Por que precisamos parar de repetir aulas
O assunto pode ser o mesmo, mas os alunos mudaram
16/04/2018
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Jornalismo
16/04/2018
Quando eu cursava Biologia na universidade, era comum ver cartazes junto às minhocas e sanguessugas dissecadas nas aulas. As antigas ilustrações, feitas com rigor científico e coloridas com capricho, foram úteis a gerações de professores. Em décadas passadas, esses recursos eram mesmo valiosos na hora de estudar o corpo de um anelídeo. Mas para nós, que já éramos estudantes num mundo digital, pareciam incrivelmente obsoletos. Não entendíamos por que, apesar dos avanços da ciência na captação de imagens, ficávamos naquilo. A justificativa para isso nunca foi dita, mas parecia clara: se a anatomia dos anelídeos não mudou, por que aposentar os cartazes?
Repetir a mesma aula é um hábito que aparece com força também na Educação básica. Aquela atividade sobre paisagem rural e urbana, aquela explicação infalível da equação de primeiro grau estão sempre ali, ano após ano, prontinhas para entrarem em ação. Conheci uma professora que se orgulhava da constância de seu curso, baseado em slides preparados há dez anos e que ela tinha usado com todas as suas turmas desde então. Apesar de ter bastante tempo de escola, podemos dizer que, em planejamento, ela tem apenas um ano de experiência.
Somos levados a pensar que, se a aula já funcionou e o conteúdo é o mesmo, não há razão para mudar. Mas isso não é verdade.
Em primeiro lugar, porque o assunto pode ser o mesmo, mas os alunos mudaram. A geração atual tem acesso à informação como nenhuma outra e, por isso, chega à escola com muitas noções (nem sempre corretas) sobre os conteúdos. Há pouca probabilidade de sucesso para uma aula que não parta do conhecimento que os alunos já têm – e que não é pequeno.
Em segundo lugar, o contexto em que vivemos muda. Os acontecimentos do cotidiano precisam repercutir na sala, funcionando como bons ganchos. Se a contaminação de um rio por rejeitos de mineração ocupa o noticiário, não seria o fato uma ótima deixa para conteúdos de Geografia e Ciências? Precisamos readequar o planejamento às circunstâncias, sem perder de vista o que precisa ser ensinado.
Por último, nós próprios nos transformamos. Se fosse possível assistir nossas aulas de alguns anos atrás, certamente veríamos problemas. A prática nos faz avançar como docentes, e é de se esperar que as aulas evoluam com base nas experiências. A parceria com a coordenação pedagógica é fundamental, pois ela ajuda a realizar ativamente esse processo de análise.
Isso não significa começar um curso do zero todo ano. Se sabemos que uma coisa funciona, pode ser mantida e aprimorada. Não se trata de mudar por mudar, mas de uma necessária abertura para o novo, capaz de adequar a prática ao que o aluno precisa aqui e agora.
FELIPE BANDONI é doutor em Biologia pela USP e professor na Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Colégio Santa Cruz, em São Paulo.
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