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Jornalismo

Conhecer o meio ambiente para interagir com ele

Apesar de ecologistas discutirem há mais de meio século os efeitos da ação do homem sobre o planeta, a temática é recente nas salas de aula. Educação socioambiental é o termo mais usado nos últimos tempos para definir o conceito por debater as responsabilidades dos indivíduos e as consequências de suas ações

PorCinthia RodriguesRogério FernandesIsabel Malzoni

01/08/2010

Foto: Eduardo Pozella
CRIANDO CONCEITOS Ao estudar de
forma contextualizada questões
relacionadas à energia, à água, ao
clima e ao consumo, o aluno ganha
condições de perceber seu papel
para a sustentabilidade do planeta.
Fotos: Eduardo Pozella

Os alunos do 9º ano do Colégio Oswald de Andrade, em São Paulo, começam o segundo semestre letivo sabendo que têm um grande trabalho pela frente. Há oito anos, a escola promove nessa etapa de ensino um estudo do meio sobre questões energéticas coordenado pelos professores de Ciências, Geografia, História e Matemática. A escolha do tema se deve, justamente, ao que à primeira vista parece ser a maior dificuldade para a sua abordagem: a complexidade. "A energia é um assunto que pede a articulação de diversas áreas do conhecimento. Com isso, acreditamos que aumenta o potencial de aprendizagem", explica o coordenador pedagógico do Ensino Fundamental, Eduardo Campos.

O trabalho dos alunos é dividido em três fases. O "antes" se dá quando os professores de cada disciplina trabalham em sala de aula com os conteúdos específicos de sua área, preparam e sensibilizam os alunos para o tema e problematizam e planejam o que eles vão encontrar no trabalho de campo. O "durante" prevê a saída a campo com a visita a uma usina nuclear, a uma hidrelétrica e à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que também produz energia com carvão vegetal. A etapa prevê ainda a entrevista com moradores dos arredores desses empreendimentos para entender como se dá a interação entre a população e a produtora de energia. Segundo Campos, o quesito socioambiental do projeto é o que mais sensibiliza os alunos. Na volta à escola, é a hora do "depois". Todos se reúnem e sistematizam as informações coletadas, tiram conclusões e apresentam os trabalhos. "Com esse projeto, tratamos da formação de conceitos em profundidade ao mesmo tempo em que buscamos mostrar aos estudantes um cenário mais amplo. Assim, estimulamos todos à reflexão para que sejam capazes de analisar e propor alternativas concretas para questões da área no futuro", explica Campos.

Iniciativas como a do colégio paulistano estão de acordo com a abordagem atual dada à Educação socioambiental. A energia é apenas uma das portas de entrada para a questão, juntamente com água, clima, consumo e sustentabilidade (todos tratados nesta edição especial). "O conceito surgiu nos anos 1960 com uma visão preservacionista, mas evoluiu para algo mais amplo, que está sendo chamado de socioambiental por envolver toda a relação da sociedade com o meio ambiente", explica Sueli Furlan, docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e selecionadora do prêmio Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.

Para a pedagoga Silvia Lamanna, superintendente-executiva do Instituto Verdescola, em São Paulo, a ideia de Educação Ambiental está muito desgastada. "Todo mundo diz que faz: desde quem distribui mudas de árvore até quem promove oficinas sobre o tema. Mas isso está errado", afirma. "A tônica do momento hoje é a Educação socioambiental, que insere o indivíduo na ação." Para realizar um bom trabalho nessa área, Silvia destaca alguns pontos importantes: o primeiro é tratar a temática de forma contextualizada, sem usar, por exemplo, um urso-polar para tratar do aquecimento global. Além disso, é essencial contar com profissionais capacitados à frente da atividade para envolver os aprendizes com o tema e, em seguida, trabalhar os conceitos. Como essa abordagem é recente, de acordo com ela, os professores que não receberam capacitação buscam informações nos meios de comunicação, como a TV. Assim, acabam ensinando o tema pelo lado negativo, citando, por exemplo, os riscos de inundação em ilhas como um efeito do aumento da temperatura da Terra. "O melhor é escolher temas que permitam ao aluno interagir, se envolver e formar bons conceitos", diz Silvia. Sueli Furlan faz eco ao debate. "O melhor critério é a legitimidade", diz. "O professor não tem de trabalhar em sala algo discutido em termos mundiais e que esteja nos jornais, mas aquilo que possa fazer uma diferença mais visível na vida dos estudantes e da comunidade em que vivem."

O professor deve acompanhar a evolução do conceito

Foto: Eduardo Pozella
O PAPEL DA ESCOLA Os professores
que estudam o tema com profundidade
e propõem desafios com foco definido
formam alunos com consciência
ambiental e capacidade de afirmar
valores e de fazer opções de caráter
pessoal e coletivo.

Se para os ambientalistas a questão tem 50 anos, nas salas de aula ela ainda é bastante recente. Daí o calor do debate. "O dia em que esse pensamento for hegemônico, não vamos mais precisar falar de Educação ambiental. Vai ser só Educação, e todos terão esses valores", diz Neide Nogueira, coordenadora do Programa de Educação Ambiental do Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo.

