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Jornalismo

Olhar fotográfico

Para que todos os alunos aprendam a clicar com autonomia, é imprescindível explorar conceitos como ângulo, luz e enquadramento

PorAna Rita Martins

01/03/2010

Foto: Tamires Kopp
HISTÓRIA E TÉCNICA A turma da EEEF Ismael Chaves Barcellos estudou os conceitos da fotografia. 
Fotos: Tamires Kopp
Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10

"Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração", bem definiu o francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004), um dos profissionais dessa arte mais célebres do século 20. Porém não era isso o que ocorria no pátio da EEEF Ismael Chaves Barcellos, em Caxias do Sul, município a 163 quilômetros de Porto Alegre. Lá, embora os jovens costumassem clicar durante o intervalo das aulas para passar o tempo, não tinham um olhar apurado para reconhecer os elementos que compõem a linguagem fotográfica e são fundamentais para garantir boas imagens. Atenta ao comportamento deles e ciente de que a disciplina não pode só contemplar as formas mais tradicionais no campo das artes visuais (como a pintura, a escultura, o desenho e a gravura), a professora Rosangela Tamagnone desenvolveu um projeto didático nessa área com as turmas de 8º e 9º anos (leia o quadro abaixo). "Ela ampliou o repertório dos alunos, fez com que eles entrassem em contato com os conceitos da fotografia e permitiu que criassem com autonomia, mas com apoio de um bom repertório técnico. Por isso, mereceu o troféu de Educadora Nota 10 do Prêmio Victor Civita de 2009", afirma Paulo Nin Ferreira, coordenador da área de Arte do Colégio I. L. Peretz, na capital paulista, e selecionador do Prêmio.

Dissecar o ato e a fotografia em si é uma atividade que deve ser desenvolvida combinando reflexão (contextualização e pesquisa), apreciação (interpretação de obras artísticas) e produção (desenvolvimento de um percurso de criação). Para começar, Rosangela resolveu abordar a história da técnica, fazendo os estudantes terem contato com vários equipamentos (inclusive os analógicos, como as câmeras que utilizam filmes) para que aprendessem como eles funcionavam. Essa é uma boa estratégia, afinal de contas a arte em questão tem um passado e tanto. A Academia de Ciências da França anunciou oficialmente a invenção dela em 1939 e, de lá para cá, muitas imagens foram registradas tanto com filmes fotográficos como com as moderníssimas digitais.

Foto: Tamires Kopp
OBSERVAÇÃO ATENTA Ao analisar fotografias, os alunos aprendem como ângulo e luz são conceitos importantes

Vale frisar que as características dessa linguagem, como luz, ângulo, perspectiva, composição, planos, textura, foco e movimento, não devem ser abordadas somente de forma expositiva. Esse conteúdo todo deve ser aprofundado durante a apreciação e análise das imagens feitas por pessoas comuns e por profissionais. Pois é com a visualização e as intervenções do professor que o aluno o perceberá de forma contextualizada e terá condições de avaliar o impacto que os vários elementos causam quando são usados conscientemente e quando o autor não os conhece.

Ao exibir, por exemplo, a foto de um cervo com parte do corpo sob uma árvore e outra com exposição direta à luz do Sol, Rosangela perguntou qual área era vista com mais nitidez e o que possibilitava a clareza. "Essa foi a deixa para o grupo discutir a importância da luz na fotografia e chegar à conclusão de que o animal deveria ter sido clicado com o corpo inteiro sob a mesma luz para que ficasse nítido por completo", diz ela. Para abordar outros componentes, como intencionalidade, ponto de vista e tema, ela lançou mais questões sobre outras imagens. Por exemplo: "Por que Sebastião Salgado resolveu fotografar o rosto enrugado desse homem do campo tão de perto?" Incentivados, os estudantes levantaram hipóteses, aprendendo a usar os elementos que compõem a fotografia como um critério na hora de analisar, interpretar e registrar por escrito suas impressões sobre as produções.

Ampliar o repertório para criar

Foto: Tamires Kopp
IDEIA VISUAL Fotografar com qualidade e manipular imagens foi o foco do projeto de Rosangela

Rosangela Tamagnone nasceu em Passo Fundo, a 315 quilômetros de Porto Alegre. Filha de um fotógrafo, quando criança ela costumava passar horas no estúdio do pai, revelando imagens e perguntando tudo sobre o funcionamento dos equipamentos. Mais tarde, já formada em Artes Plásticas pela Universidade de Passo Fundo (UPF), resolveu aliar a paixão à carreira docente. Professora há 13 anos, ela jamais deixa essa linguagem fora do planejamento.

