Compartilhe:

Jornalismo

Tecnologia pode ajudar crianças a entender as emoções dos outros

O projeto da neurocientista Vivienne Ming busca promover o desenvolvimento de uma criança com uso de programas sofisticados

PorSoraia Yoshida

11/04/2018

A neurocientista norte-americana Vivienne Ming   Foto: Divulgação

Combinar neurociência cognitiva, aprendizado de máquina (machine learning) e economia para maximizar os resultados de uma criança na escola ou de um adulto em uma empresa parece complicadíssimo. E é, mas isso não impediu a neurocientista norte-americana Vivienne Ming de combinar todas essas ciências na Socos Lab. Quarta empresa criada pela também autora e empreendedora, ela está convencida de que determinados estímulos dados pelos pais a uma criança desde a primeira infância podem potencializar seu desenvolvimento – fazendo com que alcance o melhor resultado em sua vida adulta.

LEIA MAIS   Neurociência e escola: Aprendizagem por Dentro

Em suas pesquisas, Vivienne utiliza sistemas de inteligência artificial para estabelecer como será o futuro do trabalho e da Educação. Na Socos, uma startup educacional, o foco está no uso de algoritmos para dar aos professores medidas mais precisas de quanto um aluno compreende de cada disciplina e tema – seja Biologia na escola comunitária ou aritmética básica no Fundamental – sem fazer uso de testes padrão.

LEIA MAIS   "As crianças aprendem fazendo, o mesmo vale para os educadores"

Nas palestras pelos Estados Unidos e mundo afora, ela também defende as causas LGBTT e fala sobre sua experiência de ter nascido Evan Smith e sua transição para a acadêmica mãe de dois filhos. Evan era um aluno inteligente; Vivienne tornou-se uma cientista brilhante, na visão dos colegas do Vale do Silício. Com uma agenda que inclui aulas na Universidade de Berkeley e na Singularity University, Vivienne vem ao Brasil para falar de suas pesquisas em neurociência e como podem afetar a maneira como uma criança pode desenvolver seu potencial de forma mais completa, durante o HSM/Singularity Summit em São Paulo.

LEIA MAIS   Cada um aprende de um jeito

Em entrevista por e-mail a NOVA ESCOLA, Vivienne Ming explica melhor como funciona uma das apostas da Socos Lab, Muse, um software criado para a interação entre pais e filhos que sugere diariamente uma interação e que aprende com os resultados – do mesmo jeito que uma criança faria. As sugestões são personalizadas, como convidar a criança a fazer a leitura antes de dormir, em vez de apenas ouvir os pais, ou então levá-la ao museu ou ainda estimular pais e filhos a trabalharem juntos em algum problema que exija uma solução. O banco de dados é alimentado diariamente e, ao acompanhar as respostas dos pais, o sistema de inteligência artificial entende melhor como as crianças aprendem e como se desenvolver. 

Até uns dez anos, a expectativa é que um bom aluno iria à escola para ter contato com as grandes áreas do conhecimento, aprender com professores e então partir para sua vida adulta. Agora, os educadores dizem que conhecimento não é suficiente e que é necessário ter habilidades como motivação, perseverança e resiliência. Em que momento os professores e pais deveriam incutir essas habilidades nas crianças?
VIVIENNE MING Construir e promover esses traços pessoais é um processo que pode ser iniciado em qualquer idade, com os melhores resultados se a intervenção começar na infância. Por exemplo: crianças começam a aprender o significado dos valores que são moldados por sua família ao observar o esforço que seus pais colocam em diferentes tarefas. Os bebês valorizam algumas coisas muito mais do que outras, apenas vendo os adultos se esforçarem para conseguir algo.

Nosso trabalho é focado em desenvolver 50 habilidades e atitudes, a partir da perspectiva e crescimento dessa maneira de ver as coisas até chegar à metacognição, resolução de problemas e memória de trabalho (working memory). Estas áreas foram identificar pela ciência do aprendizado e por pesquisas que fiz para promover saúde, bem-estar, Educação e ganhos em anos posteriores, e para dominar fatores no sucesso educacional, econômico e até do ponto de vista empreendedor.

