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Jornalismo

As grandes teorias e a sala de aula

As revoluções científicas, como a realizada por Darwin, mudam a forma como a sociedade encara o conhecimento. Trabalhar essas transformações também é conteúdo da disciplina

PorNOVA ESCOLARodrigo RatierBianca BibianoAnderson Moço

01/04/2009

A ciência busca a verdade. Justamente por isso, a verdade de hoje pode se revelar incompleta ou inconclusiva amanhã. Charles Darwin fez isso no século 19 ao publicar sua Teoria da Evolução das espécies: revolucionou conceitos que vigoravam de forma sólida e precisaram ser revistos. Mas ele não foi o primeiro. Ao contrário. A história da humanidade está marcada por esses avanços científicos e é papel da escola (e de todo professor) acompanhar essas transformações para não passar informações erradas aos alunos nem defender conceitos ultrapassados. Veja aqui um pouco desses avanços na forma como a cultura ocidental já enxergou sua relação com a natureza, definiu valores e crenças e construiu ideias sobre a realidade que o cerca.

- Durante toda a pré-história, os fenômenos naturais eram atribuídos aos deuses. "A humanidade acreditava que a base para explicar a realidade estava na existência de dois mundos: o real e o sobrenatural", explica Marilda Behrens, mestre e doutora em Educação e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná.

- Entre os séculos 8 a.C. e 6 a.C., na Grécia antiga, floresceu a Era da Teoria do Conhecimento Clássico. Segundo essa concepção, a natureza tinha uma ordem, uma causa e um efeito - e a busca pela verdade se dava pela razão.

- Já na Idade Média, do século 1 ao 13, nasce o teocentrismo, a concepção de Deus como o centro do universo e do conhecimento. Acreditava-se que a verdade só era acessível por meio da fé, pois o monopólio do conhecimento estava nas mãos da Igreja, e que existiam verdades supremas e divinas que a razão não chega a conhecer.

- Os séculos seguintes foram marcados por um período de enorme vitalidade no campo das artes e das ciências. O chamado Renascimento, que teve seu apogeu entre os séculos 15 e 16, com nomes como Michelangelo (1475-1564), Leonardo da Vinci (1452-1519), Nicolau Copérnico (1473-1543) e Giordano Bruno (1548-1600), se caracterizou, entre outras coisas, por colocar as pesquisas e análises empíricas (ou seja, derivadas de experimentos ou da observação da realidade) como o único caminho na busca para a verdade. Foi nessa época que começou a cair por terra a ideia de aceitar como fontes de conhecimento o mito (pré-história), a razão (Grécia antiga) e a fé (Idade Média).

- Com a Idade Moderna, teve início o período em que a ciência devia valorizar a certeza absoluta, objetiva e inquestionável. Isso provocou uma verdadeira revolução na história do pensamento científico, pois criou um novo padrão de racionalidade, centrado na Matemática, em que a natureza foi reduzida a partes mensuráreis e observáveis. Foi nessa época também que teve início um processo de ampliação da rede de escolas de nível primário e secundário e, por isso, essa visão do ensino logo se tornou a dominante (posição em que permaneceu, intocada, até o século passado).

Segundo esse modelo, que ainda hoje tem espaço em escolas, cabe aos estudantes decorar conceitos e estudar os fenômenos com base nas partes. Assim, a ciência é apresentada como uma verdade imutável e o conhecimento está fragmentado em áreas. "Nessa concepção, as leis científicas são divulgadas como mágicas, surgidas da manga dos cientistas. E os erros dos alunos são vistos como algo que leva ao fracasso e, portanto, têm de ser esquecidos e ignorados", destaca Silvia Moreira Goulart, docente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), mestre em Educação e doutora em História da Ciência.

Um novo mundo e uma nova Educação 

O questionamento a essa visão começou a tomar corpo em meados do século 20, justamente graças a uma nova onda de avanços em diversos campos (vale lembrar o nascimento de áreas como a Genética e a Ecologia). As novas teorias deixaram claro que o estudo das partes é insuficiente, razão pela qual é preciso inter-relacionar diferentes formas de ver o mundo para poder construir um conhecimento do todo. O mundo passou a ser visto como uma rede, com múltiplas conexões e um fluxo de energia em constante transformação.

As descobertas de Charles Darwin, relatadas nas páginas anteriores, têm tudo a ver com isso. Para fundamentar sua Teoria da Evolução, o naturalista inglês alinhou conhecimentos de Geologia, Biologia e Economia e mostrou que é preciso integrá-los para entender a natureza. É esse mesmo movimento que, a passos ainda lentos, vem sendo feito na organização do ensino de Ciências. Por isso, é impensável hoje propor aos alunos atividades inspiradas em ideias que já se perderam no tempo. Fazer a turma decorar conceitos, por exemplo, não fornece ferramentas para enxergar as relações entre as áreas do saber. A chave é entender que o conhecimento avança e que a escola é o lugar para fazer todos refletirem sobre o próprio avanço da ciência e o percurso feito pela humanidade, num processo que não termina (aliás, compreender que pode haver alguém pesquisando em busca de uma análise mais recente do mesmo objeto de estudo também faz toda a diferença).

"Muitas vezes, a informação trazida pela garotada para a sala é baseada em práticas cotidianas distantes do conhecimento científico mais atualizado", ressalta Silvia Moreira. Isso não é ruim. Ao contrário, esses "erros" devem funcionar como um aliado do professor. "Essas concepções espontâneas frequentemente se assemelham a conceitos mais antigos, que mudaram ao longo do tempo. E isso é um ótimo ponto de partida para mostrar como aquele conhecimento se aprimorou." Levar as crianças a refletir sobre a ciência é dar a elas meios de buscar respostas por si mesmas e desenvolver novas formas de ler o mundo. Exatamente como Darwin fez.

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CONTATOS
Antonio Carlos Pavão
Charbel El-Hani
Diogo Meyer
Ildeu de Castro
Marilda Behrens
Nelio Bizzo
Silvia Moreira Goulart

BIBLIOGRAFIA
A Origem das Espécies, Charles Darwin, 640 págs., Ed. Martin Claret, tel. (11) 3672-8144, 18,90 reais
Aventuras e Descobertas de Darwin a Bordo do Beagle, Richard Keynes, 404 págs., Ed. Jorge Zahar, tel. (21) 2108-0808, 59 reais
Charles Darwin - Em um Futuro Não Tão Distante, Maria Isabel Landin e Cristiano Rangel Moreira (orgs.), 168 págs., Ed. Instituto Sangari, tel. (11) 3474-7500, 35 reais
Darwin - Do Telhado das Américas à Teoria da Evolução, Nelio Bizzo, 230 págs., Ed. Odysseus, tel. (11) 3816-0835, 22 reais
O Diário do Beagle, Charles Darwin, 526 págs., Ed. UFPR, tel. (41) 3360-7489, 60 reais
O Paradigma Emergente e a Prática Pedagógica, Marilda Behrens, 120 págs., Ed. Vozes, tel. (21) 2215-0110, 20,40 reais
Para Compreender a Ciência: uma Perspectiva Histórica, Maria Amélia Andery, 436 págs., Ed. Educ, tel. (11) 3670-8558 (edição esgotada)
Vida: a Ciência da Biologia (vol. 3), William K. Purves e outros, 480 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 99 reais 

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