso de terminologia específica, sem espaço para a polissemia (quando uma palavra assume diversos significados). Embora haja lugar para textos jornalísticos e até literários, os principais materiais de leitura na disciplina seguem sendo o texto expositivo e o livro didático. Ao "traduzir" o artigo científico para um público mais amplo (lembremos que, na academia, um pesquisador escreve para seus pares, também especialistas no assunto), o livro didático o modifica, tornando-o mais palatável e compreensível pelo público leigo na forma de textos expositivos científicos.
Usar esse recurso como um material de apoio para ensinar o conteúdo faz todo o sentido. O problema é que muitos professores acabam transformando-o na aula em si. Isso faz com que o livro seja a única fonte de conhecimento e, nesse caso, em vez de contribuir para ampliar a visão de mundo do aluno, acaba por fechá-la. Tanto pior se o docente apenas pedir à turma para que leia determinado capítulo e responda um questionário sem se preocupar com a compreensão do conteúdo lido.
Há ainda outra consideração importante: mesmo que seja mais simplificado, o texto do livro didático requer um processo de interpretação complexo. Por envolver diversos gêneros tanto em linguagem verbal quanto imagética, sua leitura exige do aluno um conjunto de habilidades que permitem a ele contemplar a diversidade de cada tipo de texto e perceber as relações entre eles. Por isso, vale a pena criar oportunidades para que, no início do ano, todos possam explorar o livro. Algumas perguntas ajudam a chamar a atenção para as condições de produção e para a organização da obra. Quem são os autores? Eles deixam alguma mensagem para nós? Que assuntos vamos estudar? Há figuras e tabelas? Para que servem?
Gêneros privilegiados em Ciências
Texto instrucional
Típico das experiências práticas, caracteriza-se por uma sequência de instruções que, se mal interpretadas, podem levar a conclusões incorretas. Investigar as imagens que geralmente acompanham o texto escrito, complementando seu sentido, auxilia na compreensão do conteúdo.
Texto jornalístico
Ao aproximar o conteúdo escolar dos fatos cotidianos, reportagens de jornais e revistas (sobretudo as de divulgação científica) possibilitam discussões sobre saúde, alimentação, meio ambiente e tecnologia.
Ele têm linguagem mais simples e permitem que assuntos controversos entre os cientistas sejam discutidos pelos alunos.
Texto expositivo
Característico dos artigos científicos, também aparece nos livros didáticos. É um texto fechado, sem espaço para várias interpretações. "Baseado em comprovações obtidas por meio de experiências, o autor deixa claro o caminho que fez para chegar à conclusão, comprovando ou refutando uma hipótese inicial", diz Marcos Engelstein. O livro didático tem a vantagem de simplificar o discurso científico. Mas, para fazer os alunos avançarem, é preciso colocá-los em contato com textos que circulam no meio acadêmico, mais complexo.
Todos os recursos do livro didático
Foto: Marcos Rosa
Na EMEF Mauro Faccio Gonçalves-Zacaria, a professora promove uma exploração das páginas antes de ler um texto sobre a água
1 - Destaque
As palavras grafadas no texto em cores diferentes fornecem pistas sobre o tema tratado ("a água está presente na sua vida", "salvar nossas fontes de água")
2 - Texto
Com informações sobre o uso da água no planeta, funciona como uma amarração entre os recursos gráficos e textuais da página
3 - Fotos
As três abordam o tema água, cada uma de uma perspectiva (histórica, econômica e ambiental). As legendas contextualizam o local de produção - somos informados que a imagem da poluição, por exemplo, é do rio Tietê
4 - Atividades
As duas propostas de trabalho (elaboração de lista e produção de um texto) pedem a participação ativa do aluno, incentivando a ampliação de conhecimentos
5 - Tabela
Recurso bastante presente nos textos científicos, apresenta dados numéricos para comprovar uma ideia ou fazer uma comparação
Antes da leitura, explorar textos e imagens do capítulo
Nesse caminho, antes de pedir que os estudantes leiam, questione-os sobre os elementos mais chamativos da página. Mostre o título, as imagens, os gráficos e as tabelas que aparecem no livro e pergunte: do que esses elementos tratam? Anote no quadro as principais hipóteses - que, aliás, são características fundamentais na prática da disciplina. Considerá-las no início da leitura reforça o aprendizado do próprio método científico. Maurina Izabel, professora da EMEF Mauro Faccio Gonçalves-Zacaria, na capital paulista, adota essa perspectiva. "Antes da leitura, promovo uma análise exploratória dos gêneros e recursos gráficos das páginas estudadas para aproximá-los do assunto que será tratado", explica.
Resumos e relatos também são procedimentos de estudo que ajudam na compreensão do texto. No caso dos resumos, para evitar as cópias, vale apostar na estrutura sugerida na reportagem O Desafio de Ler e Compreender (leia reportagem). Quanto aos relatórios (veja o quadro abaixo), eles são especialmente úteis para organizar as informações de atividades práticas, em que os alunos precisam seguir textos instrucionais. Muito comuns em experiências e atividades práticas, eles também merecem atenção em sala. Uma primeira decisão importante é justificar a própria função das instruções, mostrando a relevância de cada uma. Isso evita que os alunos as executem como se fossem uma receita sem significado.
Outra necessidade é explicar palavras técnicas que invariavelmente aparecem. Nesse ponto, uma saída é combinar a leitura do texto com as imagens que geralmente o acompanham, o que já ajuda a esclarecer muitas dúvidas. Trabalhando assim, Maria Regina Martins, da EE Professor Leon Renault, em Belo Horizonte, consegue esclarecer muitas dúvidas. "Nos casos em que a imagem não ajuda, debatemos as possibilidades e registramos o significado mais adequado em um banco de palavras, que cresce a cada experiência", explica.
Procedimento de estudo - Relatório
Comum em laboratórios e centros de pesquisa, ele resume e sistematiza o passo a passo das experiências da moçada
Texto típico da área científica, pede uma linguagem precisa, sempre deve ser vinculado a algum experimento ou observação de campo e serve para apresentar os resultados que foram coletados durante esses procedimentos. A precisão e a objetividade na escrita dos relatórios garantem que todas as etapas da atividade prática sejam transmitidas de maneira compreensível e exata pelo autor da pesquisa. Você deve deixar claro que as opiniões pessoais dos alunos não devem ser apresentadas nesse tipo de texto, já que a ênfase recai na observação de tudo o que ocorreu durante o procedimento. Uma sugestão interessante de organização para apresentar as informações é dividi-las em tópicos: hipótese (a suposição provisória do resultado da experiência), objetivo da experiência (uma descrição resumida do que se pretende investigar), desenvolvimento (a descrição do passo a passo do experimento) e resultados e conclusão (parte em que se discute a hipótese à luz dos resultados). Essa estrutura é comum em trabalhos acadêmicos, aproximando a moçada dos procedimentos usados pelos cientistas.
Quer saber mais?
CONTATOS
EE Ministro Jarbas Passarinho, R. dos Jasmins, 20, 54759-150, Camaragibe, PE, tel. (81) 3458-3023
EE Professor Leon Renault, Av. Amazonas, 5855, 30180-000, Belo Horizonte, MG, tel. (31) 3332-5097
EMEF Mauro Faccio Gonçalves-Zacaria, R. Raquel Alves Moreira, 823, 05821-130, São Paulo, SP,
tel. (11) 5514-3131Marcos Engelstein, marxeng@ig.com.br
BIBLIOGRAFIA
Ciências: Fácil ou Difícil, Nélio Bizzo, 144 págs., Ed. Ática, tel. 0800-115-152, 34,90 reais
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