Turistas no próprio bairro
Na Zona Norte do Rio de Janeiro, os alunos criaram um tour pela região da escola e se aproximaram da história local
PorPaula Salas
13/04/2018
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Jornalismo
PorPaula Salas
13/04/2018
Um trajeto de quase duas horas separa a EM Bernardo de Vasconcellos do Pão de Açúcar, um dos principais pontos turísticos do Rio de Janeiro. Para a zona portuária, onde estão o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio, leva um pouco menos: uma hora, de transporte público. Não é surpreendente, então, que os alunos da escola se sintam distantes desses pontos.
Com a Basílica Santuário da Penha é diferente. Localizada no mesmo bairro da escola, a principal atração da Zona Norte pode ser visitada após uma caminhada de 20 minutos. Ainda assim, a distância parecia muito maior quando o professor Wander Pinto de Oliveira iniciou um trabalho sobre história local no Ensino Fundamental 2. Os alunos – em boa parte, moradores da Vila Cruzeiro, um complexo de favelas da região – não se identificavam com o bairro. “Eles falavam que lá não havia nada e que quem morava nas áreas de prédios e residências de classe média era a ‘galera mais normal’”, lembra o docente.
A percepção inspirou o professor a focar o planejamento no resgate da sensação de pertencimento e na ocupação dos espaços no bairro. “Tem muita história no asfalto do subúrbio e, quando a pesquisamos, nos apaixonamos”, diz Vilson Luiz, ex-aluno da escola e cofundador do projeto Guiadas Urbanas, de turismo em subúrbios.
Das ruas para a escola, e vice-versa
Para garantir que os laços dos jovens com a região seriam fortalecidos, os estudantes e a comunidade local tomaram a frente das aulas. “Eles tinham mais a ensinar sobre a Penha por causa da vivência deles”, diz Wander. A turma criou e apresentou mapas do caminho entre a casa de cada um e a escola e moradores do bairro foram chamados para contar histórias e apontar quais locais eram considerados importantes por quem vivia na Penha há muito tempo.
O trabalho incitou o desejo de visitar os lugares levantados. “Além de falar em sala, os alunos queriam mostrar onde moravam”, explica Wander. A partir disso surge o Rolé na Penha, projeto de turismo local protagonizado pelos alunos. O roteiro foi montado pelos próprios estudantes. “Mapeamos pontos importantes de visitar, relevantes para o bairro, mas esquecidos pelo turismo por conta da violência”, diz Wander (veja na ilustração abaixo com os lugares escolhidos).
Durante a preparação do tour, a turma aprofundou as pesquisas sobre os pontos levantados usando depoimentos de familiares e pesquisas na internet. “Os moradores têm histórias que muitos livros não contam”, afirma Wander. Depois, apresentaram aos demais colegas o que haviam descoberto e selecionaram os fatos que poderiam interessar a quem estivesse participando da visita. “Foi muito interessante, moro aqui desde que nasci e nunca soube a história dos lugares”, afirma a estudante Thálita Oliveira, 14 anos.
Meio de transporte inaugurado em 2016, como parte das obras na cidade para os Jogos Olímpicos.
Primeira rua da Penha. Conhecida pelo formato de seus postes de luz.
Em 1964, foi o primeiro parque no subúrbio carioca. Costumava ser um lugar de recreação. Atualmente, está abandonado. Dentro dele, fica a Arena Dicró, espaço cultural da prefeitura.
Foi moradia de nomes importantes do governo e da Igreja. Virou maternidade e, depois, posto do INSS. Hoje, é um estacionamento e apenas sobrou um muro do antigo Castelo.
Uma das favelas dentro do complexo da Vila Cruzeiro. Lugar importante na história da Penha: antigamente, era o único lugar com acesso à agua, então os moradores iam até lá para se abastecer.
Inaugurado em 1919 como um parque de diversões itinerante. Em 1934, fixou-se onde está hoje. Famoso pelo seu carrossel feito de madeira, um dos mais antigos do mundo.
Na escola, o destaque é a galeria de arte produzida pelos alunos.
História local e interdisciplinaridade
O projeto de Wander se destaca por usar a história local como base para abordar assuntos do currículo, como o período colonial. Próximo à escola fica a Rua dos Romeiros, primeira via da Penha, o que permitiu começar discutir o bairro desde sua fundação no século 17. A igreja, principal ponto turístico, serviu também para tratar da religiosidade no Brasil do período e os estudantes descobriram que existiu um quilombo ali perto.
É possível recuperar a história local, mesmo quando há pouca informação disponível online. No artigo A Importância do Estudo de História Regional e Local na Educação Básica, o professor Luís Carlos Borges da Silva lista exemplos de fontes: fotografias, documentários, documentos oficiais do acervo do município, objetos – como brinquedos ou itens de decoração – e, é claro, relatos pessoais. “O grupo precisará comparar essas informações com outras fontes para tecer uma narrativa coerente”, afirma Luis Fernando Cerri, professor da licenciatura em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Trabalhos como o de Wander também são um território fértil para abordar a interdisciplinaridade. Os alunos da EM Bernardo de Vasconcellos estudaram conceitos de fotografia – para garantir que os “turistas” teriam registros bem-feitos – e de produção textual – que os ajudou a compor os textos falados durante o passeio.
O professor também percebeu uma grande curiosidade por temas da Geografia, como a composição populacional da região, a taxa de mortalidade, a formação da favela e os fluxos migratórios que levaram famílias do Nordeste ao Rio.
No fim do projeto (que deve se repetir este ano), os alunos de Wander e o público do tour ganharam novos conhecimentos sobre o bairro e puderam se reaproximar do local onde moram.“Vejo a Penha de outra forma. Antes não ligava muito, mas agora gosto mais de morar aqui”, diz a estudante Eloryane Marques, 14 anos.
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