Objetivo
No trabalho com as turmas de 8º e 9º anos da EEEF Ismael Chaves Barcellos, em Caxias do Sul, Rosangela desejava que os alunos desenvolvessem o pensamento fotográfico. Para isso, foi fundamental explorar a história da fotografia e as partes de uma máquina e ainda fazer com que todos reconhecessem e usassem os elementos (luz, ângulo, perspectiva, composição, planos, textura, foco e movimento) que compõem essa linguagem visual. Além disso, ela quis que o grupo aprendesse a ler imagens, fotografar com criatividade e fazer uma releitura das próprias obras.

Passo a passo
Depois de uma aula sobre a história da fotografia, Rosangela promoveu uma palestra com uma profissional que sempre trabalhou com câmeras analógicas - essa foi uma maneira de todos explorarem o equipamento e aprender como funcionava cada uma de suas partes. Depois, a professora apresentou imagens feitas por pessoas comuns e por fotógrafos conhecidos, incentivando os estudantes a reparar nos elementos que se destacam na linguagem visual e debater sobre eles. Com o olhar mais afinado, a turma foi convidada a fotografar a escola. Em seguida, Rosangela convidou outro fotógrafo profissional para ensinar os alunos a usar um software de computador para modificar as imagens. Cada grupo selecionou 15 fotografias, justificando os critérios adotados na escolha, e alterou-as no computador para, em seguida, organizar uma exposição.

Avaliação
Rosangela ficou atenta ao percurso de todos os estudantes, aos argumentos que utilizavam na interpretação das imagens, à forma como utilizavam os elementos da linguagem visual na hora de fotografar e às justificativas para o uso de filtros, recortes e outros recursos disponibilizados pelo software. Ela também analisou as razões dos alunos ao selecionar as imagens a serem manipuladas.

A importância do repertório e da análise da cena

Foto: Tamires Kopp
CLIQUE CONSCIENTE Em grupos, os jovens escolheram locais da escola para registrar com a câmera e o celular

Depois de terem acesso a todo esse conhecimento e estarem, consequentemente, com o olhar mais treinado, os alunos têm realmente melhores condições para disparar os primeiros cliques. "Assim eles já sabem a importância de estudar antes o ambiente e definir, com base nisso, o que vão querer retratar", explica Paulo Nin Ferreira.

A ausência de muitos equipamentos na escola não pode ser, em hipótese alguma, uma desculpa para não realizar um trabalho como esse - que permite à garotada construir, expressar e se comunicar em artes visuais. Telefones celulares com câmera podem fazer as vezes de uma máquina mais convencional e até abrem espaço para discutir como se fotografa com eles, a qualidade das imagens que produzem e as funções que os aparelhos disponibilizam, entre outras questões. Além disso, os recursos também podem ser usados em grupo. No entanto, se isso ocorrer, é importante que cada imagem seja uma construção coletiva, fruto do debate de todos.

Foto: Tamires Kopp
MUITA CRIATIVIDADE Com um programa de computador, a turma manipula as imagens para uma exposição

O clima de análise deve continuar após a realização das fotografias. Durante a apreciação das produções, o professor deve observar se a turma teve dificuldade em usar algum elemento da linguagem fotográfica e repassá-lo para que ninguém fique para trás.

Outra atividade de criação que auxilia os estudantes a pensar sobre a própria obra é a releitura. Antes de propô-la, é preciso dar exemplos de algumas, como a assinada pelo artista franco-chinês Yan Pei-Ming. Ao interpretar a obra Mona Lisa, do pintor italiano Leonardo da Vinci (1452-1519), ele retratou a mulher chorando. Em sala, a releitura pode ser feita sobre fotografias tiradas pela própria turma para que todos reflitam ainda mais sobre o que foi produzido e possam abusar da criatividade sem as amarras do enquadramento. As possibilidades, nesse caso, são infinitas. Usar materiais bastante simples e acessíveis, como giz de cera, fita adesiva e cartolina, é uma das ideias (leia o projeto didático). Mas alterações nas imagens também podem ser feitas de modo mais sofisticado, usando programas de edição no computador, como Rosangela propôs. Os estudantes puderam experimentar diversos recursos para acrescentar objetos e cores e mudar a tonalidade de espaços, entre outras possibilidades. Afinal, fazer arte também (e, por que não dizer, principalmente) é tomar consciência do próprio percurso de criação.

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