No Socos Lab, você criou um programa que usa dados para tentar prever qual será o nível de sucesso de um aluno. Como funciona?
Nosso objetivo não é “prever o resultado de um aluno”. É ajudar estudantes a se desenvolverem para ter melhores resultados. Nesse sentido, não estamos construindo um perfil estatístico de uma criança, mas muito mais uma aspiração do ser humano que essa criança quer se tornar: uma pessoa mais resiliente, com capacidade de tomar decisões, pensamento estratégico mais desenvolvido etc. O que acontece é que em nosso trabalho essas aspirações não são arbitrárias. Por exemplo: nosso aplicativo de apoio aos pais, Muse, faz uma pergunta diferente a cada dia, e conforme a resposta somos capazes de aprender mais sobre uma criança e seus pais. As respostas nunca não compartilhadas com outras pessoas, mas o aprendizado de máquina que forma a base do Muse nos permite usar essas respostas para prever em que áreas uma criança pode se beneficiar de um maior desenvolvimento. Usando tendências em habilidade de nossa análise de mais de 122 milhões de profissionais do mercado de trabalho e outros insights encontrados em pesquisas sobre ciência do aprendizado, o aplicativo sugere atividades para promover as habilidades de “meta aprendizado” que mais irão beneficiar a criança. O objetivo é sugerir uma intervenção que apoie o potencial da criança e compartilhar estas informações com os pais e responsáveis, para que essa criança cresça com sua família, e não com um celular.

O que acontece com o processo de tentativa e erro, de aprender com nossos fracassos? Ainda seria válido como parte do processo de aprendizagem ou vai se tornar obsoleto?
Desenvolver resiliência, um fator causal forte em pessoas que atingiram um patamar positivo requer experiências da vida real – estamos falando de fracassos seguidos por persistência e sucesso. A mistura certa de desafio e apoio para atingir a eventual realização é exatamente o que pais e escolas tentam compartilhar com as crianças, mas há muita adivinhação envolvida e boas intenções por parte dos pais (algo que também se aplica a mim, que tenho dois filhos). O propósito do nosso aplicativo é dar apoio a pais ao oferecer objetivos de experiências ricas em áreas em que seus filhos estão prontos para se desenvolver. Às vezes, isso significa atividades que desafiam força. Às vezes, as atividades envolvem o suporte certo para estimular o crescimento em pontos mais fracos. Mesmo que a Inteligência Artificial (IA) desse conta de toda a parte de adivinhação (o que não é o caso), o propósito do nosso trabalho em uma escala mais ampla é usar o aprendizado de máquina para promover essas experiências desafiadoras, e não substitui-las.

Ciência e tecnologia atingiram um ponto em que crianças ou jovens podem estudar por conta própria? Você acredita que os professores não são mais necessários essenciais ao processo de aprendizado?
Estudar e aprender são experiências muito diferentes quando feitas em esquemas diversos: de forma independente, em grupos pequenos, em grandes palestras, etc.  A tecnologia deveria ser usada como uma ferramenta para professores, mas nunca como um substituto. Se usadas corretamente, essas ferramentas tecnológicas podem ampliar a habilidade de um professor de ter um impacto sobre um aluno e promover verdadeiramente seu potencial – ao identificar as formas mais valiosas de oferecer feedback e guiar a experiência do estudo com novo material.

Na verdade, o maior desafio na Educação é engajamento. Fazer uma criança acreditar que seu esforço vai valer a pena é o ponto central de qualquer experiência educacional (juntamente com a construção de um mundo no qual seu esforço será recompensado de maneira que faça sentido). A internet está cheia de ferramentas de tecnologia educacional grátis para todo tipo de propósito, mas construir tecnologia não “resolve” a questão da Educação. Lançar um aplicativo que não ofereça qualquer engajamento só vai aumentar a desigualdade educacional. As únicas pessoas que vão fazer uso dessa tecnologia são aquelas que menos precisam dela, ou seja, as mesmas famílias que enxergam valor na Educação. Promover pequenas melhorias para crianças relativamente privilegiadas não tem qualquer efeito no resultado de milhões ou até bilhões de outros alunos. Sempre haverá um papel central para os pais, professores e uma comunidade mais ampla na determinação dos valores e resultados de uma criança.

Se pudermos olhar para todas estas informações e prever o resultado da vida de alguém, será que isso não acabaria com a crença dos jovens de que eles são capazes de qualquer coisa e de mudar quando quiserem?
Qualquer pessoa pode mudar e evoluir no momento em que escolher, esse é exatamente o ponto da tecnologia. As previsões principais do Muse são ligadas a como uma determinada experiência de vida pode dar um empurrãozinho em uma criança em direção a uma vida mais feliz, saudável e de impacto maior – e não pré-determinar seu destino. Nossos insights oferecem apoio e direção na maneira como os pais podem ajudar a destravar o potencial de seu filho. Decidir por uma criança que ela poderia ser um programador ou dizer-lhe que nunca vai desenvolver foco ou criatividade seria uma tragédia. Ajudar uma criança a se preparar para as durezas da vida ou a compreender as emoções dos outros, por outro lado, tem tudo a ver com construir uma sociedade de exploradores.

 

continuar lendo

Veja mais sobre

Últimas notícias