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Jornalismo

Fim de ano: estou cansado, mas feliz

Que as férias nos tragam a energia para continuar defendendo nossa profissão frágil e bela.

PorNOVA ESCOLA

14/12/2017

RODRIGO RATIER,

RODRIGO RATIER,
Editor executivo de NOVA ESCOLA e doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP)

C
ansaço é uma das sensações incontornáveis no fim de ano de qualquer professor. Em 2017, voltei a ter essa experiência em primeira pessoa. Retornei à sala de aula, desta vez no Ensino Superior, num curso de jornalismo. Enquanto tamborilo estas palavras no teclado, penso nos 350 textos que esperam minha avaliação. Promessa de um fim de semana, digamos, peculiar. Tudo bem: já vislumbro, como uma miragem, o oásis das férias, aquele lugar mítico onde jorra o maná do ócio - criativo ou não, mas sempre merecido.

Felizmente, outro sentimento me acompanha. Vai soar piegas, mas é o que é. Felicidade. Sim, a carreira é dura, as condições de trabalho são precárias, falta valorização e o salário, ó. Mas também é muito bom ser professor. Não é à toa que se fala na cachaça da docência. Vicia e, ao contrário da aguardente, não tem contraindicação.

Dois mil e dezessete foi um ano duro. Deve ter sido para você também: crise política, recessão, ódio nas ruas e nas redes, esse combo todo. No meu caso, foi também o ano em que disse adeus a meu pai. Quem já passou pela perda de alguém querido (e bota querido nisso) sabe das camadas de dificuldade que o luto acrescenta ao dia a dia. A vida fica mais cinzenta e, muitas vezes, o simples ato de levantar da cama se torna um desafio.

Poder ensinar foi uma das coisas mais importantes para seguir em frente. Sinto que quando estou em aula a tristeza desaparece por algum tempo. Quando toca o sinal - na minha faculdade tem sinal! - entrar em sala equivale a uma recarga de bateria. Começa uma troca que pede muito da minha parte: conhecimento profundo sobre o que vou falar, planejamento prévio para uma apresentação atraente, esforço para me comunicar bem, criatividade para engajar a turma, astúcia para associar o melhor exemplo prático a um conceito teórico. Tudo, enfim, que faz da docência não uma ação mecânica, mas uma atividade intelectual. E das mais exigentes, pois exercida "a quente", com o repertório de conhecimentos sendo convocado a cada vez que surge um imprevisto (o que, convenhamos, é a situação rotineira de uma aula normal).

As recompensas fazem o empenho valer a pena. São muitos os prêmios. Por exemplo, quando você percebe que se fez entender. Quando o conteúdo faz sentido para alguém. Quando um texto no fim do ano é muito superior aos escritos no início. Quando um aluno pede um conselho profissional ou, ainda, uma luz para um problema qualquer. Quando a turma é generosa com seus erros, que são vários, e entende que todos, incluindo o professor, estão ali para avançar.

Em resumo, meus amigos e minhas amigas, sala de aula é vida. Não conheço outra profissão em que o resultado do trabalho seja tão visível, positivo e intenso. Que as férias nos tragam a energia para dar boas aulas em 2018. É a maneira mais poderosa de defender nossa profissão frágil e bela.

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