Só educador pode falar sobre Educação?
Com essa atitude, atacamos o autor, não a ideia. E perdemos a chance de examinar boas sugestões
12/03/2018
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Jornalismo
12/03/2018
Educação é a típica área em que todo mundo acha que pode meter a colher. Economistas, psicólogos, administradores - e, claro, os políticos! Todo mundo tem um palpite certeiro, uma dica mágica, uma receita infalível para resolver os problemas do ensino. Vejo aí um sinal claro da desvalorização da docência. Convenhamos: é difícil imaginar alguém dando pitacos na técnica de um cirurgião, dizendo a um engenheiro civil como ele deveria construir uma ponte ou aconselhando um advogado sobre sua arguição diante do tribunal. Mas sobre sala de aula todo mundo se sente autorizado a falar...
E aí, como reagimos? Geralmente, com o fígado. Você já deve ter visto (ou usado) a seguinte frase durante uma discussão: "Você não pode falar sobre Educação. Você não é professor!".
Dá para entender a atitude. Muita gente quer se meter desconhecendo o dia a dia de nossas escolas. Também vejo uma justa indignação contra o senso comum de que educar é coisa fácil, intuitiva. Bem ao contrário: o ensino precisa estar amparado em investigação científica sobre a prática. É justamente a isso que se dedicam as Ciências da Educação, há nada menos que 500 anos! Respeitar esse saber secular é um dos requisitos para revalorizar a profissão. Na necessidade de conhecimento específico, nossa área em nada difere da medicina, da engenharia e do direito.
Mas defendo que todos possam opinar sobre o tema. Por várias razões. Primeiro, porque todo mundo já foi aluno um dia e as experiências pessoais têm, sim, algum valor. Embora não possam ser generalizáveis, servem para apontar erros e acertos da escolarização. Segundo, porque considero que as pessoas são capazes de ter empatia pelas dores e desafios de seus semelhantes. Terceiro, porque ao silenciar quem não é da área estamos atacando o argumentador, não seu argumento.
Talvez possamos substituir a lógica do "pato de fora não pia" por um exame mais detalhado sobre o conteúdo das falas. A proposta é deixar de enfocar quem está falando para avaliar, à luz das Ciências da Educação, o que está sendo dito.
As questões centrais mudam completamente. A ideia é consistente? Está amparada em pesquisas e dados concretos? Ataca diversos aspectos do ensino ou apenas resolve um problema criando outros (por exemplo, escolas de ótimo desempenho com um péssimo clima escolar)? Leva em conta o que o aluno sabe? Preserva a autonomia do professor? Considera a finalidade pretendida para o ensino (formar cidadãos, capacitar para a vida social e assim por diante)?
Educar é um processo muito complexo. Para ser bem feito, precisa se alimentar de diversos saberes. No fim, economistas, psicólogos, administradores - até alguns políticos - podem dar ideias úteis. Avaliar criteriosamente as sugestões é um bom caminho para qualificar o debate e ajudar o professor a trabalhar melhor. Não é isso o que queremos?
RODRIGO RATIER é editor especial de NOVA ESCOLA e doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP)
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