No Brasil, a primeira preocupação formal com a Educação ambiental surgiu em 1973, com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente, que tinha entre suas atribuições a "Educação do povo para o uso adequado dos recursos naturais". Só 15 anos depois, com a Constituição Federal de 1988, foi atribuído ao Estado o dever de "promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino". Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabeleceu que os currículos do Ensino Fundamental e do Médio abrangessem "o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política". Três anos depois, a Lei da Educação Ambiental definiu-a como "um componente essencial e permanente da Educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal." Faltava dizer quem seria o responsável pelo conteúdo e como ele seria desenvolvido em aula.

Em 1997, foram estabelecidos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que determinaram o ensino transversal incorporado às diferentes disciplinas. Assim todos os professores participam de alguma forma do trabalho com o tema. Sem saber exatamente o que fazer, as escolas aderiram como puderam. Segundo o Censo Escolar, em 2001 as instituições de ensino que diziam ter Educação Ambiental eram 64% e, em 2004, o número chegou a 94%. Um resultado tão rápido e positivo levou o Ministério da Educação (MEC) a pesquisar que atividades faziam essas unidades. Em 2006, foram visitadas 403 instituições públicas de 12 estados, que afirmavam promover a aprendizagem do assunto. "Tivemos felizes exceções, mas a maioria se apoiava em ações isoladas, que pouco contribuíam para o real aprendizado", diz Raquel Trajber, coordenadora de Educação Ambiental do MEC.

De acordo com a educadora Neide Nogueira, hoje a escola tem de ir além do estudo do meio ambiente que sempre existiu nos currículos de disciplinas como Geografia e Ciências. "Trata-se de uma questão de Educação de forma ampla, de desenvolver comportamentos e atitudes, afirmar valores, tomar decisões e fazer opções de vida pessoal e coletiva", afirma. O caminho para os educadores, mesmo aqueles que não possuem um conhecimento prévio aprofundado, é estudar muito. Isso vai além de fazer cursos pontuais. A capacitação tem de ser mais profunda. Outra providência importante: direcionar as pesquisas dos estudantes para evitar que abordem sempre as mesmas questões. Quem pede um trabalho sobre "água" ou "solo", por exemplo, tende a receber dados superficiais, que são divulgados pela mídia, ou um estudo apenas conceitual, sem a desejada reflexão. "O professor deve sair do trivial, mostrar a complexidade do tema e ir buscar informações tanto quanto os estudantes", afirma Sueli.

Glossário sobre meio ambiente

- Aquecimento global Aumento na temperatura da Terra causado por vários fatores, como a emissão de gases poluentes.

- Biocombustível Combustível de origem vegetal, como o etanol (produzido com base na cana-de-açúcar) e o biodiesel (feito da soja).

- Camada de ozônio Faixa da atmosfera que concentra cerca de 90% do ozônio do planeta e controla a radiação ultravioleta que chega à superfície.

- Consumo sustentável Aquele que permite a manutenção de recursos naturais a longo prazo. Engloba escolhas que onerem menos o meio em produção, armazenamento, transporte e comércio.

- Ecologia Ciência que estuda a interação entre os seres vivos e o seu ambiente.

- Energia renovável Fonte de energia, como a eólica, solar e de quedas d?água, que não se esgota com o uso e tem baixo impacto ambiental.

- Gás carbônico Dióxido de carbono (CO2), liberado na respiração e na queima de combustíveis fósseis.

- Hidroeletricidade Corrente elétrica produzida por força hidráulica.

- Produto orgânico Aquele que não contém agrotóxico e foi cultivado com impactos ambientais reduzidos.

- Permacultura Método para planejar, atualizar e manter um sistema ambientalmente sustentável.

- Poluente Toda substância ou energia que, lançadas no meio ambiente, interferem no funcionamento do ecossistema.

- Preservação ambiental Ação que visa proteger espécies, hábitats e ecossistemas a longo prazo.

- Resíduos sólidos Todo material sólido que o homem descarta após o uso.

Quer saber mais?

CONTATOS
Coordenadoria de Educação Ambiental do MEC
Instituto Verdescola, tel. (11) 3034-4283
Neide Nogueira
Sueli Furlan

BIBLIOGRAFIA
Dicionário Barsa do Meio Ambiente, 194 págs., Ed. Barsa Planeta, tel. (11) 3225-1900, 24,50 reais
Educação Ambiental: Repensando o Espaço da Cidadania, Carlos Frederico Bernardo Loureiro, Philippe Pomier Layrargues e Ronaldo Souza de Castro (orgs.), 255 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616, 34 reais
Educação Ambiental Crítica: A Forma da Consciência Ecológica, Michele Amaral Dill, 142 págs., Ed. Nuria Fabris, tel. (51) 3013-3339, 40 reais
Educação Ambiental: A Formação do Sujeito Ecológico, Isabel Cristina de Moura Carvalho, 
258 págs., Ed. Cortez, 39 reais
Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente, 346 págs., Ed. IBGE, tel. (21) 2142-4788, 30 reais

INTERNET 
A publicação Vamos Cuidar do Brasil: Conceitos e Práticas em Educação Ambiental na Escola

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